Charge do Dahmer, reprodução do Brasil de Fato |
Durante mais de dez anos, nas décadas de 1970 e 1980, no início da minha vida de jornalista profissional, assinei colunas de humor em jornais e revistas de Niterói, Rio e Brasília e fiz televisão numa emissora carioca. Foi um tempo fértil de muita criação e arte, em plena ditadura militar, quando publiquei cerca de quinhentos textos para fazer rir e pensar. Um dos meus primeiros editores, no falecido Diário de Notícias – DN, do RJ, de gratas e ingratas memórias (não pagava os salários com correção), foi o criador deste blog, o competente jornalista Carlos Newton, que reencontro nesta Tribuna da Internet, após mais de quarenta anos.
Neste artigo, não criarei ou recriarei humor. Apenas irei contar algumas histórias políticas, humorísticas e verdadeiras, que vivi, que ouvi ou que me relataram na infância e juventude. Não há ficção nelas.
INJÚRIA – Numa sessão da Câmara Municipal de Angra dos Reis, RJ, o íntegro e voluntarioso vereador getulista militante do antigo PTB, Benedito Braz Pereira, ouve ressoar de um discurso inflamado: “Isto é uma brasfêmia!”. O edil trabalhista indignou-se: “Protesto, Senhor Presidente. Eu sou muito macho, sou homem, chefe de família. ‘Fêmea’ coisa nenhuma. Não admito a ofensa…!”
CIDADANIA – A vereadora Júlia Rocha, de Rio Claro, RJ, na década de 1970, questiona o Plenário da Câmara Municipal: “Temos de parar com essa mania de conceder Título de Cidadão Rio Clarense pra gente de fora. Temos de prestigiar o pessoal da terra”.
ESTRADAS – Na década de 1960, o vereador Antonio Porto, o Baiaco, de Paraty, RJ, protestando, em sessão da Câmara, contra o isolamento do município, sem estrada que seguisse serra acima em direção ao interior, até o Vale do Paraíba, bradou: “Precisamos construir uma estrada de ferro, nem que seja de pau”. Outro vereador ponderou: “Mas, Excelência, é impossível colocar trilhos para subir a Serra do Mar…”
Baiaco retrucou: “Então vamos construir uma rodovia marítima, por cima d’água, cruzando a Baía da Ilha Grande…”
DIAGNÓSTICO – Nas eleições municipais de 1966 em Mangaratiba, RJ, um médico trabalhava como cabo eleitoral do candidato que fazia oposição a Edson Elias Dumas. No meio do sertão da Serra do Piloto, que faz divisa com Rio Claro, o médico após examinar um caipira, tentando cooptá-lo, diagnosticou: “O seu caso é grave, o senhor está com impaludismo”. O caipira rebateu prontamente: “Não, dotô, eu tô com Edson Dumas”.
VIRTUDES – Nas eleições de 1958 para Prefeito de Paraty, RJ, o vereador Antônio Núbile França, o Nhonhô, da UDN, famoso pelo seu dom e dotes na oratória política, tinha como vice outro vereador, Norival Rubem de Oliveira, do PSP. Num comício em Tarituba, bela praia e vila paratyense, Nhonhô elogia os candidatos da coligação estadual e local PTB-PSP-UDN a deputado estadual e federal, a senador e a governador, recitando as virtudes e predicados de cada um. Ele já tinha tomado umas pingas (era sábio e primoroso pingófilo) e no momento de falar do seu vice, Norival, o raciocínio falhou e ele começou a ratear:
“Norival Rubem de Oliveira, meu companheiro de chapa, o grande Norival… Como ia dizendo, o grande Norival… Norival… o candidato a vice-prefeito, homem de muitas qualidades… Norival, Norival… Norival Rubem de Oliveira… o amigo de todas as horas… Norival Rubem de Oliveira…” E não sabendo o que dizer dele, arrematou: “Norival, que sempre bebeu comigo!”
Nhonhô e Norival venceram as eleições e dividiram o mandato. Cada um governou dois anos. Até hoje, se diz em Paraty que o melhor prefeito da sua história, foi um vice: Norival, que fez, realmente, uma bela administração.
SIGILO – Nas eleições legislativas de 1933, em Caicó, RN, um cidadão que votava pela primeira vez, depois de ser orientado sobre o sigilo do voto (“Ninguém pode saber em quem você votou, ouviu?”), se apresentou na porta da sala da biblioteca municipal, onde se localizava a sua seção eleitoral, se identificou na mesa eleitoral e foi orientado a ir até a cabine indevassável no fundo da sala para recolher a cédula do seu candidato a deputado à “Assembleia Nacional Constituinte do Brasil”.
Na saída, depois de percorrer os corredores com estantes de livros, ele teria de depositar a cédula na urna colocada junto à mesa, na porta da sala por onde entrou. Passou direto. A mesária chamou o sujeito: “Senhor, o seu voto, coloque aqui na urna.” Ao que ele reagiu: “De jeito nenhum. O voto é secreto, minha senhora. Ninguém pode ver. O meu voto eu escondi, está dentro de algum livro aí da biblioteca.”
19 de outubro de 2016
Marcelo Câmara
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