Foi meu amigo Giovanni Soares quem chamou minha atenção para recentes entrevistas e declarações do sociólogo suíço Jean Ziégler, hoje com 79 anos de idade. Ziégler está deitando falação a propósito de seu novo livro, cujo título é uma referência ao nosso Josué de Castro, que ele considera “um dos maiores pensadores do século XX”: Destruição em Massa: Geopolítica da Fome.
Há anos eu não ouvia falar de Ziégler. Ele passou um tempo aqui na Bahia, ainda na década de 1960, andando para cima e para baixo em companhia do antropólogo Vivaldo da Costa Lima, que o levava a feiras e festas – ou ao mercado e ao terreiro. Naquela época, ele já era conhecido como autor de livros relevantes sobre as realidades negroafricanas, a exemplo de Sociologie de la Nouvelle Afrique. Sua experiência baiana, devidamente interpretada, foi se gravar num livro também muito interessante, O Poder Africano, que eu citava com frequência, desde os escritos que reuni em Carnaval Ijexá.
Era um livro rico, variado, inteligente e provocador. Abordava os mais diversos temas e problemas, da questão das relações entre democracia ocidental e realeza africana ao poder dos orixás, passando por leituras dos sistemas temporais africanos. Sem deixar de parte, é claro, a guerra de guerrilhas no continente negro. Ziégler contava, a propósito, um encontro com Che Guevara em Genebra, numa noite de primavera, em 1964:
“Guevara acabara de descobrir a África. Uma viagem rápida e a amizade de Mohammed Babu, revolucionário do Zanzibar, haviam-lhe desvendado de súbito a realidade do combate planetário contra os imperialismos. Por detrás das janelas envidraçadas do Hotel Intercontinental já ia se erguendo a alvorada. Metido em sua roupa de brim verde-oliva e fumando um charuto depois do outro, Guevara não parava de falar. Uma de suas frases gravou-se em meu espírito de maneira especial: ‘Agarras um fuzil, metes-te no meio dos camponeses, não importa onde, na Colômbia, no Congo, e ficas esperando. O resto virá por si’”.
Bem. Depois disso, eu nunca mais tinha ouvido falar de Ziégler. Agora, fico sabendo que ele, professor da Universidade de Genebra e da Sorbonne, foi relator para o direito à alimentação das Nações Unidas entre 2000 e 2008 e membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos da ONU entre 2008 e 2012. Vem dessa longa experiência o livro que agora foi traduzido e está sendo lançado no Brasil. E sua tese é clara: se a produção mundial de alimentos é suficiente para alimentar todo o planeta, quem morre de fome hoje é, portanto, assassinado.
Ziégler: “Hoje não existe falta de alimentos, o que existe é falta de acesso. As cifras são as seguintes: a cada cinco segundos, uma criança de menos de dez anos morre de fome. No mundo, 56 mil pessoas morrem de fome por dia. E um bilhão de pessoas estão permanentemente subalimentadas. O relatório da FAO mostra que o número de vítimas cresce, mas que a agricultura mundial poderia alimentar normalmente, com uma dieta de 2,2 mil calorias por dia, 12 bilhões de pessoas [o dobro da população mundial]. Então, uma criança que morre de fome, hoje, é assassinada”.
Mais: “São vários os mecanismos que matam. Como a especulação nas bolsas de commodities com alimentos como trigo, arroz e milho, que correspondem a 75% do consumo mundial de alimentos. Após a crise financeira de 2008, com a quebra dos mercados de ações, os grandes bancos e os hedge funds migraram para as bolsas de commodities, para as matérias-primas agrícolas. Aqui, só é possível ganhar porque todos somos obrigados a comprar alimentos. Essa especulação, que infelizmente é legal, produz lucros astronômicos para os fundos e mortes nas favelas”.
05 de setembro de 2013
Artigo de Antonio Risério, publicado no jornal A Tarde.
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