Arminio mostrou ampla evidência do desastre macroeconômico atual.
No debate com Arminio Fraga na GloboNews, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insistiu em culpar a “crise internacional” pelas dificuldades atuais, e defendeu o modelo de expansão do consumo que vem sendo implementado como a solução ideal para os problemas. Ora, não dá mais para culpar a crise internacional, pois o crescimento do PIB brasileiro passou a ser bem menor do que o do resto do mundo. O problema não é externo, e sim interno. Isso é tão óbvio, que fica a dúvida se a resposta de Mantega é autêntica, ou uma mera busca de bode expiatório externo, que, não sendo um alvo bem definido e estando pouco interessado especificamente no Brasil, é sempre mais fácil de atacar.
Mesmo com as limitações do tempo de TV, Arminio mostrou ampla evidência do desastre macroeconômico atual. Primeiro, a inflação estourou o teto do intervalo de metas, sinalizando excesso de demanda, e ao mesmo tempo o PIB cresce perto de zero. Só mesmo no Brasil dirigido pelo PT. Segundo, o setor industrial está estagnado desde 2008, apesar de todas as custosas políticas de apoio que o governo pôs em prática nesses anos todos. Já se demonstrou que a trajetória da produção industrial média mundial descolou da brasileira, e vem evoluindo bem mais rapidamente que a nossa. Ou seja, algo mais profundo está acontecendo e precisa ser, no mínimo, entendido e, depois, explicado para a população.
Na verdade, o motivo é simples, mas o governo parece desconhecê-lo. Quando se joga tanta lenha da fogueira do consumo, uma hora os salários sobem no setor de serviços, que não tem concorrentes externos. Esses salários mais altos a indústria não consegue pagar, pois lá há forte competição das importações, com preços em dólar tendendo a cair pelo efeito China etc. Num mundo inundado em dólares, o câmbio cai ainda mais e torna os preços industriais menos capazes, ainda, de absorver aumentos de custos. Daí o encolhimento da indústria e a fuga de investidores. Mantendo a política pró-consumo, também esgotada por outros motivos, o governo dá um tiro no próprio pé.
Terceiro, a razão global entre o investimento e o PIB está caindo desde a saída da crise, em 2009. Como o setor público investe pouco, isso mostra, em adição à crise da indústria, o resultado da política de hostilizar o investidor privado, que vem sendo adotada especialmente na fase Dilma, sobretudo onde o governo tem maior ingerência: transportes, energia elétrica e petróleo. Mantega alegou que os investimentos estariam de fato acontecendo nas concessões privadas, e que vão deslanchar ainda mais a partir do ano que vem, passando, de forma espontânea, a carro-chefe da economia. Com base em quê? Esperança? Talvez Arminio tenha tido pouco tempo para aprofundar, mas o fato é que os investimentos são pífios nessa área, apesar dos últimos leilões.
Levou um tempo enorme para a fase Lula-Dilma entender que os leilões de menor tarifa teriam de se iniciar com tarifas-teto mais altas, pois a concorrência se encarregaria de aproximar as tarifas efetivas das menores possíveis. Como Dilma quer as menores tarifas imagináveis (e não o que é possível, diante de outras alternativas ao alcance dos investidores privados), deu vazio em alguns leilões, até que algo mudasse um pouco. Só que a execução dos contratos é outra estória. As perspectivas para os investimentos se realizarem num ritmo adequado não são boas, pois o governo faz tudo para tentar reduzir os retornos dos negócios ao longo da execução das concessões, pondo em risco a sua viabilidade. E a conta disso tudo — a ser paga a partir do próximo ano — é gigantesca. Na energia elétrica, já representa dois anos de Bolsa-Família.
O PIB vem crescendo próximo de zero, e o governo diz que o emprego ainda está forte, embora saiba que é só questão de tempo para isso se mostrar nos mercados de trabalho. O pior são as implicações do baixo crescimento do PIB na área fiscal, área em que é possível escrever um tratado sobre sua deterioração recente: queda dos superávits, contabilidade criativa, recurso exagerado a soluções não sustentáveis no tempo etc. Mantega se esquivou da discussão desse desastre, mas há um aspecto fundamental que precisa ser salientado. Nas contas públicas brasileiras, como se sabe, a despesa é super-rígida a curto prazo. Como o PIB passou a crescer menos, o que implica menor aumento da arrecadação, e o governo não sabe o que fazer com isso, a rota para o desequilíbrio financeiro é evento certo.
Mas há algo mais: a relação entre o crescimento da receita e o do PIB caiu pela metade, de algo próximo de dois para um, entre a fase pré-2008 e a fase mais recente. Ou seja, antes a receita crescia o dobro do PIB. Agora cresce igual ao PIB, que virou pibinho. Assim, uma gigantesca crise fiscal nos espreita, e pode levar à perda do “grau de investimento” nas agências internacionais de risco, e depois à crise cambial, à subida das taxas de juros, e a uma maior queda do PIB e, aí sim, do emprego. Só um governo crível e comprometido com a mudança desse quadro todo evitaria o pior.
