Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S. Azambuja
Os ataques de 11 de setembro de 2001 não vieram do nada. Durante os anos 1990, uma série de movimentos islâmicos violentos começou a se congregar, desviando seu foco dos conflitos locais, em seus países, para o “inimigo distante” dos EUA e do Ocidente. A organização emergente ficaria conhecida como Al-Qaeda. O relato de Omar Nasiri, autor de Por Dentro do Jihad apresenta uma percepção particular desse período crucial que parece pouco compreendido.
Sua história é única, especialmente porque ele fornece a perspectiva incomum de alguém que se infiltrou nessas redes terroristas. A noção freqüentemente repetida de que a derrota do terrorismo exige um bom serviço de Inteligência e a coleta de dados de Inteligência exige indivíduos dispostos a arriscar suas vidas para se transformarem em espiões, E suas histórias raramente são contadas.
Esse foi o início da introdução ao livro de Omar Nasiri, escrita em setembro de 2006 por Gordon Corera, correspondente da BBC para Assuntos de Segurança.Este texto é um resumo do que escreveu Gordon Corera.
Tendo passado mais de sete anos trabalhando para os Serviços de Inteligência franceses, britânicos e alemães, Nasisi apresenta a visão de quem está por dentro de como essas agências funcionam e seu relato de reuniões, conversas e técnicas de espionagem dos vários serviços é de um raro detalhamento.
Mas o que fica claro de seu relato é que a rede emergente era muito mais organizada e determinada do se supunha. Os campos de treinamento afegãos foram a incubadora da atual ameaça terrorista, e Nasiri oferece o quadro mais detalhado até agora da vida dentro desses campos – um quadro bem mais rico e preocupante do que qualquer outro já visto (1)
Embora nascido no Marrocos, os argelinos desempenham um papel central no relato de Nasisi, já que eles constituíam o núcleo da rede terrorista islâmica na Europa antes do 11 de setembro. A Argélia mergulhou em uma sangrenta guerra civil após o Exército ter cancelado as eleições de janeiro de 1992 para impedir que a Frente Islâmica de Salvação (FIS) conquistasse o poder.
A violência eclodiu e um conjunto de grupos insurgentes apareceu. O mais violento era o Grupo Islâmico Armado (GIA). Acredita-se que até 3 mil argelinos tenham combatido os soviéticos no Afeganistão nos anos 1980 e a Argélia foi o primeiro país a sentir o impacto do retorno dos veteranos da guerra afegã. O GIA era liderado por centenas de homens endurecidos pela guerra que voltaram radicalizados e dispostos a empregar táticas cada vez mais brutais. O GIA atraiu o apoio de redes dentro das comunidades de imigrantes na Europa. A princípio essas redes de apoio lidavam principalmente com propaganda, mas logo passaram a oferecer dinheiro, auxílio logístico, como passaportes falsos e, por fim, armas ao GIA.
Quando regressou à Bélgica em 1994, Nasiri descobriu que a casa de sua mãe havia se tornado um importante centro de operações do GIA. O boletim informativo Al Ansar era feito e distribuído ali. Ele emergiu como a publicação oficial do GIA, embora com o passar do tempo artigos de outras fontes começassem a ser divulgados, inclusive de outras organizações islâmicas, como o Grupo Combatente Islâmico líbio, grupos
marroquinos e grupos egípcios ligados a Aiman al-Zawahiri. O Al Ansar foi o pioneiro da união de redes militantes islâmicas nacionais em um movimento global e seus textos eram um alerta às autoridades do que vinha pela frente.
Não demorou muito para que o sangrento conflito na Argélia começasse a se alastrar para a Europa. A França, o antigo senhor colonial da Argélia, na visão dos jihadistas, havia apoiado o golpe e, desse modo, tornou-se um alvo. A primeira ilustração dramática da ameaça surgiu quando um grupo de terroristas do GIA dominou um jato da Air-France na pista do aeroporto de Argel em 24 de dezembro de 1994.
