É louvável a disposição do procurador-geral da República Rodrigo Janot de tentar explicar o refresco servido ao delator Joesley Batista e Cia.. Mas o objetivo não foi alcançado no artigo veiculado pelo UOL nesta terça-feira.
Janot anotou a certa altura: “Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros…”
Uma das belezas da Lava Jato é a quebra de velhos paradigmas. Noutros tempos, nenhuma revelação conseguia abalar o prestígio das eminências empresariais brasileiras. Não havia crime que justificasse uma reprimenda. Curitiba virou o jogo. Fez isso com método.
Tome-se o exemplo da Odebrecht. Dizia-se que a investigação não chegaria à maior empreiteira do país. Chegou. Alardeava-se que o príncipe herdeiro Marcelo Odebrecht não iria em cana. Foi. Jurava-se que ele não abriria o bico. Abriu. E continua preso. Seu pai, Emílio Odebrecht, está em casa. Mas arrasta uma tornozeleira eletrônica.
Os negócios da JBS foram à alça de mira de cinco operações: Sépsis, Greenfield, Cui Bono, Carne Fraca e Bullish. Ao afirmar que sem o superprêmio concedido aos irmãos Joesley e Wesley Batista “jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros”, Janot como que emite um injusto atestado de incompetência da corporação que representa.
Janot diz ter sido “procurado pelos irmãos Batista.” Informa que “trouxeram indícios consistentes de crimes em andamento”. Delitos “praticados em tese por um senador da República (Aécio Neves) e por um deputado federal (Rodrigo Rocha Loures). Mais: “Corromperam um procurador no Ministério Público Federal.”
Pior: “Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República (Michel Temer), em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato.”
Não é só: “Além desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas.”
Pois bem, os Batista não bateriam à porta de Janot oferecendo tão alentada matéria-prima se não estivessem sentindo na nuca o calor do hálito dos investigadores das cinco operações que iluminam seus calcanhares de vidro. O ser humano é feito de pó, vaidade e medo. E o medo da turma da JBS era grande.
Janot sustenta: “Como procurador-geral da República, não tive outra alternativa senão conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores.” Será? É evidente que as informações delatadas valem um prêmio. Mas a benevolência de Janot, homologada por Edson Fachin, do STF, roçou as fronteiras do escárnio.
A coisa descambou para o deboche depois que as autoridades permitiram que os delatores fossem desfrutar de sua imunidade na 5ª Avenida de Nova York. Desbordou para o acinte quando se descobriu que a JBS, valendo-se dos segredos de sua própria delação, foi ao mercado para lucrar com câmbio e ações. Injetou-se um crime dentro de outro.
Sobre isso, tudo o que Janot tem a dizer é o seguinte: “No que se refere às operações suspeitas no mercado de câmbio, não estão elas abrangidas pelo acordo e os colaboradores permanecem sujeitos à integral responsabilização penal.” Ora, ora, ora.
A plateia esperava que procurador-geral dissesse algo assim: “Não temos compromisso com a delinquência. Se ficar comprovado que faturaram com a própria delação, a premiação será anulada e as confissões serão usadas contra os delatores.”
No caso da Odebrecht, a força-tarefa de Curitiba suou a camisa para tornar os poderosos impotentes. Os investigadores chegaram a uma funcionária humilde de um tal setor de Operações Estruturadas. Ouvindo-a, descobriram que sob o nome pomposo escondia-se um Departamento de Propinas. Ao se dar conta de que sua casa caíra, os Odebrecht ajoelharam no milho.
No caso dos Batista, escreveu Janot, “tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo.”
Até colegas de Janot afirmam, em privado, que o chefe do Ministério Público Federal foi concessivo demais. Sustentam que ele chegaria ao mesmo resultado negociando premiação menos indigesta. Com a vantagem de não ofender os brasileiros com a ideia de que certos negócios podem ser trançados no Brasil à beira da escroqueria sem que seus operadores sofram nenhum tipo de embaraço.
A delação premiadíssima da turma da JBS subverteu até o brocardo. Restou a seguinte impressão: não é que o crime não compensa. A questão é que, quando compensa, ele muda de nome. Passa a se chamar colaboração judicial.
25 de maio de 2017
josias de souza
Janot anotou a certa altura: “Embora os benefícios possam agora parecer excessivos, a alternativa teria sido muito mais lesiva aos interesses do país, pois jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros…”
Uma das belezas da Lava Jato é a quebra de velhos paradigmas. Noutros tempos, nenhuma revelação conseguia abalar o prestígio das eminências empresariais brasileiras. Não havia crime que justificasse uma reprimenda. Curitiba virou o jogo. Fez isso com método.
