"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

POR QUE FALHOU A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS, EM PORTUGAL

Enfim terminei um estudo que fiz sobre a Revolução dos Cravos. Para ser sincera, comecei-o há muitos anos, estudando a primeira Constituição após a queda do salazarismo e as sucessivas revisões. A verdade é que os textos jurídicos já mostravam a paulatina falência dos ideais que levaram os capitães a se insurgirem já sob a direção de Marcelo Caetano.

Li agora primeiro “A Costa dos Murmúrios”, de Lídia Jorge, que trata dos momentos finais da ocupação portuguesa em países africanos. Uma tensão captada com sensibilidade por essa escritora.

Depois li “Grândola, Vila Morena”, que já resumi neste jornal.

Daí passei ao principal: dar carne e osso aos personagens por trás das idas e vindas dos textos constitucionais: a autora, Maria Inácia Rezola, organiza, com base em análises diversas e documentos autênticos, o que foi a saga, no livro “25 de Abril: Mitos de Uma Revolução”, da editora A Esfera dos Livros. Entrementes, enquanto Maria Inácia ia organizando as informações e contrapondo opiniões, parei para ler “Madrugada Suja”, de Miguel Souza Tavares, que retrata bem o que foi e por que falhou a tentativa de reforma agrária coletivista na região do Alentejo.

Nada melhor para conhecer os bastidores do poder que ver as conspirações, as ousadias e a determinação de alguns personagens, enquanto outros parecem ir e vir ao sabor das circunstâncias, ora navegando de braços dados com a contrarrevolução, ora saltando para a extrema esquerda, como Otelo Saraiva de Carvalho. Alguns permanecem firmes e leais a seus ideais, como Vasco Gonçalves, o militar ligado ao Partido Comunista português, ou o moderado Melo Antunes.

A coisa toda fica ainda mais conturbada quando retornam do exílio os líderes, sobretudo civis, dos partidos políticos. Chegam vários deles, de variados matizes político-ideológicos, como Álvaro Cunhal e Mário Soares. Este, como chefe inconteste do Partido Socialista, age sem peias e não se furta a se aliar a quem quer que aparecesse para retirar de cena os militares, no fundo, no fundo, para bater o PCP, que comete erro atrás de erro. Aos poucos, o Movimento das Forças Armadas (MFA), queridíssimo pelo povo, vai perdendo força em embates internos e externos.

Além desses atores, Portugal tem uma característica visível até hoje: o Norte, povoado por pequenos proprietários, ciosos e zelosos de sua vidinha parva, dominados inteiramente por uma Igreja Católica muito reacionária e ligada a Salazar. O Sul sempre foi mais progressista, embora aos poucos seus chefetes locais acabem seduzidos pelos financiadores de suas campanhas eleitorais, geralmente grandes empresas que se dispuseram a fazer resorts e mansões, principalmente no Algarves, à beira-mar.

No meio disso, o povo, ah, o povo!, apesar dos cravos com que saudou os revoltosos, levado pelos demagogos e sem formação política alguma depois de tantos anos de ditadura, colaborou para o fim da sua revolução.


16 de setembro de 2015
Sandra Starling, Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo.

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