O Congresso Nacional está a caminho de cometer duas enormidades. Uma diz respeito ao sistema de votação ─ aberta ou fechada ─ em matérias politicamente sensíveis, como a cassação de mandatos parlamentares ou o exame de vetos presidenciais a projetos aprovados pelo Legislativo. A outra, mais grave ainda do ponto de vista da ética, está embutida no trecho da chamada minirreforma eleitoral que pretende mudar as regras do financiamento das campanhas.
Sacudidos pelo impacto do escândalo do salvamento do mandato do deputado Natan Donadon, eleito pelo PMDB de Rondônia ─ já então recolhido ao presídio onde cumprirá a pena de 13 anos a que o condenou o Supremo Tribunal Federal (STF) por peculato e formação de quadrilha ─, os dirigentes da Câmara decidiram não submeter a plenário nenhum outro caso do gênero, enquanto continuassem a ser resolvidos pelo voto secreto. O mesmo se aplicaria a condenações a perda de mandato propostas pelo Conselho de Ética da Casa, sujeitas à ratificação em plenário.
Como não raro acontece na política nacional, a boa iniciativa gerou o efeito perverso de transformá-la numa aberração. Por demagogia, vingança ou indiferença por suas consequências, a Câmara aprovou por unanimidade, em segundo escrutínio, um projeto de emenda constitucional de 2001 e esquecido desde que tramitou pela primeira vez, passados seis anos.
A proposta, que decerto continuaria hibernando não fosse o vergonhoso episódio Donadon, estende a obrigatoriedade do voto declarado a toda e qualquer decisão de colegiados legislativos, no plano federal, estadual e municipal.
Na quarta-feira, por 54 a 10, o Senado endossou o despropósito em primeira votação. O pior é que a Casa já tinha aprovado duas vezes uma emenda ali apresentada no ano passado que restringia ao âmbito federal e à cassação de mandato o sufrágio público.
O projeto vindo da Câmara, que atropelou o de sua própria lavra, entrará na pauta de deliberações do Senado na semana que vem. É quando os políticos que não perderam de todo o juízo tentarão fatiar a votação para evitar o desastre.
Se forem bem-sucedidos, continuaria secreta a apreciação de vetos presidenciais e de autoridades indicadas pelo Executivo ad referendum do Senado, bem como o voto para presidente nas duas Casas.
É certo que o povo tem o direito de saber como se comportam seus representantes nos momentos de decisão. Mas não é menos certo que a consciência do parlamentar tende a prevalecer quando o sigilo o protege de pressões ─ do governo, de candidatos a postos em instituições do Estado ou de lideranças partidárias ─ a que raros ousam resistir. É nefasto, porém, quando serve para salvar mandatos enxovalhados pelos seus ocupantes.
A segunda enormidade que o Congresso se prepara para abraçar é o suprassumo em matéria de pôr a lei a serviço do interesse próprio do estamento político e dos partidos que o estruturam. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado repôs no projeto da minirreforma eleitoral, entre os pontos derrubados na Câmara, a permissão para que concessionárias e permissionárias de serviços públicos financiem candidaturas, ou do bolso de seus sócios e acionistas ou de outras pessoas jurídicas a elas associadas, numa mesma holding, por exemplo. É uma forma de passar a perna nas normas que procuram regular as doações eleitorais.
Também entidades sem fins lucrativos que não recebam dinheiro público ─ e por isso estão dispensadas de informar a origem de seus fundos ─ poderão doar a candidatos. É o alargamento das portas às doações ocultas.
A empresa que não quiser aparecer como doadora repassará a bolada a uma dessas entidades com ela mancomunada para que a envie, lavada e perfumada, ao seu destino. Além disso, caiu a obrigação das legendas de destinar pelo menos 20% dos recursos recebidos do Fundo Partidário aos centros de estudos e pesquisas sobre questões públicas que devem manter. Afinal, o que interessa é ganhar eleições.
