A transformação da lagarta em borboleta é de exemplar riqueza poética e estética. A lagarta é feia, a borboleta bonita; a lagarta se arrasta sobre o próprio ventre, a borboleta adeja livre; a lagarta se esconde, a borboleta domina o cenário com sua irrequieta presença. Mas a lagarta e a borboleta não têm escolha. Aquela não pode deixar de evoluir; esta não pode regredir. Se fosse dado as borboletas reverter seu destino, as que fizessem isso cumpririam um script corrupto, sombrio, insano.
Homem e mulher nascem como obras-primas do Criador, mas têm a faculdade de eleger para si mesmos o destino das lagartas. E creio que nunca como nestes tempos tais escolhas se fizeram de modo tão radical; jamais, para inteiro descrédito da borboleta, se exaltou tanto a lagarta que existe em nós!
Comecei estas linhas relendo uma crônica com o mesmo título, escrita há 20 anos. Pretendia escrever, de novo, sobre os males da droga, que encontra defensores de sua liberação, que é propagandeada por roqueiros de prestígio, que tem representação política e leva às ruas multidões em marchas pela maconha. É raro o dia em que a droga não está na mídia – e quase nunca para advertir contra seu uso. E ela vai chegando a toda parte, viciando, afetando cérebros, destruindo carreiras e famílias, convertendo escolas em centros de tráfico, diminuindo a percepção e a motivação, arrastando à marginalidade, matando e produzindo assassinos, corrompendo, calcinando afetos e transformando borboletas em lagartas que se arrastam no implacável e dilacerante casulo do vício. Inferno!
Pois era sobre isso que pretendia escrever quando me sentei diante do teclado, mas percebi que a questão é mais ampla. A opção pelo casulo e pela vida da lagarta é, sobretudo, uma sucessão de renúncias – à beleza, à bondade, à verdade, à virtude. Não deixa de ser curioso que tais repúdios se façam, quase sempre, em nome desse dom esplêndido que é a liberdade, tão perceptível no voo das borboletas.
Poucos autores penetraram tão profundamente quanto Dostoiévski nos meandros soturnos da mente e do agir humano. Mas esse mergulho nos casulos onde o mal opera insidiosas transformações era, ao mesmo tempo, uma convocação à beleza que aparece – tão nítida! – neste vaticínio proferido em O idiota: “A beleza transformará o mundo”. O mal e suas forças sabem-no perfeitamente. Por isso, arrastando criaturas que não lhes pertenciam, rompem com toda harmonia; inspiram a negação do belo e, mais do que isso, buscam o hediondo; levam às esquinas e praças monumentos impossíveis de contemplar; produzem músicas inaudíveis; põem nas ruas multidões de detratores da beleza, pichando, vandalizando, enfeando as cidades; deformam fisionomias humanas com procedimentos mutiladores e se comprazem com exposições em que a arte não passa pela porta. Sobretudo, buscam apagar Deus da cultura, porque ele, sendo infinito Amor, é o belo absoluto.
Quando vejo tanta opção fundamental pelo vício, pela mentira, pela maldade, não posso deixar de pensar que tais seres nasceram borboletas e viveram, todos, aquele momento sublime em que os bebês contemplam o movimento das próprias mãos como o mover de borboletas chamando a um futuro de beleza.
08 de julho de 2017
Percival Puggina
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