Tome-se o exemplo da Odebrecht. Dizia-se que a investigação não chegaria à maior empreiteira do país. Chegou. Alardeava-se que o príncipe herdeiro Marcelo Odebrecht não iria em cana. Foi. Jurava-se que ele não abriria o bico. Abriu. E continua preso. Seu pai, Emílio Odebrecht, está em casa. Mas arrasta uma tornozeleira eletrônica.
Os negócios da JBS foram à alça de mira de cinco operações: Sépsis, Greenfield, Cui Bono, Carne Fraca e Bullish. Ao afirmar que sem o superprêmio concedido aos irmãos Joesley e Wesley Batista “jamais saberíamos dos crimes que continuariam a prejudicar os honrados cidadãos brasileiros”, Janot como que emite um injusto atestado de incompetência da corporação que representa.
Janot diz ter sido “procurado pelos irmãos Batista.” Informa que “trouxeram indícios consistentes de crimes em andamento”. Delitos “praticados em tese por um senador da República (Aécio Neves) e por um deputado federal (Rodrigo Rocha Loures). Mais: “Corromperam um procurador no Ministério Público Federal.”
Pior: “Apresentaram gravações de conversas com o presidente da República (Michel Temer), em uma das quais se narravam diversos crimes supostamente destinados a turbar as investigações da Lava Jato.”
Não é só: “Além desses fatos aterradores, foram apresentadas dezenas de documentos e informações concretas sobre contas bancárias no exterior e pagamento de propinas envolvendo quase duas mil figuras políticas.”
Pois bem, os Batista não bateriam à porta de Janot oferecendo tão alentada matéria-prima se não estivessem sentindo na nuca o calor do hálito dos investigadores das cinco operações que iluminam seus calcanhares de vidro. O ser humano é feito de pó, vaidade e medo. E o medo da turma da JBS era grande.
Janot sustenta: “Como procurador-geral da República, não tive outra alternativa senão conceder o benefício da imunidade penal aos colaboradores.” Será? É evidente que as informações delatadas valem um prêmio. Mas a benevolência de Janot, homologada por Edson Fachin, do STF, roçou as fronteiras do escárnio.
A coisa descambou para o deboche depois que as autoridades permitiram que os delatores fossem desfrutar de sua imunidade na 5ª Avenida de Nova York. Desbordou para o acinte quando se descobriu que a JBS, valendo-se dos segredos de sua própria delação, foi ao mercado para lucrar com câmbio e ações. Injetou-se um crime dentro de outro.
Sobre isso, tudo o que Janot tem a dizer é o seguinte: “No que se refere às operações suspeitas no mercado de câmbio, não estão elas abrangidas pelo acordo e os colaboradores permanecem sujeitos à integral responsabilização penal.” Ora, ora, ora.
A plateia esperava que procurador-geral dissesse algo assim: “Não temos compromisso com a delinquência. Se ficar comprovado que faturaram com a própria delação, a premiação será anulada e as confissões serão usadas contra os delatores.”
No caso da Odebrecht, a força-tarefa de Curitiba suou a camisa para tornar os poderosos impotentes. Os investigadores chegaram a uma funcionária humilde de um tal setor de Operações Estruturadas. Ouvindo-a, descobriram que sob o nome pomposo escondia-se um Departamento de Propinas. Ao se dar conta de que sua casa caíra, os Odebrecht ajoelharam no milho.
No caso dos Batista, escreveu Janot, “tivesse o acordo sido recusado, os colaboradores, no mundo real, continuariam circulando pelas ruas de Nova York, até que os crimes prescrevessem, sem pagar um tostão a ninguém e sem nada revelar, o que, aliás, era o usual no Brasil até pouco tempo.”
Até colegas de Janot afirmam, em privado, que o chefe do Ministério Público Federal foi concessivo demais. Sustentam que ele chegaria ao mesmo resultado negociando premiação menos indigesta. Com a vantagem de não ofender os brasileiros com a ideia de que certos negócios podem ser trançados no Brasil à beira da escroqueria sem que seus operadores sofram nenhum tipo de embaraço.
A delação premiadíssima da turma da JBS subverteu até o brocardo. Restou a seguinte impressão: não é que o crime não compensa. A questão é que, quando compensa, ele muda de nome. Passa a se chamar colaboração judicial.
25 de maio de 2017
josias de souza
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