"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A VIDA E O NOSSO TEMPO

Vivemos em um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga. O Brasil clama por reformas. Não podemos continuar a perder tempo

Nasci em 1962 e tenho 52 anos. Creio que o espírito do que vou expressar é representativo de uma parte da geração que vai dos 40 aos 70 anos e que acompanha de perto os problemas do país.

Por que essa faixa etária? Porque antes dos 40 o tempo tende a ser visto como infinito na vida do jovem. Já depois dos 70, são poucos os que contarão ainda 20 ou 25 anos de caminhada pela frente. O grupo etário entre 40 e 70 anos representava 19% da população em 1980 e hoje é de 30%.
Trata-se de um contingente expressivo.

Sendo filho dos anos 60, vivenciei alguns momentos importantes e esperançosos da vida nacional: a luta pela anistia no fim dos anos 70 e a expectativa pelo retorno dos exilados; a campanha pelas eleições diretas em 1984 e a consequente eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral, pondo fim ao ciclo de mais de 20 anos de governos militares; as passeatas pelo impeachment de Collor em 1992; e os primeiros passos da estabilização em meados dos anos 90. Finalmente, acompanhei com interesse cívico a eleição de Lula em 2002 e o processo político-social da década passada, caracterizado como uma etapa de inclusão social e que explica a elevada popularidade com que ele concluiu sua gestão em 2010.

Cada uma dessas etapas da vida do país testemunhou avanços: com a anistia e o retorno dos exilados, encerrou-se uma etapa de segregação entre brasileiros; o fim do regime militar distendeu a vida do país e em 1989 levou à retomada das eleições diretas para presidente depois de quase 30 anos; os eventos políticos de 1992, conquanto expressassem um arrependimento amargo da maioria da população em relação ao voto que tinha dado pouco antes, foram sinal de vitalidade e de vigência plena das instituições; a estabilidade implicou deixar atrás a hiperinflação que corroía a auto-estima nacional, além de ser um transtorno na vida de todos; e o Brasil atual é um país socialmente melhor e mais justo que o do começo da década passada.

Apesar de tudo isso, para quem chega à meia-idade e acompanha as mazelas da realidade nacional desde que começou a ficar antenado para a realidade — no meu caso, nos tempos de Geisel — o sentimento de angústia pelo avanço do tempo é a cada dia mais nítido.

Não falo de angústia aqui no sentido existencial, pela consciência individual de que o fim da caminhada de cada um vai se aproximando — falo da mistura de tristeza, desconforto e exasperação pela percepção de que nosso tempo vai se esgotando, sem que nos tenha sido dada a chance de conhecer o país com o qual todos sonhamos em nossa juventude. É então que o sentimento de urgência se torna mais palpável. E é aqui, justamente, que o contraste entre essa percepção individual e a ausência total e absoluta de qualquer sentimento de urgência na classe dirigente do país se torna mais dramática para quem compartilha essa idade e foi partícipe daqueles movimentos que antes citei.

Nesse contexto — e não falo isso para expor meu caso pessoal e sim porque considero representar um ânimo difuso e compartilhado, provavelmente, por muitos leitores — lembro-me de conversas, por vezes intensas, com meu falecido pai, nos anos 80, quando eu começava a perceber que mudar o mundo e o Brasil não era tão simples.

Naquela ocasião, nos primórdios da minha vida cívica, eu com 20 e poucos anos e ele a caminho dos 60, quando discutíamos sobre o Brasil, eu era otimista pela possibilidade de chegar a ver um país desenvolvido, 30 anos depois.
Tive que envelhecer para, retrospectivamente, entender o motivo da irritação do meu pai com aquele raciocínio: é que ele, simplesmente, não dispunha de mais 30 anos pela frente para esperar esse dia chegar.
Hoje, o sentimento que me acomete é o mesmo: o tempo está passando — e o Brasil com o qual minha geração sonhou está demorando a chegar.

Costumo dizer em minhas palestras que o Brasil avançou muito nos últimos 20 anos, mas continua sendo um país que não funciona bem. Por quê? Em poucas palavras, porque vivemos em um país onde o Executivo não executa, o Legislativo não legisla e a Justiça não julga.

O Brasil clama por reformas. Não podemos continuar a perder tempo e a protelar a solução dos problemas. Seria bom que os candidatos à Presidência tomassem ciência disso.

11 de setembro de 2014
Fábio Giambiagi, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário