O deputado federal José Genoino (PT-SP), na mitologia em curso, é só um pobre homem, sem posses mesmo, que faz e fez tudo por um ideal — inclusive, parece, o mensalão. Parlamentar que é, ele tem uma assessoria. Já sob a custódia da Polícia Federal — sem ter, portanto, como promover agitação nas redes sociais —, seu perfil no Twitter continuava a emitir mensagens. Uma delas dizia isto:
“Se morrer aqui, o povo livre deste país que ajudamos a construir saberá apontar meus algozes”
Huuummm… Em tempos em que se retiram da tumba os ossos de João Goulart em nome de uma hipótese conspiratória delirante, a frase tem um sotaque da carta do homicida e suicida Getúlio Vargas. Como é mesmo?
“Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. (…) Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo.”
E meteu um tiro no próprio coração. A mensagem atribuída a Genoino, é bem verdade, é um pouco mais choramingas.
Lamento, é evidente, a doença do petista. Alguns “companheiros” é que vibravam com a minha — muitos ainda me dirigem palavras gentilíssimas a respeito; uma torcida entusiasmada mesmo… Espero que lhe sejam fornecidas as condições para que se cuide adequadamente, benefício de que bem poucos presos gozam no Brasil.
A mensagem, depois retirada do ar, é estúpida. Até onde se sabe, a cardiopatia que acomete Genoino não foi provocada pela Procuradoria-Geral da República, pelos ministros do STF que o condenaram ou por Joaquim Barbosa que determinou a sua prisão. Esse negocio de que nervosismo faz “sofrer do coração” precisa ser visto com cautela. Cigarros, sedentarismo e uma alimentação errada podem mais, nessa área, do que qualquer Joaquim Barbosa… Se a defesa considera que as condições do encarceramento são incompatíveis com as exigências do tratamento, que peticione, como fez, para que sejam mudadas. O que não faz sentido é constranger a Justiça; o que é inaceitável é tratar como “algozes” aqueles que nada mais fizeram do que cumprir a lei.
Contradição
O conjunto da obra, ademais, é curioso. Genoino se diz um “preso político”, embora ele seja, como lembrei no debate da VEJA.com, na quinta, apenas um “político preso”. Os “algozes” a que se refere são, é evidente, os juízes do Supremo que o condenaram. Ocorre que é a essa mesma corte que a defesa solicitou que o mensaleiro fique em prisão domiciliar.
Deixem-me ver se entendi direito: um ex-guerrilheiro está pedindo um benefício, uma espécie de clemência, àqueles que classifica de algozes? Por algozes, convenham, por que então prestariam socorro à sua “vítima”? Tivesse mesmo a convicção de que está a lidar com um tribunal discricionário, atrabiliário, não faria sentido nem mesmo encaminhar o pedido.
Afronta
O sistema do qual Genoino se diz um “preso político” é aquele que permite que um réu assuma uma vaga na Câmara dos Deputados; é aquele que permite que um processado por corrupção ativa e formação de quadrilha integre a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; é aquele que permite que um condenado por corrupção ativa — sem direitos políticos, portanto — permaneça deputado (por ora, como sabem, ainda é assim…).
Lamento que Genoino esteja doente — como lamento a doença de qualquer indivíduo. Mas ele e sua defesa que tomem tenência! A reação vai bem além do ridículo. Condenações e absolvições e vitórias e derrotas nem fazem adoecer as pessoas nem as curam. A verdade insofismável é que, se Genoino não tivesse feito parte daquele esquema que tentou dar um golpe na República, não estaria passando por esse perrengue na esfera penal. Seu coração, no entanto, não estaria nem melhor nem pior. Alguns podem até lamentar que assim seja, mas a verdade é que tanto as pessoas boas como os canalhas adoecem. Tanto as pessoas boas como os canalhas se curam. Não há regra.
Espero que Genoino se recupere e viva por muito tempo. Fosse só uma questão pessoal, eu lhe sugeriria que se libertasse de parte do peso que lhe cai nos ombros, admitindo o seu erro. Ocorre que a questão não é pessoal. Ao chamar o Poder Judiciário de “algoz”, o deputado mensaleiro, pouco importa se doente ou não, está é fazendo política. E da pior espécie!
18 de novembro de 2013
Reinaldo Azevedo - Veja
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