Libellus vere aureus nec minus salutaris quam
festivo de optimo statu rei publicæ deque nova insula Utopia.
Sem brincadeira, esse era o título
original do livro ― escrito em latim, como se usava ― que Sir Thomas More
publicou em 1516.
Passou de
moda dar nomes tão longos. Para se referir à obra alegórica do humanista
inglês, basta hoje chamá-la Utopia. Aliás, o termo genial criado pelo erudito
britânico está hoje no balaio das palavras comuns, prestígio máximo reservado a
raros nomes próprios.
A Utopia de
Sir Thomas encerrava uma crítica, velada mas acerba, à orientação que tomavam
os costumes da sociedade e dos governantes de seu tempo. Não cabe aqui discutir
os prós e os contras da visão política do autor. Meio milênio escorreu, o mundo
já não é o mesmo, comparações não fazem sentido. O fato é que utopia,
neologismo autêntico, entrou nas línguas modernas com o sentido de ideal
inatingível, quimera, sonho impossível de realizar.
Já faz mais
de 10 anos que estrategistas obram para implantar no Brasil uma hegemonia
política. Ideólogos, políticos e marqueteiros compõem o grupo. Alguns rostos,
daqueles que aparecem à luz do dia, são ultraconhecidos. Há também aqueles de
quem pouco se fala, eminências pardas a mover-se nos bastidores palacianos. O
ponto comum entre todos é que têm arregaçado as mangas, muita vez com invulgar
ousadia. Têm dado o melhor de si com vista ao objetivo comum que estipularam:
perpetuar-se no comando do país.
São
cândidos sonhadores. Estão tomando a utopia ao pé da letra sem se dar conta de
que a missão é impossível. Já faz tempo que o povo, esperto, sabe que não há
mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe. Tudo tem um começo e um fim.
Acreditar na perenidade de uma situação é devaneio.
Nossos
sagazes planejadores não são os primeiros a tentar desafiar a finitude de todas
as coisas. Ao ser implantado em 1933, o III Reich estava previsto para durar um
milênio. Durou 12 anos. A União Soviética, ao preço de muita tristeza, de muita
fome e de milhões de mortos, conseguiu resistir por algumas décadas, mas acabou
desmoronando sozinha, num tombo melancólico e inglório. Ao atual regime chinês,
de comunista, só sobrou o nome. A realidade no Império do Meio está bem longe
da senda traçada por Mao.
Franco,
Perón, Nasser, Salazar, Stalin, Marcos, Duvalier, Tito, Saddam ― todos
passaram. A energia que dedicaram à tarefa de se enraizar no poder foi tamanha
que não lhes sobrou tempo para cuidar da biografia. Foram todos varridos do
palco e nem sequer deixaram rastro charmoso na História.
A casta que
se alojou no governo federal está cada dia mais numerosa. Vai-se tornando mais
e mais difícil manter coesa essa multidão. Trincas, rachaduras e dissensões já
estão começando a surgir ― é inevitável. Não por acaso, dois frutos do mesmo
eito estão entre as figuras mais cotadas para competir com a atual presidente
nas próximas eleições, enfrentar a batalha de sucessão e encarar o veredicto
das urnas. Dona Marina foi titular de um ministério alguns anos atrás. E o
senhor Campos fazia parte, até anteontem, da base de sustentação do regime.
Se nossos
bisonhos estrategistas deixassem a soberba e a caradura no vestiário e
vestissem a túnica da modéstia, não tardariam a se dar conta de que, conquanto
possam vencer uma que outra batalha, não ganharão a guerra pela eternização do statu quo.
A bolsa
família, responsável por uma avalanche de votos, não deu os resultados que se
podiam dela esperar. O número de beneficiários, que, segundo lógica elementar,
deveria ir aos poucos diminuindo, tem paradoxalmente aumentado a cada ano. De
locomotiva capaz de eliminar a miséria e alavancar a prosperidade, o programa
tornou-se sombra protetora debaixo da qual estagnam famílias inteiras. Recebem
peixes, sim, mas não foram iniciadas nas artes da pesca.
Temos
estádios de padrão Fifa, mas serviços médicos públicos de padrão africano. O
nível de instrução do povo não avançou uma polegada. A criminalidade se alastra
a olhos vistos. A violência de todos os dias prospera. O vício da corrupção
grassa, viçoso como nunca se viu. Vai-se insinuando na população uma percepção
de decomposição social. Estão-se abrindo as portas de um futuro perigoso.
Em vez de
trabalhar para permanecer no poder ad
vitam æternam, melhor farão nossos diligentes dirigentes se se esforçarem
para deixar boa lembrança de sua passagem pelos píncaros. Serão mencionados com
admiração e simpatia nos livros de História dos séculos por vir. O resto é
utopia.
06 de novembro de 2013
José Horta Manzano
Nenhum comentário:
Postar um comentário