Ver a banda passar
Diante de resultados ruins das contas públicas, governo da presidente Dilma Rousseff parece não ter plano para resgatar credibilidade
Como se já não fosse por si só ruim o resultado das contas públicas --o saldo acumulado do governo central nos primeiros nove meses é de R$ 27,9 bilhões, quase a metade do mesmo período do ano passado--, as autoridades brasileiras agem de modo a acentuar a percepção de que o governo não tem rumo nem um plano para resgatar a credibilidade perdida.
Em entrevista a esta Folha, Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Casa Civil, defendeu um regime de bandas para o superavit primário. O sistema funcionaria de forma semelhante ao de metas de inflação: o resultado fiscal do governo poderia ficar dentro de um intervalo.
A ideia não é nova e faz sentido econômico. Em épocas de rápido crescimento, a arrecadação sobe e o governo poupa mais. O inverso vale para períodos recessivos.
Ocorre que esse não é o problema. A questão é saber ao redor de qual meta haverá a banda. Depois de três anos de manipulações das contas, de deduções variadas e do uso de receitas atípicas para fechar o caixa, a impressão é que ninguém no Planalto saberia dizer.
De resto, o sistema de bandas já se verifica na prática, embora de maneira confusa. A meta oficial é economizar 3,1% do PIB antes das despesas de juros; o governo declara perseguir neste ano 2,3% do PIB. Entre analistas privados, para completar, prevalece a opinião de que o resultado ficará mais perto de 1,8%.
Alguns tons acima, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, disse, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", que a política de gastos está sob "ataque especulativo" da imprensa e afirmou que os resultados dos próximos meses serão melhores. Ainda que esteja certo quanto ao segundo ponto, não terá razão quanto ao primeiro --é contraproducente alguém em sua posição engalfinhar-se com analistas.
Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, havia reagido ao resultado das contas com a convocação de uma reunião com sindicalistas, no intuito de tratar do aumento das despesas relativas a abono salarial e seguro desemprego --como se estivesse aí a surpresa.
Há pelo menos dois anos o governo prometera atenção ao assunto, mas as despesas só crescem. O ministro passa a impressão de agir apenas a posteriori.
O mais irônico é que a situação talvez seja até melhor do que o governo, por inépcia, faz crer.
É preciso restaurar, sem meias palavras --o que a esta altura depende de manifestação clara da presidente da República--, o compromisso com metas que sejam altas o suficiente para evitar o aumento da dívida pública, risco que se tornou mais grave depois da leniência dos últimos anos.
06 de novembro de 2013
Editorial da Folha
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