"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

SOBRE GOLPES E ELEIÇÕES

Nota-se, na militância que ainda chama de golpe o impeachment de Dilma Rousseff (PT), um júbilo revanchista com as agruras agora vividas por Michel Temer (PMDB).

Por natural que seja, tal sentimento não deve deixar de conflitar-se com arraigadas percepções da realidade. Afinal, os setores supostamente culpados pelo naufrágio do poder petista —a Lava Jato, a imprensa, o mercado— desempenham os mesmos papéis de antes.

O aparato policial investiga (não sem alguma dose de abusos), os veículos de comunicação reverberam (além de apresentarem suas próprias apurações e pontos de vista), os agentes econômicos protegem seus interesses. O processo por vezes é cruel, mas mantém-se nos limites do jogo democrático.

Golpe não houve, tampouco está em curso. O impeachment respeitou, ao longo de meses, os ritos jurídicos e legislativos. Nada mais legítimo que Temer, igualmente, valha-se de todos os recursos e garantias legais à sua disposição.

Instituições, no entanto, nunca serão engrenagens impermeáveis às forças políticas. Dilma não foi à lona apenas por ter fraudado de modo explícito o Orçamento –o que, para esta Folha, não justificava punição tão traumática.

Seu destino poderia ser outro se a recessão que produziu e o estelionato eleitoral que cometeu não tivessem esvaziado sua sustentação popular e legislativa.

Numa nota de ironia, cumpre recordar que algumas das derradeiras tentativas de salvar seu mandato partiram do empresariado, que se empenhava em evitar o agravamento da derrocada econômica.

Não diferem, na essência, os cálculos que ora se fazem em torno dos desfechos possíveis para a crise do governo Temer.

Este originou-se dos votos de mais de dois terços do Congresso, agregando uma expressiva maioria ancorada na centro-direita. Mesmo sob o impacto da Lava Jato e de dissidências recentes, essa coalizão ainda reúne condições de ditar o rumo dos acontecimentos.

Só com seu aval poderão ser abertos processos, por crime comum ou de responsabilidade, contra o presidente; caso este venha a ter sua chapa cassada pela Justiça Eleitoral, seu mandato será concluído, segundo a Constituição, por um nome escolhido pelos deputados e senadores.

Em defesa dessa previsibilidade já começam a mobilizar-se grupos que temem uma recaída recessiva do país. Preocupam-se com a hipótese de avanço de uma emenda constitucional ou de uma tese jurídica que possibilite a realização, já, de eleições diretas.

Argumentam, com certa razão, que não é o melhor costume mudar as regras durante o jogo; nem será surpresa se a velha acusação de golpe voltar à tona.

Mais uma vez, não é disso que se trata. A emenda só avançará com respaldo das ruas, o que a diferencia de conchavos parlamentares; seu objetivo não é beneficiar este ou aquele de forma casuística. Ao invés de restringir um direito —no caso, ao voto—, o texto o universaliza. Em momento tão delicado, é opção que não convém descartar.

25 de maio de 2017
Editorial Folha de SP

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