Por fim, as multas aplicadas a candidatos passarão a ser pagas em até cinco anos ─ desde que as parcelas não excedam 10% dos rendimentos dos infratores. E fazer boca de urna não dará mais cadeia.
18 de novembro de 2013
Editorial do Estadão
Sacudidos pelo impacto do escândalo do salvamento do mandato do deputado Natan Donadon, eleito pelo PMDB de Rondônia ─ já então recolhido ao presídio onde cumprirá a pena de 13 anos a que o condenou o Supremo Tribunal Federal (STF) por peculato e formação de quadrilha ─, os dirigentes da Câmara decidiram não submeter a plenário nenhum outro caso do gênero, enquanto continuassem a ser resolvidos pelo voto secreto. O mesmo se aplicaria a condenações a perda de mandato propostas pelo Conselho de Ética da Casa, sujeitas à ratificação em plenário.
Como não raro acontece na política nacional, a boa iniciativa gerou o efeito perverso de transformá-la numa aberração. Por demagogia, vingança ou indiferença por suas consequências, a Câmara aprovou por unanimidade, em segundo escrutínio, um projeto de emenda constitucional de 2001 e esquecido desde que tramitou pela primeira vez, passados seis anos.
A proposta, que decerto continuaria hibernando não fosse o vergonhoso episódio Donadon, estende a obrigatoriedade do voto declarado a toda e qualquer decisão de colegiados legislativos, no plano federal, estadual e municipal.
Na quarta-feira, por 54 a 10, o Senado endossou o despropósito em primeira votação. O pior é que a Casa já tinha aprovado duas vezes uma emenda ali apresentada no ano passado que restringia ao âmbito federal e à cassação de mandato o sufrágio público.
O projeto vindo da Câmara, que atropelou o de sua própria lavra, entrará na pauta de deliberações do Senado na semana que vem. É quando os políticos que não perderam de todo o juízo tentarão fatiar a votação para evitar o desastre.
Se forem bem-sucedidos, continuaria secreta a apreciação de vetos presidenciais e de autoridades indicadas pelo Executivo ad referendum do Senado, bem como o voto para presidente nas duas Casas.
É certo que o povo tem o direito de saber como se comportam seus representantes nos momentos de decisão. Mas não é menos certo que a consciência do parlamentar tende a prevalecer quando o sigilo o protege de pressões ─ do governo, de candidatos a postos em instituições do Estado ou de lideranças partidárias ─ a que raros ousam resistir. É nefasto, porém, quando serve para salvar mandatos enxovalhados pelos seus ocupantes.
A segunda enormidade que o Congresso se prepara para abraçar é o suprassumo em matéria de pôr a lei a serviço do interesse próprio do estamento político e dos partidos que o estruturam. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado repôs no projeto da minirreforma eleitoral, entre os pontos derrubados na Câmara, a permissão para que concessionárias e permissionárias de serviços públicos financiem candidaturas, ou do bolso de seus sócios e acionistas ou de outras pessoas jurídicas a elas associadas, numa mesma holding, por exemplo. É uma forma de passar a perna nas normas que procuram regular as doações eleitorais.
Também entidades sem fins lucrativos que não recebam dinheiro público ─ e por isso estão dispensadas de informar a origem de seus fundos ─ poderão doar a candidatos. É o alargamento das portas às doações ocultas.
A empresa que não quiser aparecer como doadora repassará a bolada a uma dessas entidades com ela mancomunada para que a envie, lavada e perfumada, ao seu destino. Além disso, caiu a obrigação das legendas de destinar pelo menos 20% dos recursos recebidos do Fundo Partidário aos centros de estudos e pesquisas sobre questões públicas que devem manter. Afinal, o que interessa é ganhar eleições.
Por fim, as multas aplicadas a candidatos passarão a ser pagas em até cinco anos ─ desde que as parcelas não excedam 10% dos rendimentos dos infratores. E fazer boca de urna não dará mais cadeia.
18 de novembro de 2013
Editorial do Estadão
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