O cantor Roberto Carlos não faz mais parte do grupo Procure Saber. Agora há pouco, por volta das 22h desta terça-feira, Dody Sirena, empresário do Rei, enviou um e-mail aos demais integrantes, entre eles Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, informando da decisão.
Na mensagem, de tom cordial, Dody compara o grupo a uma seleção de futebol, em que os jogadores se encontram, mas depois retornam a seus times. Ele diz, ainda, que os advogados de Roberto vão continuar atuando na questão das biografias, falando em seu nome. E garante que outros assuntos podem voltar a unir Roberto com os outros artistas do Procure Saber no futuro, como o direito autoral, as questões trabalhistas e as plataformas digitais. "Caminhamos bastante e divergimos algumas vezes. Sabemos que, no futuro, tudo isso será um grande exemplo de movimento coletivo", escreveu Dody.
As razões que levaram o Rei e sua corte a se desligarem do Procure Saber estão relacionadas às discordâncias geradas pela forma com que foi conduzido o debate sobre as biografias não autorizadas. Desde o início de outubro, artistas do Procure Saber vêm se manifestando publicamente contrários à mudança no Código Civil, cujo artigo 20 permite que biografados proíbam a publicação de biografias na Justiça em casos que “lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
O texto da lei está sendo questionado por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) no Supremo Tribunal Federal (STF). Por conta da ação, uma audiência pública será realizada em Brasília, nos dias 21 e 22 de novembro, antes que os ministros do STF decidam sobre a matéria.
A mobilização do Procure Saber, expressa em artigos de Caetano, Chico, Gil e Djavan publicados no GLOBO, era em defesa da privacidade dos biografados, mesmo que isso significasse a necessidade de autorização prévia para a publicação das biografias. Para um grupo grande de escritores e jornalistas, porém, a posição do Procure Saber representava uma defesa da censura, o que fez com que os artistas fossem bastante criticados nas redes sociais.
Foi justamente a partir daí que o racha no Procure Saber começou. Roberto, que em 2007 conseguiu retirar das livrarias a biografia "Roberto Carlos em detalhes" a partir do argumento de ofensa à sua honra, vinha se mantendo distante do debate público. O silêncio do Rei irritou os outros integrantes, que passaram a cobrar internamente um posicionamento direto de Roberto.
A resposta, porém, só aumentou a brasa entre eles. Primeiro, a corte real pediu, então, que Paula Lavigne, empresária de Caetano Veloso, parasse de falar pelo grupo sobre as biografias. A ex-mulher de Caetano Veloso vinha, até ali, servindo de porta-voz e articuladora do Procure Saber e, por isso, acumulou algumas brigas públicas, com destaque para sua participação no programa "Saia Justa", da GNT. O papel de articulação seria deixado com Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado do Rei; e evitariam-se novos confrontos públicos até a audiência pública em Brasília.
Em seguida, para coroar as rusgas entre os artistas, Roberto enfim aceitou falar: há uma semana e meia, ele concedeu uma entrevista ao "Fantástico", da Rede Globo, em que se declarou a favor das biografias não autorizadas, mas "com certos ajustes". Dois dias depois, o Procure Saber, sob o comando de Kakay e Dody Sirena, divulgou um vídeo em que o Rei, Erasmo Carlos e Gilberto Gil apareciam revendo sua posição.
Foi o suficiente para Caetano Veloso voltar ao assunto no último domingo, em sua coluna no GLOBO. Caetano, para quem Roberto e Eramos compuseram "Debaixo dos caracóis de seus cabelos" em 1971, época em que o cantor baiano estava exilado em Londres pela ditadura militar brasileira, escreveu: "RC só apareceu agora, quando da mudança de tom. Apanhamos muito da mídia e das redes, ele vem de Rei".
Desde então, o afastamento de Roberto Carlos do Procure Saber era aguardado. O curioso é que o Rei só teria entrado para o Procure Saber por um acordo que levaria o restante de seus integrantes a se juntar a ele na luta contra as biografias não autorizadas. O grupo foi criado no primeiro semestre com uma pauta inicial de batalhar por mudanças na gestão coletiva dos direitos autorais no Brasil, numa luta que vinha sendo travada contra o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).
Entre os artistas, comenta-se que Roberto só aceitou ir para Brasília em 3 de julho, num movimento coordenado para fazer pressão no Congresso e no Planalto a fim que se aprovasse o projeto de lei 129/2012, porque teriam prometido a ele uma reunião com a presidente Dilma Rousseff sobre a questão das biografias. O encontro, reservado, teria durado 20 minutos.
06 de novembro de 2013
André Miranda - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário