"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 9 de agosto de 2014

POR DENTRO DO JIHAD ( 4 - FINAL )


Após a volta do Afeganistão e um longo período sem contato, Nasiri encontrou-se com o DGSE e recebeu uma nova missão. Com a repressão na França e Bélgica, foi para o ambiente mais tolerante de Londres que muitos dos jihadistas começaram a se mudar. “Londres era o foco”, explica Alain Grignard um oficial antiterrorista belga, pois o local servia de trampolim para a passagem da era de extremistas islâmicos nacionais para a rede global fundada no caldeirão afegão.

A segunda metade da década de 1990 foi o período em que a capital britânica ganhou o apelido de “Londrestão”, um título dado por autoridades francesas enfurecidas com a crescente presença de radicais islâmicos em Londres e com a omissão das autoridades britânicas frente ao problema. Historicamente, Londres sempre foi um lar para os dissidentes e desde os anos 1980 cada vez mais se tornou refúgio para extremistas islâmicos que ganhavam asilo de autoridades pouco conscientes de suas atividades.

Pouco depois de chegar a Londres, Nasiri mais uma vez travou contato com o Al Ansar, agora impresso na capital britânica. Entre os que estavam envolvidos com Al Ansar em Londres estava Rachid Ramda, que fora visto na França e na Bélgica freqüentando círculos do GIA. Quando o juiz contra-terrorista francês Jean Louis Brugière pediu à Grã-Bretanha que prendesse Ramda, que era procurado por conexões com o financiamento dos atentados a bomba no metrô de Paris, a reação britânica foi dizer que não poderia prendê-lo, pois ele nada fizera de errado no Reino Unido. Ramda finalmente foi detido, mas lutou contra a extradição por dez anos, para a crescente irritação dos franceses. Somente em dezembro de 2005 foi que as autoridades da Grã-Bretanha o transferiram para a custódia francesa, sendo que ele viria a ser condenado, em Paris, em março de 2006 pelos atentados a bomba de meados dos anos 1990.

Em Londres, Nasiri foi comandado pelos serviços de Inteligência franceses e britânicos, recebendo a missão de se infiltrar na comunidade de radicais.

Abu Hamza e seus seguidores haviam transformado a mesquita de Finsbury Park no principal santuário e centro de conexões, não apenas da Grã-Bretanha, mas de toda a Europa, para aqueles comprometidos com o jihad internacional. Cerca de 200 pessoas dormiam no subsolo da mesquita. Uma estimativa calcula que 50 freqüentadores da mesquita morreram em operações terroristas e ataques insurgentes em conflitos no exterior.

A mesquita funcionava como um centro de recrutamento para grupos aliados à Al-Qaeda. Terroristas eram mandados ao Afeganistão com passagens aéreas, dinheiro e cartas de apresentação de Abu Hamza para entrar em Khaldan.

A tolerância dos britânicos, bem como sua tradição de liberdade de expressão, multiculturalismo e concessão de asilos, foram exploradas e as autoridades não desejando interferir na liberdade de expressão, não conseguiram compreender o tipo de retórica inflamada que emanava da mesquita de Finsbury Park e tampouco suas atividades.

Muitos países, além da França reclamaram dessa mesquita, mas nada foi feito. Somente em janeiro de 2003 é que as autoridades britânicas decidiram agir, fechando-a temporariamente, mas Abu Hamza continuou livre, pregando na rua em frente à mesquita. Somente quando os EUA emitiram um pedido de extradição é que as autoridades britânicas agiram, em parte pelo constrangimento causado pela pressão americana. Em outubro de 2004, Abu Hamza foi acusado e por fim condenado por ser o mentor de assassinatos e outros crimes.

Outra figura-chave espionada por Nasiri foi Abu-Watada, um palestino-jordaniano que havia entrado no Reino Unido em 1993 com um passaporte falso . A Jordânia exigiu a sua extradição, mas a Grã-Bretanha não a concedeu.

Para os militantes islâmicos a necessidade de autoridade religiosa é de grande importância. Os nomes daqueles que se acredita terem recebido treinamento religioso de Abu Qatada forma um “quem é quem” de militantes islâmicos baseados na Europa. Fitas com sermões de Abu Qatada foram encontradas no apartamento de Hamburgo usado por Muhammad Atta, um dos atacantes do 11 de setembro.

A base de operações de Abu Qatada ficava no Four Feathers Club, em Londres. Nasiri diz que autoridades britânicas mandaram-lhe deixar Abu Qatada em paz e centrar suas atividades em Hamza. Acredita-se que Qatada também tivesse contatos com o MI5, mas não está claro quem manipulava quem.

Finalmente, em fevereiro de 2001 Abu Qatada foi interrogado pela Polícia, que encontrou 170 mil libras, em dinheiro, em sua casa, parte dessa quantia dentro de um envelope onde se lia “para os mujhadin da Chechênia”.

