O governo vai usar R$ 4,9 bilhões do patrimônio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para cobrir os gastos do próprio fundo com abono salarial e seguro-desemprego. Segundo decreto publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União, o dinheiro, que será repassado ao Ministério do Trabalho (MTE), virá da rentabilidade obtida pelo Fundo nas aplicações financeiras em 2012. A previsão é que até o fim deste ano a redução total no patrimônio do FAT chegue a R$ 9,3 bilhões, ante a necessidade de novos aportes e da decisão do Tesouro Nacional de não injetar recursos próprios no Fundo. O patrimônio do FAT está hoje em R$ 213,4 bilhões.
Para o Ministério da Fazenda, as fraudes são o principal motivo para o aumento de gastos com o seguro-desemprego. Entre as mais comuns, está o caso de trabalhadores que continuam recebendo o benefício (de até cinco parcelas), mesmo tendo obtido emprego, num acordo com o patrão para adiar o registro na carteira de trabalho. Há ainda quadrilhas com empresas fantasmas, que criam empregos fictícios e demitem para ter o auxílio.
PF fará grande operação nesta quarta-feira
Segundo o MTE, entre 2002 e 2012, foi bloqueado o pagamento de 735.280 parcelas do seguro, num total de R$ 403 milhões, por suspeita de irregularidades (pagamento indevido, beneficiários falecidos e fraude). Em operações recentes da Polícia Federal (PF), foi detectado o desvio de R$ 56 milhões em ações envolvendo quase 300 empresas.
A PF está prestes a deflagrar uma nova grande operação contra grupos que desviam recursos do seguro-desemprego e do abono salarial. As investigações começaram há dois meses e agora chegam a São Paulo, responsável por mais da metade dos pedidos dos benefícios em todo o país. A operação leva o nome de “Fake Work” (trabalho falso).
Falta informação nos postos
O superintendente da Delegacia Regional do Trabalho, Luiz Antonio Medeiros, disse nesta terça-feira que a PF já vinha investigando “centenas de casos” em que há indícios de irregularidades na liberação do seguro-desemprego.
- Estamos colaborando com a Polícia para investigar essas fraudes - disse Medeiros, que se reúne nesta terça-feira com o ministro do Trabalho, Manoel Dias, para tratar de medidas para combater as fraudes e reduzir os custos no pagamento do seguro-desemprego e abono salarial, que devem chegar a R$ 47 bilhões este ano.
Medeiros concorda que as novas regras baixadas pelo governo para a liberação do benefício — como a exigência de realização de cursos de qualificação profissional -, têm como objetivo conter as fraudes, mas admite que faltou orientação para os funcionários que fazem o atendimento aos beneficiários do seguro-desemprego. O GLOBO esteve em alguns postos de atendimento e apurou com os atendentes que “ninguém está sabendo como orientar os trabalhadores a cumprirem as novas normas”.
- Ficamos sabendo das mudanças por telefone na sexta-feira (dia 1º). Não tivemos nenhuma orientação e estamos tendo dificuldade para dar informações corretas às pessoas que chegam aqui. Tem algumas pessoas que são analfabetas e não sabemos em que curso elas podem ser inscritas - disse uma funcionária de um Posto de Atendimento ao Trabalhador.
Muitos trabalhadores enfrentam uma verdadeira via crucis para dar entrada ao pedido de seguro-desemprego. É o caso da gerente de projetos de tecnologia Katia Amorim, que já perdeu três dias e não conseguiu ainda iniciar o processo de solicitação do benefício. Desde o dia 1° de novembro, mesma data que as novas regras entraram em vigor, Katia vem batendo de porta em porta atrás de informações para ter direito ao seguro, depois de 12 anos de trabalho. As informações, diz ela, são confusas e conflitantes entre as várias instâncias do Ministério do Trabalho e a Delegacia Regional do Trabalho.
- Já estive no posto duas vezes, fui até a Delegacia Regional do Trabalho do Ministério (do Trabalho), abri reclamações na ouvidoria e liguei para um 0800. Não tive sucesso e só vou ser atendida novamente no dia 21 de novembro - diz ela, que optou pelo curso de inglês básico.
As dificuldades enfrentadas pela desempregada foram reconhecidas por Medeiros, que se comprometeu a organizar um curso para os funcionários dos postos de atendimento.
Embora as alterações nas regras da concessão do seguro já tenham sido definidas por decreto presidencial, o Ministério da Fazenda receberá amanhã de líderes sindicais sugestões de como manter o seguro-desemprego, mas coibir o excessivo gasto público. Segundo Miguel Torres, presidente da Força Sindical, a principal proposta dos trabalhadores é vincular as desonerações fiscais feitas pelo governo a alguns setores produtivos à manutenção de mão de obra.
Sistemas não se comunicam
Indagado sobre as fraudes citadas pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, Torres disse que “podem até existir, mas não são o grande responsável pelo aumento” do desembolso público:
- O problema é que os empregadores não mantêm os trabalhadores empregados.
Antes de autorizar o pagamento do benefício, o MTE cruza dados com outros bancos de dados do governo, mas enfrenta dificuldades porque os sistemas não se comunicam (Dataprev e Serpro). Além disso, CNPJ de empresas fantasmas aparecem muitas vezes ativos na Receita Federal.
O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Marcelo Neri, diz que em declarações dos próprios trabalhadores, nas pesquisas do IBGE, 40% deles admitiram ter feito acordo com os patrões para serem demitidos e receber o seguro. Mas, o problema maior, diz, é a alta rotatividade no emprego formal.
06 de novembro de 2013
Geralda Doca, Lino Rodrigues e Roberta Scrivano - O Globo
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