No debate com Arminio Fraga na GloboNews, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insistiu em culpar a “crise internacional” pelas dificuldades atuais, e defendeu o modelo de expansão do consumo que vem sendo implementado como a solução ideal para os problemas. Ora, não dá mais para culpar a crise internacional, pois o crescimento do PIB brasileiro passou a ser bem menor do que o do resto do mundo. O problema não é externo, e sim interno. Isso é tão óbvio, que fica a dúvida se a resposta de Mantega é autêntica, ou uma mera busca de bode expiatório externo, que, não sendo um alvo bem definido e estando pouco interessado especificamente no Brasil, é sempre mais fácil de atacar.
Mesmo com as limitações do tempo de TV, Arminio mostrou ampla evidência do desastre macroeconômico atual. Primeiro, a inflação estourou o teto do intervalo de metas, sinalizando excesso de demanda, e ao mesmo tempo o PIB cresce perto de zero. Só mesmo no Brasil dirigido pelo PT. Segundo, o setor industrial está estagnado desde 2008, apesar de todas as custosas políticas de apoio que o governo pôs em prática nesses anos todos. Já se demonstrou que a trajetória da produção industrial média mundial descolou da brasileira, e vem evoluindo bem mais rapidamente que a nossa. Ou seja, algo mais profundo está acontecendo e precisa ser, no mínimo, entendido e, depois, explicado para a população.
Na verdade, o motivo é simples, mas o governo parece desconhecê-lo. Quando se joga tanta lenha da fogueira do consumo, uma hora os salários sobem no setor de serviços, que não tem concorrentes externos. Esses salários mais altos a indústria não consegue pagar, pois lá há forte competição das importações, com preços em dólar tendendo a cair pelo efeito China etc. Num mundo inundado em dólares, o câmbio cai ainda mais e torna os preços industriais menos capazes, ainda, de absorver aumentos de custos. Daí o encolhimento da indústria e a fuga de investidores. Mantendo a política pró-consumo, também esgotada por outros motivos, o governo dá um tiro no próprio pé.
Terceiro, a razão global entre o investimento e o PIB está caindo desde a saída da crise, em 2009. Como o setor público investe pouco, isso mostra, em adição à crise da indústria, o resultado da política de hostilizar o investidor privado, que vem sendo adotada especialmente na fase Dilma, sobretudo onde o governo tem maior ingerência: transportes, energia elétrica e petróleo. Mantega alegou que os investimentos estariam de fato acontecendo nas concessões privadas, e que vão deslanchar ainda mais a partir do ano que vem, passando, de forma espontânea, a carro-chefe da economia. Com base em quê? Esperança? Talvez Arminio tenha tido pouco tempo para aprofundar, mas o fato é que os investimentos são pífios nessa área, apesar dos últimos leilões.
Levou um tempo enorme para a fase Lula-Dilma entender que os leilões de menor tarifa teriam de se iniciar com tarifas-teto mais altas, pois a concorrência se encarregaria de aproximar as tarifas efetivas das menores possíveis. Como Dilma quer as menores tarifas imagináveis (e não o que é possível, diante de outras alternativas ao alcance dos investidores privados), deu vazio em alguns leilões, até que algo mudasse um pouco. Só que a execução dos contratos é outra estória. As perspectivas para os investimentos se realizarem num ritmo adequado não são boas, pois o governo faz tudo para tentar reduzir os retornos dos negócios ao longo da execução das concessões, pondo em risco a sua viabilidade. E a conta disso tudo — a ser paga a partir do próximo ano — é gigantesca. Na energia elétrica, já representa dois anos de Bolsa-Família.
O PIB vem crescendo próximo de zero, e o governo diz que o emprego ainda está forte, embora saiba que é só questão de tempo para isso se mostrar nos mercados de trabalho. O pior são as implicações do baixo crescimento do PIB na área fiscal, área em que é possível escrever um tratado sobre sua deterioração recente: queda dos superávits, contabilidade criativa, recurso exagerado a soluções não sustentáveis no tempo etc. Mantega se esquivou da discussão desse desastre, mas há um aspecto fundamental que precisa ser salientado. Nas contas públicas brasileiras, como se sabe, a despesa é super-rígida a curto prazo. Como o PIB passou a crescer menos, o que implica menor aumento da arrecadação, e o governo não sabe o que fazer com isso, a rota para o desequilíbrio financeiro é evento certo.
Mas há algo mais: a relação entre o crescimento da receita e o do PIB caiu pela metade, de algo próximo de dois para um, entre a fase pré-2008 e a fase mais recente. Ou seja, antes a receita crescia o dobro do PIB. Agora cresce igual ao PIB, que virou pibinho. Assim, uma gigantesca crise fiscal nos espreita, e pode levar à perda do “grau de investimento” nas agências internacionais de risco, e depois à crise cambial, à subida das taxas de juros, e a uma maior queda do PIB e, aí sim, do emprego. Só um governo crível e comprometido com a mudança desse quadro todo evitaria o pior.
14 de outubro de 2014
Raul Velloso, O Globo
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