Autoridades britânicas citam a estrutura legislativa como um problema. Em meados dos anos 1990, conspirar dentro da Grã-Bretanha para cometer atos terroristas no exterior não era crime. Assim grupos como o Hamas e os Tamil Tigers, bem como o GIA, começaram a usar o Reino Unido como pólo central. A Polícia investigava um problema apenas se existissem evidências de que leis tivessem sido desobedecidas. A Polícia e os Serviços Secretos não priorizavam a coleta de informações sobre esses grupos. Os especialistas em contraterrorismo britânicos continuavam focados no terrorismo republicano irlandês, em vez do terrorismo islâmico.

Em fevereiro de 1996, uma bomba de meia tonelada explodiu na região portuária de Londres sinalizando uma nova fase de atividades após o cessar fogo irlandês. O MI5 e a Polícia estavam envolvidos em uma disputa burocrática sobre quem comandaria a política contraterrorista na Irlanda do Norte – por fim, vencida pelo MI5 – que também canalizava recursos e energia nessa direção.

Foi somente no início de 1998 que as autoridades britânicas começaram a ouvir mais sobre a Al-Qaeda. Na época ninguém se preocupava com Abu Qatada, Abu Hamza ou as redes do Norte da África. A preocupação girava em torno de grupos de árabes que haviam chegado por volta de 1998, predominantemente do Egito, bem como de outros árabes associados a Bin-Laden, como Khalid al-Fawwaz, que se acreditava vinha administrando o escritório de mídia de Bin Laden em Londres, organizando entrevistas para jornalistas ocidentais e publicando declarações em seu nome.
Khalid al-Fawwaz foi posto sob custódia britânica à espera de extradição para os EUA.

Embora as autoridades britânicas tenham começado a considerar a ameaça da Al Qaeda a partir do início de 1998, ela era percebida como distinta de figuras como Abu Qatada, Abu Hamza e os argelinos operando no Reino Unido.

O terrorismo internacional e particularmente o terrorismo ligado aos islâmicos, não era visto como algo que ameaçasse diretamente o país. A França poderia ser um alvo primário, devido ao seu envolvimento na Argélia, mas não o Reino Unido.

A Grã Bretanha está sentindo agora o impacto do longo prazo de sua tolerância para com os elementos radicais nos anos 1990-. A radicalização que se espalhou em algumas comunidades britânicas não se estabeleceu da noite para o dia.

Em 1998, um novo conjunto de ações da Polícia na Bélgica resultou em mais provas de natureza internacional das redes jihadistas e da ameaça que representavam. Os detidos vinham da Argélia, Marrocos, Síria e Tunísia e tinham conexões com inúmeros grupos islâmicos diferentes, bem como com Abu Zubayda, Afeganistão, Bósnia e Paquistão. Foram descobertos detonadores e materiais para a fabricação de explosivos e havia suspeitas de que a Copa do Mundo, que se realizaria na França no meio daquele ano, seria um alvo.

A Europa sempre foi uma base central de operações da Al Qaeda, um lugar no qual diferentes grupos islâmicos radicais forjaram suas alianças. Os sinais de alerta estavam ali, mas somente uns poucos os compreenderam.

Cinco anos após os ataques de 11 de setembro, é a Europa – e o Reino Unido em particular – não os EUA, que se defronta com o maior desafio do terrorismo.

Foi uma conquista de Bin Laden a globalização da noção de jihad. Reunir grupos que antes se concentravam unicamente em seus próprios conflitos locais – na Argélia, Ásia Central, Chechênia e outras regiões - e convencê-los a fazer parte de uma luta maior. Uma luta contra o “inimigo distante” - os EUA -, que apoiava os governos aos quais se opunham. Uma luta que devia ser travada sob a bandeira da Al Qaeda.

Em fevereiro de 1998 Bin Laden divulgou uma nota declarando a formação da Frente Islâmica Mundial para a Jihad contra Judeus e Cruzados. Ele anunciou uma fatwa de que “matar os americanos e seus aliados – civis e militares – é um dever pessoal de cada muçulmano que puder fazê-lo em qualquer país em que for possível fazê-lo” . Pouco depois, em agosto de 1998 veio a primeira operação de grande escala da Al Qaeda contra os EUA, atacando suas embaixadas na Tanzânia e no Quênia.

A história de Omar Nasiri termina quando ele se muda para a Alemanha. Lá, em relação aos serviços secretos alemães, entra em colapso. Na sua visão, eles o abandonaram sem jamais fornecerem proteção e a nova identidade que os franceses haviam prometido inicialmente. Quase quatro anos depois, enquanto assistia aos atentados a bomba em Londres em 7 de julho de 2005, ele decidiu que queria contar a sua história. Isso o fez procurar a BBC e a escrever o relato dos sete anos em que viveu como espião no emergente movimento jihadista.

Esse relato foi resumido nestes quatro capítulos.

09 de agosto de 2014
Carlos I. S. Azambuja é Historiador. 

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