Reinaldo Azevedo tem uma legião de admiradores e outra de haters para os quais ele é a encarnação da abominação. Tenho com ele uma relação cordial. Temos amigos comuns e algumas vezes nos encontramos em eventos sociais. Mas não somos amigos e não temos afinidade ideológica.
Somos concorrentes no rádio. Falamos no mesmo horário em emissoras que têm o mesmo perfil e pretendem alcançar o mesmo público. Ele tem o dobro da minha audiência.
Admiro-lhe a inteligência e a coragem de enfrentar de peito aberto as teses que defende e as consequências disso. Lamento, eventualmente, que tanta inteligência e coragem estejam a serviço de um reacionarismo explícito e de certas teses que ele adota.
Eu sou ateu, ele é um carola empedernido. Eu sou defensor da descriminalização do uso das drogas. Ele combate essa ideia vigorosamente.
Mas tenho respeito por ele, que é o que importa.
Reinaldo Azevedo foi vítima de uma atrocidade institucional aberrante. Foi gravado em conversa com a irmã de Aécio Neves. O diálogo em nada ultrapassa o limite ético da relação fonte-jornalista. A gravação foi feita com autorização judicial, provavelmente a pedido da Procuradoria Geral da República.
Anexada ao processo que investiga a vida torta do senador Aécio Neves, a transcrição do grampo se tornou pública e foi divulgada pelo Buzzfeed.
O Ministro Facchin defendeu a publicidade do ‘ato processual’ porque esse é um imperativo consagrado pela Constituição. A Ministra Carmen Lúcia, presidente do STF, condenou a violação da intimidade, imprestável para qualquer fim no que se pretende investigar.
A Procuradoria Geral da República, acusada de bisbilhotice e apontada por Reinaldo como responsável pelo vazamento, assegurou que nada tem a ver com o episódio. Reinaldo tem criticado com veemência a atuação do órgão. Considera que houve uma vingança com o objetivo de tentar desqualificar seu trabalho de jornalista vinculando-o a uma fonte espúria — no caso, Aécio Neves.
A Polícia Federal ainda não se manifestou.
A Constituição, em seu Artigo Quinto, estabelece como prerrogativa a inviolabilidade do sigilo da fonte. É uma espécie de salvaguarda conferida a quem tem o dever de informar para assegurar ao cidadão o direito de ser informado sobre tudo. Para jornalistas, é talvez a mais importante das ferramentas institucionais, o alicerce sobre o qual se assenta a liberdade de imprensa.
A Lei das Interceptações Telefônicas determina que todo o material proveniente de escutas telefônicas feitas com autorização judicial que não guarde relação com o objeto da investigação deve ser descartado.
No caso de Reinaldo Azevedo, nem a Constituição, nem a Lei 9296/96 foram suficientes para impedir que ele fosse vitimado em seu mister pela trama que se armou como forma de vingança. A pequena autoridade que mandou anexar ao processo a bisbilhotice rasgou os livrinhos que deveriam pautar sua atuação.
Como consequência imediata, Reinaldo se desligou de dois empregos num só dia — deixou a Revista Veja e a Rádio Jovem Pan. A vingança, portanto, produziu consequências severas para a vida de um jornalista que nada fez de errado ou condenável.
Não é a primeira violação explícita que ocorre pelas mesmas e mesquinhas razões. Antes, o juiz Sérgio Moro mandou conduzir coercitivamente o blogueiro Eduardo Guimarães, crítico mordaz da Operação Lava Jato. É o mesmo erro, com as mesmas intenções, engendrado da mesma forma.
Quando a ação arbitrária de Moro foi perpetrada, muita gente alojada à direita do espectro ideológico comemorou. Agora que Reinaldo Azevedo é violado, muita gente à esquerda está comemorando.
Uns e outros ainda não se aperceberam de que as ações arbitrárias demandadas por agentes do Estado constituem uma ameaça concreta a todos, não importando onde seus alvos se posicionem no campo ideológico.
Violar a liberdade de imprensa, conspurcar o sigilo da fonte, não vitimiza apenas os que são diretamente molestados pelo Estado e pelo arbítrio.
A maior vítima é o destinatário final dos direitos e garantias previstos pela Constituição e pelo conjunto de leis que criam instrumentos de proteção contra a força esmagadora do Estado.
O grande perdedor é o cidadão. É o leitor dos textos de Reinaldo Azevedo e do blog de Eduardo Guimarães. É a esses que se destinam as garantias oferecidas pelas nossas instituições.
Por isso, antes de sair por aí postando disparates nas redes sociais em comemoração ao resultado produzido por este ou aquele ato de força, reflita bem.
É possível que você acabe concluindo que quem mais sai prejudicado é você mesmo.
25 de maio de 2017
Fábio Pannunzio
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