"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

PALAVRAS...

Disruptivo: aquilo que chuta traseiros


Disruptivo. Esse adjetivo, que há alguns anos vem se consolidando no mundo e no Brasil (nessa ordem) como palavrinha mágica da vez no vocabulário tecnológico-corporativo, tem feito na linguagem algo parecido com a inovação que surgiu para qualificar no mundo dos negócios: cria novos valores (sentidos), novos mercados (falantes), minando ideias que pareciam solidamente estabelecidas. Por exemplo: a ideia de que disruptivo não passa de um anglicismo besta e dispensável, sinônimo de revolucionário, agitador, subversivo, agente de ruptura da ordem.

Por ser exatamente isso, a palavra era ignorada sem dó pela maioria dos dicionaristas (ainda que reconhecida por nomes de peso, como José Pedro Machado), contentes em registrar apenas o substantivo do qual ela deriva: disrupção, ou seja, “fratura; interrupção do curso normal de um processo”, segundo o Houaiss (além de acepções restritas ao vocabulário da engenharia elétrica e hidráulica, que não vêm ao caso).

Assim caminhávamos, sem sombra de disrupção, até meados dos anos 1990. Foi quando o americano Clayton M. Christensen (foto), um professor de Harvard, deu início à publicação de uma série de livros de gerenciamento que acabaria por transformar o inglês disruptive, de adjetivo negativo empregado sobretudo para qualificar estudantes desordeiros, no maior fetiche vocabular produzido até agora no século XXI.

Falando a princípio em “Tecnologias disruptivas”, nome de seu livro de 1995, e dois anos depois em “inovação disruptiva”, no título “O dilema da inovação”, Christensen começou por dar à palavra um peso que ela nunca tivera: o de conceito. A não ser por conservadorismo vocabular terminal, passou a não mais fazer sentido desqualificar o anglicismo como uma importação desnecessária. Disruptivo tornou-se uma palavra de significado preciso – ou algo perto disso.

No mundo dos negócios descrito por Christensen, a inovação disruptiva vai muito além da inovação revolucionária. Esta representa um salto inesperado e de grande impacto (num produto ou serviço, por exemplo), mas não subverte o mercado. Disruptiva é a tecnologia ou a inovação que, introduzida por empresas menores para um público menos exigente e até então desassistido pelas gigantes do mercado com seus produtos sofisticados de alto custo, altera definitivamente as regras do jogo e leva Davi a derrotar Golias. O que, claro, dá conta de grande parte do que vem ocorrendo mundo afora na esteira do tsunami digital – e explica que Christensen seja considerado um dos ideólogos de cabeceira do Vale do Silício.

Não é provável que, nos anos 1990, o autor contasse com o que viria a seguir: a febre vocabular que acabou por transformar disruptivo, de conceito mais ou menos preciso de gerenciamento, em vocábulo novamente vago, palavra-ônibus de carga semântica difusa mas intensamente positiva – radical, esperta, desejável. Ser disruptivo é estar sintonizado com o futuro, surfar a onda que virá. Ser disruptivo é chutar traseiros, derrubar as velhas estruturas analógicas carcomidas. No Brasil ainda não chegamos lá, mas acaba de ser inaugurado nos EUA um Instituto de Tecnologia Disruptiva da Saúde, como informa este excelente – e crítico – artigo de Judith Sulevitz na revista “New Republic” (em inglês).

Se não contava com a fetichização de seu bem achado adjetivo, é certo que Christensen tampouco a repudiou. Pelo contrário: o autor publica hoje um título atrás do outro, liderando uma onda de reformismo institucional que vem buscando, com dinheiro privado, aplicar a ideia gerencial de disrupção a diversas esferas da vida pública americana, sobretudo a educação – e conseguindo, segundo Shulevitz, provocar apenas desordem, agitação, ruptura, num curioso retorno ao sentido anterior da palavra.

05 de setembro de 2013
Veja

Nenhum comentário:

Postar um comentário