Comparado a vizinhos barulhentos, Brasil é um país até bastante sensato, mas temos abusado do desleixo em relação às consequências do que praticamos.
Um pensador nacional observou no passado que “subdesenvolvimento não se improvisa: ele é obra de séculos”. Com adaptações, pelo fato de o tempo hoje ter outra dimensão, pode-se dizer que os problemas que o país está tendo não são fruto do acaso: eles resultam de erros sistemáticos. Não é de espantar que estejamos enfrentando dificuldades, com tantos e tão flagrantes erros de diagnóstico que foram se acumulando. É como se um médico tivesse aconselhado um paciente obeso a comer mais ou recomendado um regime espartano a quem sofre de bulimia.
Winston Churchill, que há muitos anos vinha se batendo em defesa da tese de que o nazismo tinha que ser enfrentado, disse, no final dos anos 30, com a verve que o caracterizava, que “o tempo da procrastinação e do adiamento está acabando. Está chegando o tempo das consequências”. Em tempos felizmente menos conturbados do que aqueles e requerendo atitudes não tão heroicas, porém, a conclusão se aplica como uma luva à nossa economia. Parodiando Churchill, “o tempo da procrastinação e do adiamento acabou. Chegou o tempo das consequências”.
Todos os países sofrem de algum grau de populismo, ou seja, de políticas que, na definição de Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards em um texto clássico sobre o tema, enfatizam “o crescimento econômico e a distribuição de renda e não dão ênfase aos riscos da inflação, do financiamento do déficit público e das restrições externas”. Embora a companhia de alguns de nossos vizinhos barulhentos faça do Brasil um país comparativamente até que bastante sensato, o fato é que temos abusado do desleixo em relação às consequências dos atos que praticamos. Um levantamento sucinto dos equívocos recentes nos quais o país incorreu deve incluir os seguintes pontos:
Estímulo ao consumo de energia em um país com escassez de energia. Já se sabia que havia um risco de restrição energética. Com os reservatórios ameaçados de serem esvaziados, ressurgiu no processo de tomada de decisão das empresas o receio de não haver energia. E o que fizemos nessas circunstâncias? Reduzimos o preço, desestimulando o investimento e aumentando a demanda por algo escasso;
Estímulo ao consumo em um país com escassez de poupança. O Brasil precisa aumentar a taxa de investimento e isso deveria estar associado a um aumento da nossa capacidade de poupança doméstica, que, entre 1999 e 2004, nos anos de ajuste, aumentou de 12% para 18% do PIB. Era a trajetória certa, mas ainda insuficiente. E o que fizemos depois? Reduzimos a poupança doméstica, na última informação disponível, para 13% do PIB nos últimos 12 meses. Bom para deixar o eleitorado feliz — mas péssimo para a capacidade de crescimento do país;
Estímulo a aumentos de salário real acima de produtividade em um país com problemas de competitividade. O PT tem se vangloriado em documentos partidários que o salário real está aumentando acima da produtividade. Isso gera peças publicitárias que são certamente boas de marketing, mas que seriam reprovadas no curso de Introdução à Macroeconomia I, pois esse é justamente o calcanhar de aquiles da nossa falta de competitividade: o Brasil está caro!;
Estímulo à contratação de mão de obra em situação de desemprego no piso. O mercado de trabalho nunca esteve tão aquecido. Há escassez de mão de obra e os salários reais estão pressionados. E o que é que fizemos? Desoneração para quem emprega mais mão de obra, regras de conteúdo local para aumentar o emprego, mesmo com aumento de custo em relação aos fornecedores externos etc. Resultado: emprego maior, competitividade pior. Como diria Nelson Rodrigues, é o “óbvio ululante”.
A lista de erros é longa. E a mãe de todos os erros é a concepção de Estado benfeitor, sintetizada pelo grande regente desse processo, o ex-presidente Lula, que, em 2006, conforme citado na época no blog do jornalista Ricardo Noblat, declarou no dia 24/11 que “o Brasil já fez todos os sacrifícios que tinha que fazer. Pois bem, eu acho que agora o povo brasileiro precisa começar a colher um pouco de benefício do Estado brasileiro”. A um Estado na época já inchado, adicionamos ainda mais despesas. O resultado não poderia ser outro. Como sempre, as consequências vieram depois. Nossa pobre competitividade é fruto desses equívocos.
