A volta ao debate da lista fechada para escolha dos candidatos partidários à Câmara, no bojo de uma provável reforma política que vai entrar na pauta do Senado esta semana, é mais uma demonstração de que nossa classe política vive em um mundo paralelo, que não se conecta com o sentimento dos eleitores.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, começou a defender a tese, que anteriormente era do PT, usando o mesmo argumento falacioso: sem financiamento privado, somente a lista fechada viabiliza uma campanha eleitoral bancada pelo dinheiro público.
Na verdade, existem razões por baixo dos panos para que a tese volte à mesa de negociações. A adoção de lista fechada mudaria o sistema eleitoral brasileiro e daria argumentos jurídicos aos que buscam uma anistia para os políticos que foram financiados pelo caixa 2 ilegal no regime anterior.
São argumentos contestáveis, frágeis, pois os crimes cometidos não desaparecem, embora desapareça o tipo penal, já que os partidos passarão a ser os responsáveis pela escolha dos deputados. Fora isso, é espantoso que no momento em que se vive, no Brasil e no mundo, uma crise de representatividade, com os partidos políticos não sendo mais reconhecidos como um canal eficaz entre a sociedade e o governo, se volte a falar em fortalecer as organizações partidárias, dando às suas burocracias, e não ao eleitor, a capacidade de escolher quem atuará na Câmara.
A reforma política sairá do Senado com a definição de dois pontos fundamentais: o fim das coligações nas eleições proporcionais, e a instituição da cláusula de desempenho, que obriga uma votação nacional mínima para que o partido tenha representação no Congresso.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, prometeu a uma delegação de deputados que deixará para a Câmara a definição de como os deputados serão escolhidos, entendendo que os senadores não podem definir o sistema eleitoral proporcional. O PT, quando detinha a maioria na Câmara, bateu-se pela lista fechada, assim como hoje o presidente da Câmara Rodrigo Maia, em nome da nova maioria, usa os mesmos argumentos para defender o que contestou anteriormente, quando era da minoria parlamentar.
O que só prova que esse sistema é uma tentativa de retirar a palavra final do eleitor, dando poder à burocracia partidária. Seria preciso primeiro que os partidos se reorganizassem à base de programas e projetos, para depois pensar-se num sistema que, fortalecendo os partidos, reforçará seus atuais defeitos, já identificados pelo eleitorado.
Rodrigo Maia cita o fato de que houve uma grande massa de abstenções, votos brancos e nulos nas recentes eleições municipais para dizer que nosso sistema político-partidário está falido e precisa ser revisto. Tem razão na análise, mas não na solução que propõe. O que é preciso é rever o esquema de financiamento de campanhas eleitorais, pois na democracia a eleição custa caro.
Mas uma nova legislação, que pode acatar o financiamento privado desde que controlado rigidamente e com limitações, não deve necessariamente permanecer com a proibição do financiamento privado definida pelo Supremo Tribunal Federal.
A decisão radical foi necessária diante dos abusos e do quadro de corrupção disseminada que está sendo revelado pela Operação Lava-Jato. As eleições municipais de agora demonstraram que é possível fazer uma campanha mais barata, mas evidenciaram também alguns problemas, como o tempo muito curto das campanhas, que dificultou o conhecimento dos candidatos pelo eleitor.
Com a redução do número de partidos, que deve ser aprovada até mesmo pela falta de dinheiro para que o fundo partidário financie tantos partidos que vão surgindo sem controle, poderemos pensar mais adiante em um modelo político-eleitoral que conecte o eleitor aos partidos, como o voto distrital.
Mas o começo da mudança não pode ser o fortalecimento da burocracia dos partidos políticos atuais, que já não são representantes acreditados pelo eleitor. Eles precisarão primeiro mudar seu comportamento para depois se candidatarem à confiança do cidadão. Ou podem também ser mudados pela punição da Justiça pela corrupção de que participaram sem pudor nos últimos anos.
19 de outubro de 2016
Merval Pereira, O Globo
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, começou a defender a tese, que anteriormente era do PT, usando o mesmo argumento falacioso: sem financiamento privado, somente a lista fechada viabiliza uma campanha eleitoral bancada pelo dinheiro público.
Na verdade, existem razões por baixo dos panos para que a tese volte à mesa de negociações. A adoção de lista fechada mudaria o sistema eleitoral brasileiro e daria argumentos jurídicos aos que buscam uma anistia para os políticos que foram financiados pelo caixa 2 ilegal no regime anterior.
São argumentos contestáveis, frágeis, pois os crimes cometidos não desaparecem, embora desapareça o tipo penal, já que os partidos passarão a ser os responsáveis pela escolha dos deputados. Fora isso, é espantoso que no momento em que se vive, no Brasil e no mundo, uma crise de representatividade, com os partidos políticos não sendo mais reconhecidos como um canal eficaz entre a sociedade e o governo, se volte a falar em fortalecer as organizações partidárias, dando às suas burocracias, e não ao eleitor, a capacidade de escolher quem atuará na Câmara.
A reforma política sairá do Senado com a definição de dois pontos fundamentais: o fim das coligações nas eleições proporcionais, e a instituição da cláusula de desempenho, que obriga uma votação nacional mínima para que o partido tenha representação no Congresso.
O presidente do Senado, Renan Calheiros, prometeu a uma delegação de deputados que deixará para a Câmara a definição de como os deputados serão escolhidos, entendendo que os senadores não podem definir o sistema eleitoral proporcional. O PT, quando detinha a maioria na Câmara, bateu-se pela lista fechada, assim como hoje o presidente da Câmara Rodrigo Maia, em nome da nova maioria, usa os mesmos argumentos para defender o que contestou anteriormente, quando era da minoria parlamentar.
O que só prova que esse sistema é uma tentativa de retirar a palavra final do eleitor, dando poder à burocracia partidária. Seria preciso primeiro que os partidos se reorganizassem à base de programas e projetos, para depois pensar-se num sistema que, fortalecendo os partidos, reforçará seus atuais defeitos, já identificados pelo eleitorado.
Rodrigo Maia cita o fato de que houve uma grande massa de abstenções, votos brancos e nulos nas recentes eleições municipais para dizer que nosso sistema político-partidário está falido e precisa ser revisto. Tem razão na análise, mas não na solução que propõe. O que é preciso é rever o esquema de financiamento de campanhas eleitorais, pois na democracia a eleição custa caro.
Mas uma nova legislação, que pode acatar o financiamento privado desde que controlado rigidamente e com limitações, não deve necessariamente permanecer com a proibição do financiamento privado definida pelo Supremo Tribunal Federal.
A decisão radical foi necessária diante dos abusos e do quadro de corrupção disseminada que está sendo revelado pela Operação Lava-Jato. As eleições municipais de agora demonstraram que é possível fazer uma campanha mais barata, mas evidenciaram também alguns problemas, como o tempo muito curto das campanhas, que dificultou o conhecimento dos candidatos pelo eleitor.
Com a redução do número de partidos, que deve ser aprovada até mesmo pela falta de dinheiro para que o fundo partidário financie tantos partidos que vão surgindo sem controle, poderemos pensar mais adiante em um modelo político-eleitoral que conecte o eleitor aos partidos, como o voto distrital.
Mas o começo da mudança não pode ser o fortalecimento da burocracia dos partidos políticos atuais, que já não são representantes acreditados pelo eleitor. Eles precisarão primeiro mudar seu comportamento para depois se candidatarem à confiança do cidadão. Ou podem também ser mudados pela punição da Justiça pela corrupção de que participaram sem pudor nos últimos anos.
19 de outubro de 2016
Merval Pereira, O Globo
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