A causa fundamental da depressão econômica - e, portanto, da miséria e dos conflitos sociais - é a concentração, ficando a produção controlada por poucas empresas gigantes, as quais, em geral, agem como monopólios ou carteis.
Outra causa principal da depressão é a financeirização da economia, em parte gerada por artes da própria finança e em parte pela concentração da economia produtiva. Esta se manifesta não só nos centros e subcentros mundiais do capitalismo, mas também nos países que foram levados a especializar-se na produção mineral primária ou na agricultura para exportação de commodities.
O Brasil deixa, assim, de produzir alimentos necessários a consumo razoável, e as terras do País são ocupadas por enormes plantations, as quais, tal como as minas, vão-se desnacionalizando, controladas por tradings mundiais. Exemplos, a soja – que ocupa quase a metade das terras em produção – e a cana-de-açúcar, para exportar açúcar e etanol combustível.
Nos centros mundiais, a financeirização e a concentração estão na raiz do colapso dos mercados financeiros em 2007-2008, do qual os EUA e grande parte dos países europeus não só não se recuperaram, como estão podendo sofrer séria recaída.
Tudo isso, porque a concentração econômica e financeira é acompanhada pela concentração do poder político. Este fica inteiramente a serviço dos concentradores da economia e das finanças.
Efeito claro dessa situação foi a resposta, nos EUA e na União Europeia, ao colapso financeiro. O Federal Reserve e o Banco Central Europeu, como os próprios Tesouros nacionais, trataram apenas de resgatar os bancos encalacrados após a farra dos derivativos, em vez de assumir o controle deles e usar o sistema financeiro para recuperar a economia, investindo em atividades produtivas.
No Brasil, o Banco Central (BACEN), juntamente com o Tesouro age com a aparente finalidade exclusiva de propiciar fabulosos lucros aos bancos.
Para começar, o BACEN remunera com altas taxas de juros os depósitos livres e os compulsórios. Estes são atualmente 44% dos depósitos à vista nos bancos, e 20% dos recursos a prazo e dos investidos em poupança.
Os primeiros são remunerados pela taxa SELIC, cuja meta atual é 11% aa. Sobre os recursos a prazo, a remuneração costuma ser ainda maior.
São, pois altíssimas taxas, auferidas sem qualquer risco, recebidas também nos depósitos voluntários que os bancos fazem no BACEN. Como assinalei no artigo ‘O sistema pró-imperial’, os depósitos no BACEN deverão proporcionar aos bancos ganhos próximos a R$ 50 bilhões, só neste ano.
A proporção do que os bancos emprestam a empresas produtivas vem-se tornando cada vez menor. As proporções que crescem são as referentes ao crédito e às aplicações próprias destinadas a fusões, aquisições, e sobre tudo as das operações do mercado financeiro, inclusive derivativos e outras alavancadas.
Além de lucrar com seus depósitos no BACEN, os bancos emprestam a empresas e a particulares, e, ao fazê-lo, criam depósitos na conta do tomador, o qual passa a sacar dinheiro e a emitir cheques, que voltam ao mesmo banco ou a outro, como depósitos.
E de onde vem o dinheiro que os bancos depositam no BACEN e o que usam para fazer empréstimos e financiamentos? - Os bancos podem usar seus fundos excedentes e, ainda, obter mais dinheiro no mercado interbancário, a taxas muitíssimo mais baixas que as que cobram nos empréstimos.
Mas a maior parte do que emprestam procede principalmente do nada, pois eles abrem créditos em montante total correspondente a um grande múltiplo dos depósitos livres (i.e., dos que não são obrigados a depositar no BACEN).
De fato, os únicos limites para criar crédito são estes: a) o da prudência, para que esse múltiplo não seja excessivo, passando, digamos, de 10, se prevalecer muita confiança neles, ou valores menores, na medida da desconfiança do público em relação a cada banco; b) o percentual do capital, estabelecido pelas autoridades monetárias, a que devem corresponder os seus empréstimos, em geral mais de 90%.
Por outro lado, cada vez que fazem um empréstimo, os bancos geram um depósito, do nada, (sujeito a esses limites), o que produz o efeito multiplicador da cadeia depósitos/empréstimos. Ademais, como lembrou o economista Hélio Silveira, o BACEN, amiúde, atende os bancos passando-lhes mais recursos, quando eles têm tomadores atraentes, e então a exigência de depósitos compulsórios, que serviria para limitar, não serve para nada.
É notável também que são os próprios bancos quem se apropria da enorme quantidade de moeda criada do nada: o dinheiro, antes inexistente, vêm para os bancos à medida que os tomadores pagam as amortizações dos empréstimos. E com juros...
Não bastasse tudo isso, a associação, de facto, com as autoridades monetárias contribui para que o cartel dos bancos imponha taxas excessivas aos mutuários. Tais autoridades proveem dinheiro para os bancos quando as coisas estão na normalidade, e chega a resgatá-los com trilhões de dólares, quando a situação desanda, como ocorreu na crise de 2007/2008, nos EUA e na Europa.
Nos centros imperiais - Londres, com o Banco da Inglaterra, há séculos, e Nova York, com o FED, desde 1913 - são os próprios bancos concentradores que detêm as ações dos bancos centrais.
Na União Europeia, criada para manietar o desenvolvimento dos países europeus, o Estatuto do Banco Central Europeu é proibido de financiar os tesouros nacionais e dirigido por banqueiros ligados aos grandes bancos angloamericanos.
No Brasil, é importante colocar em perspectiva a campanha recorrente dos serviçais do império, em favor da independência do BACEN. Embora formalmente vinculado à União, o BACEN - desde sua criação, em dezembro de 1964 – subordina-se por inteiro aos ditames do FMI e à supremacia do dólar, não admitindo operações de câmbio entre a moeda brasileira e outras latino-americanas, apesar de haver acordo que as prevê: o Convênio de Créditos Recíprocos, firmado em 1968, em Lima, no quadro da ALADI.
Em suma, a liberdade das nações exige que seus bancos sejam públicos. Se forem privados, seus controladores acabam por controlar também o Estado, como advertiram antigos estadistas.
Nos EUA, muitas cidades e Estados restringiram as atividades de bancos sediados fora dessas cidades ou Estados, pois, do contrário, as poupanças e o dinheiro gerado por atividades locais é usado para financiar as de centros maiores, levando ao aumento das diferenças de desenvolvimento.
Essa foi uma das muitas políticas de regulamentação bancária dos EUA derrubadas nos últimos vinte anos, em função da crescente ascendência dos banqueiros “privados” sobre os “poderes constituídos”, em consequência da concentração econômica e da financeirização da economia.
Trata-se, portanto, de um processo cumulativo, no qual a cada vez maior concentração do poder financeiro gera cada vez maior concentração do poder político real nas mãos dos oligarcas da tirania financeira. Isso, de novo, acarreta maiores concentração e financeirização da economia, e assim sucessivamente.
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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