"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A "DEBUTANTE" DA NOVA EQUIPE ECONÔMICA

Como vimos na semana passada, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, cuja finalidade é estabelecer para os próximos 20 anos um teto para os gastos públicos, foi aprovada com folga em primeiro turno na Câmara dos Deputados, envolta em divergências entre governo e oposição, embora tenha elevado o tom do debate recentemente.

Esta é a aposta da atual equipe econômica para reequilibrar a trajetória da dívida pública e ajudar a retomada do crescimento econômico.  A principal justificativa é que os gastos do orçamento brasileiro têm crescido em ritmo elevado, sendo, portanto, imprescindível conter o aumento da dívida pública no longo prazo. Essa iniciativa também é inevitável para abortar os riscos da trajetória para onde o País estava caminhando.

Sem dúvida, é extremamente importante estabelecer um teto para os gastos públicos, porque isso centraliza o debate orçamentário na formação das despesas públicas, impede a pressão recorrente por elevação da carga tributária e reduz a rigidez do gasto, possibilitando ações de estabilização quando necessário. As experiências internacionais (México, Bélgica, Finlândia, Polônia, Croácia, Peru, França, Austrália) demonstram que regras direcionadas para gastos concorrem para a melhoria do desempenho fiscal.

A presente recessão levou o governo a uma profunda queda na sua arrecadação, o que aumentou significativamente o rombo nas contas públicas. No contexto atual, os brasileiros não admitem novos aumentos da carga tributária e a saída do governo tem sido expandir o endividamento público, que atingiu níveis perigosíssimos. Se nada for feito, os riscos recaem em calote da dívida pública ou no aumento da emissão de moeda para financiar o déficit, o que, inevitavelmente, acenderá a inflação. 

O principal ponto criticado pelos oposicionistas é de que a proposta provoca um congelamento nos investimentos de saúde e educação ao vincular os reajustes das despesas da União à inflação do ano anterior, através do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (INPCA), desprezando a receita líquida do exercício financeiro anterior como é praticado atualmente. A exceção será em 2017, quando, provavelmente, a correção poderá ficar em torno de 7,2%, valor da inflação projetada para todo o ano de 2016. O objetivo da PEC nada mais é do que aumentar os gastos apenas pelo montante da inflação.

A despesa tem crescido mais do que inflação. Para se ter uma noção, de 1997 a 2015, as despesas públicas cresceram em média, anualmente, quase 6% acima da inflação. 

Portanto, se a despesa vem sempre superando a inflação, a PEC faz com que todos os setores sejam impactados ao longo do tempo, em relação à evolução das despesas. Como a reposição só poderá ser realizada pela inflação do ano anterior, dessa forma, teremos um crescimento vegetativo, que é o aumento das despesas ocasionado pelo crescimento populacional. 
Apesar de que haverá uma redução geral dos investimentos no longo prazo, alguns especialistas a defendem por ser esta proposta a única alternativa no curto prazo, para o momento difícil que estamos atravessando, tendo em vista a diminuição do déficit nas contas públicas para fortalecer a confiança dos investidores, consumidores e da comunidade em geral junto ao novo governo, propiciando a retomada do crescimento e contribuindo, seguramente, para a recolocação da economia brasileira no trilho.

A grande discussão estabelecida parece-me conseqüente. Pelo visto, não são apenas saúde e educação que serão atingidas com a redução dos investimentos nos próximos anos, mas também as demais áreas. A regra não se aplica apenas para gastos com juros da dívida, mas a repasses obrigatórios a Estados e municípios, gastos com eleições e capitalização de estatais. 

A queda do risco-Brasil será inevitável e os juros devem cair. Com isso, descortina-se um cenário virtuoso para a retomada do crescimento econômico, mas, infelizmente, esse remédio prescrito aparenta ser literalmente amargo e terá que ser deglutido amplamente pela sociedade brasileira. 

Diante de alguns relatórios divulgados, destacam-se argumentos que não têm como excluir saúde e educação da proposta, pelos seguintes motivos: a Saúde tem aproximadamente 14% da receita do governo e estava previsto um aumento de 15% em 2020. 
No próximo ano, já aumentará 15%. Com relação à Educação, ela foi contemplada com 18% da receita e 25% da receita dos estados. Se aumentar mais ainda, não dá para envolver aposentados e algo mais. A grande questão passa, essencialmente, pelo comprometimento e a competência de saber gastar melhor os recursos que terão que ser aplicados.

Entretanto, a princípio, a duração da proposta é de 20 anos. No curto prazo, o governo terá que gastar bem menos, abrangendo todos os setores. No médio prazo, a arrecadação sendo crescente provavelmente esta PEC poderá, daqui a uns quatro a cinco anos, abrir um espaço natural, favorecendo sua primeira revisão, se realmente ficar comprovado um crescimento sólido na economia. 
Embora já estejam previstas na proposta mudanças a partir do 10º ano, quando o mecanismo pode ser revisto uma vez a cada mandato presidencial. 

Conseqüentemente, isso me leva a um questionamento: porque então a PEC foi dimensionada para 20 anos, o que jamais ocorreu em qualquer lugar do mundo? Julgo, a princípio, ser um prazo exagerado diante das possibilidades procedentes ou, talvez, fazer parte de uma estratégia para negociação do governo. É um período muito longo para uma medida tão severa, que na prática congela os gastos do governo e, por que não atrelar o teto à evolução da dívida pública?

A proposta divide opiniões, mas é um avanço relevante rumo a um regime fiscal mais prudente. Para uma corrente de analistas econômicos, a aprovação da medida é fundamental para controlar a trajetória da nossa dívida pública. 
Para outro grupo, do qual compartilho com o mesmo pensamento, a PEC poderá não ser suficiente para uma solução da crise fiscal brasileira e só terá eficácia se vier escoltada por outras medidas estruturais consistentes, principalmente a mais importante de todas, a propalada reforma da Previdência que precisa limitar o aumento com gastos de benefícios e pensões, os quais representam cerca de 45% das despesas públicas e evoluem atualmente 4% acima da inflação por ano. Para mim, é um robusto elefante diante da formiguinha do “teto dos gastos”.

O trajeto da emenda a ser percorrido deverá ser longo e circundado de polêmicas, faltando ainda o segundo turno na Câmara que está previsto para 24 de outubro próximo e os dois turnos no Senado. Sem dúvida, uma batalha que poderá começar a moldar o futuro do País e, com certeza, com reflexos na sucessão de 2018.

19 de outubro de 2016
Arthur Jorge Costa Pinto é Administrador, com MBA em Finanças pela UNIFACS (Universidade Salvador).

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