Eduardo Galeano enfrentara com desassombro o governo do Uruguai, que não havia me concedido asilo e que decidira me expulsar do país. O último dia 13 amanheceu sem horizonte.
Assim me senti envolvido com indisfarçada tristeza tão logo soube que Eduardo Galeano emudecera, como se ele, que tanto pelejara, já não tivesse o que acrescentar à vida.
Assim me senti envolvido com indisfarçada tristeza tão logo soube que Eduardo Galeano emudecera, como se ele, que tanto pelejara, já não tivesse o que acrescentar à vida.
Não me detenho a evocar-lhe a trajetória intelectual, cuja grandeza se pressentira nos idos de 1971, quando irrompera com incontida audácia no livro “As Veias Abertas da América Latina”.
Eu estava no Chile à época, exilado como tantos outros – argentinos, bolivianos, peruanos. De imediato, ao lermos aquelas palavras de fogo, todos nós as assumimos como a expressão de nossa revolta contra as ditaduras militares que vinham se implantando na América Latina, com ostensivo respaldo dos Estados Unidos.
Mas quero relembrar a valentia de Eduardo Galeano em plena juventude. Reporto-me ao início de meu exílio em Montevidéu, de 1964 aos primeiros meses de 1965. Estranhamente – sem razão de ser – o governo uruguaio não me concedera asilo político e decidira expulsar-me para a Iugoslávia, onde eu começara o percurso do exílio, que se alongaria por 12 anos.
A comunicação me fora feita pelo então ministro do Interior do Uruguai, Adolfo Tejera. O argumento invocado era absurdo. Agredia o próprio Tratado de Caracas.
O porquê daquela prepotência contra mim nunca soube. Mas o que me importa agora, como um dever de gratidão, é evocar a ousadia do jornalista Eduardo Galeano, nos seus 23 anos de idade, se tanto.
O porquê daquela prepotência contra mim nunca soube. Mas o que me importa agora, como um dever de gratidão, é evocar a ousadia do jornalista Eduardo Galeano, nos seus 23 anos de idade, se tanto.
TRINCHEIRA
Fazendo da redação do jornal “Época” sua trincheira, enfrentara com desassombro o governo do seu país, criticando duramente a decisão que resultou na minha expulsão – a minha e a de minha família – para as incertezas do amanhã.
Como assinalara por não dar-me a proteção institucional, o governo enodoava a memória de José Artigas, violentava os direitos humanos e a tudo o que o Uruguai tem de mais nobre na sua história.
Galeano fora ao extremo na defesa do direito de asilo: conclamara a sociedade a reagir contra aquela decisão fascista. O protesto foi às ruas diariamente: trabalhadores, estudantes, intelectuais. O Parlamento – sensível à palavra ardorosa do então deputado Enrique Erro – convocara o ministro Tejera a depor, a explicar-se. A dignidade do Uruguai, por fim, falou mais alto.
Nesta homenagem que presto a Eduardo Galeano, ouso dizer para mim mesmo: na verdade ele começara a escrever “As Veias Abertas da América Latina” tão jovem ainda, naquele admirável confronto com a arrogância autoritária.
Sinto-me honrado em tê-lo conhecido com a altivez daqueles anos, pronto para o bom combate, como se revivesse o célebre guerreiro do reino de Castela, Rodrigo Díaz de Vivar, o Cid Campeador, e em haver podido admirar-lhe a vida, com a grandeza que soube enriquecê-la.
(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis)
22 de abril de 2015
Almino Affonso
22 de abril de 2015
Almino Affonso
Nenhum comentário:
Postar um comentário