Um pensador nacional observou no passado que “subdesenvolvimento não se improvisa: ele é obra de séculos”. Com adaptações, pelo fato de o tempo hoje ter outra dimensão, pode-se dizer que os problemas que o país está tendo não são fruto do acaso: eles resultam de erros sistemáticos. Não é de espantar que estejamos enfrentando dificuldades, com tantos e tão flagrantes erros de diagnóstico que foram se acumulando. É como se um médico tivesse aconselhado um paciente obeso a comer mais ou recomendado um regime espartano a quem sofre de bulimia.
Winston Churchill, que há muitos anos vinha se batendo em defesa da tese de que o nazismo tinha que ser enfrentado, disse, no final dos anos 30, com a verve que o caracterizava, que “o tempo da procrastinação e do adiamento está acabando. Está chegando o tempo das consequências”. Em tempos felizmente menos conturbados do que aqueles e requerendo atitudes não tão heroicas, porém, a conclusão se aplica como uma luva à nossa economia. Parodiando Churchill, “o tempo da procrastinação e do adiamento acabou. Chegou o tempo das consequências”.
Todos os países sofrem de algum grau de populismo, ou seja, de políticas que, na definição de Rudiger Dornbusch e Sebastian Edwards em um texto clássico sobre o tema, enfatizam “o crescimento econômico e a distribuição de renda e não dão ênfase aos riscos da inflação, do financiamento do déficit público e das restrições externas”. Embora a companhia de alguns de nossos vizinhos barulhentos faça do Brasil um país comparativamente até que bastante sensato, o fato é que temos abusado do desleixo em relação às consequências dos atos que praticamos. Um levantamento sucinto dos equívocos recentes nos quais o país incorreu deve incluir os seguintes pontos:
Estímulo ao consumo de energia em um país com escassez de energia. Já se sabia que havia um risco de restrição energética. Com os reservatórios ameaçados de serem esvaziados, ressurgiu no processo de tomada de decisão das empresas o receio de não haver energia. E o que fizemos nessas circunstâncias? Reduzimos o preço, desestimulando o investimento e aumentando a demanda por algo escasso;
Estímulo ao consumo em um país com escassez de poupança. O Brasil precisa aumentar a taxa de investimento e isso deveria estar associado a um aumento da nossa capacidade de poupança doméstica, que, entre 1999 e 2004, nos anos de ajuste, aumentou de 12% para 18% do PIB. Era a trajetória certa, mas ainda insuficiente. E o que fizemos depois? Reduzimos a poupança doméstica, na última informação disponível, para 13% do PIB nos últimos 12 meses. Bom para deixar o eleitorado feliz — mas péssimo para a capacidade de crescimento do país;
Estímulo a aumentos de salário real acima de produtividade em um país com problemas de competitividade. O PT tem se vangloriado em documentos partidários que o salário real está aumentando acima da produtividade. Isso gera peças publicitárias que são certamente boas de marketing, mas que seriam reprovadas no curso de Introdução à Macroeconomia I, pois esse é justamente o calcanhar de aquiles da nossa falta de competitividade: o Brasil está caro!;
Estímulo à contratação de mão de obra em situação de desemprego no piso. O mercado de trabalho nunca esteve tão aquecido. Há escassez de mão de obra e os salários reais estão pressionados. E o que é que fizemos? Desoneração para quem emprega mais mão de obra, regras de conteúdo local para aumentar o emprego, mesmo com aumento de custo em relação aos fornecedores externos etc. Resultado: emprego maior, competitividade pior. Como diria Nelson Rodrigues, é o “óbvio ululante”.
A lista de erros é longa. E a mãe de todos os erros é a concepção de Estado benfeitor, sintetizada pelo grande regente desse processo, o ex-presidente Lula, que, em 2006, conforme citado na época no blog do jornalista Ricardo Noblat, declarou no dia 24/11 que “o Brasil já fez todos os sacrifícios que tinha que fazer. Pois bem, eu acho que agora o povo brasileiro precisa começar a colher um pouco de benefício do Estado brasileiro”. A um Estado na época já inchado, adicionamos ainda mais despesas. O resultado não poderia ser outro. Como sempre, as consequências vieram depois. Nossa pobre competitividade é fruto desses equívocos.
14 de outubro de 2014
Fabio Giambiagi, O Globo
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