Em março de 1995 uma série de buscas foram iniciadas pelas autoridades belgas e, durante uma busca em um veículo foi encontrado um pacote contendo um manual de treinamento terrorista de 8 mil páginas, cujo frontispício o dedicava a Bin Laden. O manual revelou um verdadeiro tesouro de informações e uma das primeiras indicações da extensão da rede e do papel de Bin Laden em suas operações. Isso foi confirmado poucos meses depois, no verão de 1995, quando uma onda de atentados a bomba atingiu a França, inclusive o metrô de Paris.
Uma corrente de pensamento sustenta que o GIA desde o começo estava tomado por espiões do serviço secreto argelino. E mais, que estes incluíam agentes provocadores que, por volta de 1995, estavam deliberadamente direcionando a campanha de violência para a França, para tentar atrair Paris para o conflito, opondo-se aos islâmicos apoiando o Estado argelino.
De acordo com um ex-oficial de Inteligência, cerca de cem a duzentos residentes franceses viajaram para o Afeganistão para receber treinamento durante a década de 1990. Alguns filiaram-se ao jihad internacional, outros simplesmente queriam poder voltar para casa e apregoar que sabiam manejar um AK-47
Nasiri mostrou-se capaz de cumprir sua missão e o relato de suas viagens oferece um retrato pessoal extremamente revelador de como se infiltrou em círculos jihadistas e abriu caminho até o núcleo da Al-Aqeda. Viajando através da Turquia e depois Paquistão, ele infiltrou-se em grupos islâmicos radicais.
Em Peshawar, Paquistão, Nasiri conheceu o palestino Abu Zubayda, coordenador e controlador do acesso a vários campos de treinamento afegãos. “Ele era um homem que fazia as coisas acontecerem, no sentido administrativo”, explica Mike Scheuer, chefe da unidade Bin Laden da CIA de 1996 a 1989. Abu Subayda acabou sendo preso em março de 2002.
Cerca de duas dúzias de campos de treinamento foram montados no Afeganistão. Os campos tiveram um papel fundamental na transição do jihad original dos anos 1980, para o jihad de múltiplas nações dos anos 1990, bem como na emergência do final da década de 1990 de umjihad global sob a Al-Qaeda. Eles foram o caldeirão nos quais diferentes grupos começaram a trabalhar juntos, forjando uma identidade comum,
Não existia uma única fonte de recursos ou controle dos campos. O Afeganistão estava mergulhado no caos em meados dos anos 1990. Os soviéticos tinham sido expulsos em 1989. Um governo submisso liderado por Mohammad Najibullah, durou até 2002, quando foi derrubado pelas facções mujahidin, que começaram a lutar entre si pelo poder, sendo que vários chefes tribais ficaram com o controle de bolsões do país.
Embora Bin Laden tenha deixado o Afeganistão após o fim da guerra com os soviéticos e residisse no Sudão no começo dos anos 1990, ele continuou a financiar alojamentos e instalações de treinamento dentro do Afeganistão, inclusive, segundo Nasiri, a alimentação no campo que freqüentou.
Pouco depois, o ISI - Serviço de Inteligência do Paquistão (1) - começou a apoiar o Talibã como uma força proposta para estabilizar o Afeganistão e fortalecer os interesses de segurança do Paquistão.
Em meados dos anos 1990 o número de nacionalidades representadas e a disciplina de treinamento eram notáveis e muito maiores do que anteriormente se suspeitava. Grupos da Argélia, Chechênia, Caxemira, Quirguistão, Filipinas, Tadjiquistão e Uzbesquistão recebiam treinamento militar que colocariam em prática quando retornassem a seus países. Grande número de árabes, especialmente da Arábia Saudita, Egito, Jordânia e Iêmen, também passaram por lá, assim como terroristas da Europa, África do Norte e outras regiões, que desejavam participar dojihad.
O treinamento que Nasiri recebeu em Khaldan era altamente organizado e extensivo. Boa parte do aprendizado baseava-se em manuais de treinamento dos EUA obtidos durante a luta contra os soviéticos. Os participantes também passavam quase o mesmo tempo em treinamento religioso. A preparação espiritual era considerada um aspecto central do jihad, mais importante que o treinamento físico.
