"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

DEPOIS DA CONFISSÃO

A expectativa na Odebrecht é fechar os acordos de delação e de leniência até o fim de outubro. Ela prepara o pedido de desculpas mais claro já feito pelas empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, no qual espera estabelecer um corte com o passado e o início do futuro da companhia. No mercado, no entanto, há dúvidas sobre como a maior empreiteira do Brasil chegará ao fim desse processo.

As últimas duas semanas foram as mais duras da negociação, porque está sendo feita a definição das penas. A Lava-Jato elevou o custo da corrupção no Brasil. Se uma empresa com tantas conexões e apoio, tão poderosa, está agora se curvando para pedir desculpas, está abrindo seus cofres para pagar uma multa bilionária e com seu presidente preso por um ano e meio, fica claro que este é um caminho perigoso demais.

Por isso será importante acompanhar cada passo da evolução do caso Odebrecht, mais do que qualquer outro. As imagens divulgadas no domingo passado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, de Emílio Odebrecht comandando a estratégia de negociação com o Ministério Público, são uma demonstração de como se tornou emblemático o caso da empreiteira. Emílio estava afastado dos negócios há algum tempo. Voltou, mas não para o comando do dia a dia da empresa, e sim para liderar a negociação do acordo de delação, que considera ser o melhor caminho para salvá-la e retomar os negócios.

A Odebrecht tinha 189 mil funcionários, hoje tem 110 mil. A dívida bruta subiu de R$ 87 bilhões no começo da Lava-Jato para R$ 110 bilhões. No ano passado, só de juros pagou R$ 10 bilhões. A PwC relutou em assinar a demonstração contábil de 2015 e acabou aprovando, mas com ressalvas, pela dificuldade de definir o custo da corrupção no conglomerado. O prejuízo total da companhia foi de R$ 297 milhões e os títulos que estão em mercado são negociados a 50% do seu valor.

A empreiteira está no meio de um processo de venda de ativos que a torna menor a cada novo negócio, mas esse emagrecimento é a sua chance de recuperação. Já vendeu R$ 3 bilhões de patrimônio. O movimento é considerado ainda tímido pelo mercado, mas ela enfrenta inúmeros obstáculos, porque quando a investigação chega a algum ativo à venda fica mais difícil encontrar compradores. Aconteceu agora com a usina de Santo Antônio, que se tornou alvo de inquérito no final de setembro. A esperança da empresa é conseguir vendê-la para a China, que está comprando e investindo no setor de energia no Brasil.

Ela já vendeu uma rodovia no Peru, mina em Angola, uma participação na operadora de transporte da Transolímpica. Colocou à venda a Odebrecht Ambiental, que está em negociação adiantada com a Brookfield. Colocou à venda a participação na Braskem, o problema é que o sócio Petrobras também quer vender a sua parte, mas antes terá que rever o acordo de acionistas. A estatal tem 49% do capital e nenhum poder na gestão da empresa. O acordo terá que ser negociado, do contrário, a fatia da Petrobras perderá valor.

Outros problemas afetam o desempenho de partes do conglomerado. A Realiza OR enfrenta a crise no mercado imobiliário. O setor de infraestrutura vive a escassez de novos investimentos no país, causada pela crise fiscal. A empresa que administra a concessão do Galeão garante que cumpriu os requisitos para ter o financiamento do BNDES, mas o banco não quer liberar o crédito. O setor de óleo e gás do grupo sente o reflexo da crise da Petrobras, criada em grande parte pela corrupção. Isso faz com que a Odebrecht acabe atingida pelo problema que ela e outras empreiteiras causaram à estatal.

São inúmeros os problemas da empreiteira, mas nenhum é maior do que o terremoto, que ainda sacode a companhia, causado pela corrupção, que manterá Marcelo Odebrecht por mais um bom tempo na prisão e que levou 50 executivos a fazerem a delação premiada. O crime de corrupção, com o qual ela pensava alavancar seus negócios, a feriu profundamente. Seus executivos acham que a empresa sobreviverá a esta crise, mas desde que haja uma mudança radical na forma de atuação. O pedido de desculpas em que ela confessará seus crimes pode ser o começo de um novo tempo


19 de fevereiro de 2016
Míriam Leitão, O Globo

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