O governo insiste em dar à inflação tratamento de campanha eleitoral. Compreende-se o sufoco que a equipe da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, vem passando ante os resultados das últimas pesquisas de intenção de voto. Tudo o que o governo não quer é ter de enfrentar o debate sobre a situação da economia, especialmente quanto ao crescimento e à inflação.
"Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição", disse a presidente em março do ano passado, em evento político em João Pessoa. Ela e a equipe têm levado essa "máxima" ao pé da letra, sobretudo quando se trata de explicar maus resultados. Mais fácil tem lhes parecido fazer de conta que o fato não ocorreu, que tudo não passa de má vontade da mídia ou de conspiração da oposição.
Mas, como dinheiro não aceita desaforo, os desmentidos têm sido inexoráveis. O ministro da Fazenda repete o mantra de que a inflação está controlada e segue trajetória de queda. A presidente aproveitou a queda sazonal do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em julho (cresceu apenas 0,01%) para dizer que "a inflação é quase zero", o que é menos do que meia verdade, já que em 12 meses está distante da meta de 4,5% ao ano.
Passada a temporada de alta nos preços dos alimentos in natura, não significa que a alimentação está mais barata do que no ano passado, mas apenas que os preços deixaram de subir todos os meses. E quando eram esses itens os vilões, especialistas respeitáveis lembravam que, além deles, outros fatores puxavam os preços na direção oposta aos salários do trabalhador.
Ou seja, a inflação vem sendo movida por algo mais do que a sazonalidade da feira. Os analistas estavam certos. Em agosto, a estabilidade nos preços dos alimentos ajudou a segurar a inflação. Mas outros aumentos conspiraram. A conta de luz começou a refletir as falhas na gestão do setor elétrico. Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que 79% das obras de construção de hidrelétricas e 83% das de linhas de transmissão estão fora do cronograma.
Com isso, o sistema está sendo obrigado a manter as termelétricas (mais caras) ligadas por mais tempo. Já houve impacto em agosto que, somado aos aumentos de salários da empregada doméstica e das passagens aéreas, fez o IPCA subir 0,25% no mês passado, empurrando o acumulado em 12 meses para 6,51%, deixando ainda mais longe a meta de 4,5% e superando o teto de 6,50%.
A maioria dos consumidores percebe que a vida está mais cara no país do que há três anos. Pior. O consumidor anda desconfiado de que a coisa não vai parar por aí. A conta de luz deve subir mais e não faz uma semana que o ministro da Fazenda admitiu que "todo ano tem aumento da gasolina, e este ano não será diferente". Sofredor experiente com a inflação, o brasileiro médio não sabe, mas imagina o que vai ocorrer com os preços depois das eleições. E nem é preciso entrar na sofisticação do controle artificial do dólar pelo Banco Central para segurar os preços internos.
A redução do valor dos salários é ruim, mas a perda da credibilidade das autoridades é igualmente nefasta para o país, pois afeta a esperança de dias melhores.
10 de setembro de 2014
Editorial Correio Braziliense
"Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição", disse a presidente em março do ano passado, em evento político em João Pessoa. Ela e a equipe têm levado essa "máxima" ao pé da letra, sobretudo quando se trata de explicar maus resultados. Mais fácil tem lhes parecido fazer de conta que o fato não ocorreu, que tudo não passa de má vontade da mídia ou de conspiração da oposição.
Mas, como dinheiro não aceita desaforo, os desmentidos têm sido inexoráveis. O ministro da Fazenda repete o mantra de que a inflação está controlada e segue trajetória de queda. A presidente aproveitou a queda sazonal do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em julho (cresceu apenas 0,01%) para dizer que "a inflação é quase zero", o que é menos do que meia verdade, já que em 12 meses está distante da meta de 4,5% ao ano.
Passada a temporada de alta nos preços dos alimentos in natura, não significa que a alimentação está mais barata do que no ano passado, mas apenas que os preços deixaram de subir todos os meses. E quando eram esses itens os vilões, especialistas respeitáveis lembravam que, além deles, outros fatores puxavam os preços na direção oposta aos salários do trabalhador.
Ou seja, a inflação vem sendo movida por algo mais do que a sazonalidade da feira. Os analistas estavam certos. Em agosto, a estabilidade nos preços dos alimentos ajudou a segurar a inflação. Mas outros aumentos conspiraram. A conta de luz começou a refletir as falhas na gestão do setor elétrico. Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que 79% das obras de construção de hidrelétricas e 83% das de linhas de transmissão estão fora do cronograma.
Com isso, o sistema está sendo obrigado a manter as termelétricas (mais caras) ligadas por mais tempo. Já houve impacto em agosto que, somado aos aumentos de salários da empregada doméstica e das passagens aéreas, fez o IPCA subir 0,25% no mês passado, empurrando o acumulado em 12 meses para 6,51%, deixando ainda mais longe a meta de 4,5% e superando o teto de 6,50%.
A maioria dos consumidores percebe que a vida está mais cara no país do que há três anos. Pior. O consumidor anda desconfiado de que a coisa não vai parar por aí. A conta de luz deve subir mais e não faz uma semana que o ministro da Fazenda admitiu que "todo ano tem aumento da gasolina, e este ano não será diferente". Sofredor experiente com a inflação, o brasileiro médio não sabe, mas imagina o que vai ocorrer com os preços depois das eleições. E nem é preciso entrar na sofisticação do controle artificial do dólar pelo Banco Central para segurar os preços internos.
A redução do valor dos salários é ruim, mas a perda da credibilidade das autoridades é igualmente nefasta para o país, pois afeta a esperança de dias melhores.
10 de setembro de 2014
Editorial Correio Braziliense
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