Entre os que passaram por Khaldan havia terroristas envolvidos nos dois ataques, de 1993 e 2001, Ao World Trade Center (inclusive Mohammad Atta, líder dos ataques do 11 de setembro); pessoas envolvidas nos atentados a bomba de 1998 contra embaixadas dos EUA, Ahmed Ressam, o fracassado bombardeador do milênio, os dois britânicos dos “sapatos-bombas”, Richard Reid e Sajid Badat; e Zacarias Moussaoui, sentenciado em 2006 à prisão perpétua pelo envolvimento no complô do 11 de setembro. Mas o líder de Khaldan em meados dos anos 1990 era um homem chamado Ibn al-Sheikh al-Libi, com quem Nasiri passou um tempo considerável. al-Libi havia combatido no Afeganistão da década de 1980.
Preso em novembro de 2001, al-Libi foi o primeiro membro do alto escalão da Al-Qaeda a ser capturado pelos EUA após os ataques. Depois de uma disputa entre o FBI e a CIA ele foi entregue ao Egito, onde pode ter sido submetido a maus tratos sendo que informações extraídas de seu interrogatório foram utilizadas por autoridades dos EUA para declarar a existência de vínculos entre o Iraque e a Al-Qaeda, com base na alegação de al-Libi de que o Iraque oferecera treinamento à Al-Qaeda a partir de dezembro de 2000. Isso foi citado pelo vice-presidente Cheney , pelo secretário de Estado Collin Powell, em seu decisivo discurso na ONU em fevereiro de 2003, e pelo presidente George Bush, em Cincinnati, em outubro de 2002, quando declarou que “ficamos sabendo que o Iraque treinou membros da Al-Qaeda na produção de bombas, venenos e gazes”.
O problema era que al-Libi mentiu. Em janeiro de 2004, al-Libi desmentiu suas declarações sobre o Iraque, forçando a CIA a cancelar inúmeros relatórios de Inteligência baseados em suas declarações.
Especulou-se que ele estaria deliberadamente fornecendo informações falsas para fazer os EUA atacarem o Iraque, pois expressava seu desagrado pelo regime secular de Saddam Hussein no Iraque e era um homem altamente treinado para resistir a interrogatórios. Na primavera de 2006, segundo alguns relatos, al-Libi foi entregue às autoridades líbias.
Em Khaldan, a formação de Nasiri parece tê-lo diferenciado dos demais recrutas, tanto assim que ele foi um dos poucos selecionados para seguir ao campo de Durunta, mais avançado. Durunta fornecia um treinamento mais individualizado em explosivos e terrorismo. Em Khaldan os recrutas aprendiam a detonar explosivos; em Durunta eles aprendiam a fazer explosivos e detonadores a partir do zero. Em Durunta o treinamento não era para o combate militar, mas para serem indivíduos solitários que agiriam como os clássicos agentes terroristas que ficam na espera até chegar a hora da ação – um agente dormente – necessitando assim de um conjunto diferente de habilidades.
Entre os que se formaram em Durunta antes da sua destruição por ataques aéreos dos EUA no fim de outubro de 2001, está Ahmed Ressam, mas tarde condenado por envolvimento no complô de atentado a bomba contra o Aeroporto Internacional de Los Angeles.
Havia agentes de Inteligência nos campos perto da fronteira paquistanesa, mas outros campos, como os de Durunta, eram muito mais difíceis de serem infiltrados. Algumas estimativas afirmam que, entre 1996 e os ataques de 11 de setembro , de 10 mil a 20 mil terroristas passaram pelos campos para serem treinados. Outros acreditam que esse número pode chegar a 100 mil. Ninguém apurou para onde foram esses terroristas, ou quem eles, por sua vez, foram treinar.
No momento em que Nasiri saiu do Afeganistão, na primavera de 1996, Bin-Laden retornou e chegou num momento crucial, em que o Talibã estava conquistando o poder.. Em setembro o Talibã já havia tomado Jalalabad e forneceria a Bin-Laden e à Al-Qaeda um porto seguro no qual começariam a planejar operações mais drásticas.
(1) Vide Por Dentro do Jihad 1 e 2
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário