O real começou circular há exatamente 22 anos, quando em primeiro de julho de 1995 a URV se transformou em moeda. Para Pedro Malan, que presidia o Banco Central e foi ministro da Fazenda na consolidação do plano de estabilização, o país já consolidou os valores da inflação baixa e da inclusão. “Somos hoje mais intolerantes às discriminações”.
Malan explicou que o governo Dilma retomou o discurso de que um pouco mais de inflação não faria diferença. Para evitar o estouro da meta em 2014, os preços de energia elétrica e dos combustíveis ficaram artificialmente baixos. Essa distorção foi corrigida com um tarifaço.
— Aquilo desancorou as expectativas de inflação e o 6,5% passou a ser um piso. Agora, o trabalho está sendo levar a inflação de volta à meta. Não consigo imaginar um governo que adote uma atitude complacente com a inflação e que não seja punido nas urnas.
Outro valor que “deitou raízes entre nós”, segundo Malan, foi o da inclusão social e busca de uma sociedade menos desigual.
— Também não vejo nenhum governo no futuro, seja qual for sua orientação política, que possa deixar de lado o objetivo de aumentar a igualdade de oportunidades. Nós adquirimos um grau mais alto de intolerância às discriminações. Isso é um valor.
Em entrevista que me concedeu ontem, na GloboNews, ele comentou outro avanço institucional que acontece nesse momento com a Operação Lava-Jato.
— A sociedade democrática preza as liberdades e a justiça. E um dos componentes da justiça é a igualdade perante a lei. Existem discussões sobre excessos da operação, mas neste caso o próprio poder os corrige.
Malan admite que a operação tem agregado um nível maior de incerteza ao país.
— Já vínhamos com enorme grau de incerteza na área econômica por outras razões. Na política já havia uma crise de representação e conflitos entre o Legislativo excessivamente fragmentado e o Executivo à deriva. A Lava-Jato veio adicionar um grau de incerteza ainda maior, mas temos que lidar com isso e estamos lidando. Tudo o que tem acontecido no país está sendo dentro das nossas balizas constitucionais. No Supremo, oito dos 11 ministros foram nomeados nos governos Lula e Dilma. Isso faz parte das dores de crescimento de uma democracia de massas.
As perspectivas econômicas, para Malan, apontam para a volta dos superávits fiscais apenas em 2019. Sobre o crescimento, lembra que “nenhuma economia cai indefinidamente”. Ele acredita que em 2017 o país terá um PIB positivo, ainda que pequeno.
— Não existem situações difíceis que não tenham opções de saída. A solução começa por chamar gente competente e isso foi feito. É possível que a gente encontre o nosso caminho, eu acredito muito no Brasil. Vamos sair dessa.
Definindo sempre a administração Temer como “um governo interino e que a partir de agosto pode deixar de ser”, Malan aprova as medidas anunciadas na área econômica, mas disse que vê com cautela o aumento de gastos.
— Para as circunstâncias, a decisão de estabelecer um teto foi correta. Melhor do que decidir no último dia do ano, ajustando o teto ao efetivamente realizado. Mas exige várias outras medidas. O teto obriga o governo — qualquer governo — a discutir a composição do gasto, definir prioridades e avaliar diferentes programas, analisando o custo-benefício de cada um. Será necessário também dar continuidade às reformas.
Para Malan, um valor que ainda não se firmou na sociedade brasileira foi o do equilíbrio fiscal. Recentemente, os governos petistas elevaram em cinco pontos percentuais do PIB as despesas e isso não pode ser revertido rapidamente.
Na avaliação dele, até abril de 2006, a política econômica do governo Lula não diferiu em nada da praticada pelo governo Fernando Henrique. A partir daí, começou o aumento de gastos. Quando veio a crise de 2008, a aposta foi dobrada. As políticas para evitar a recessão foram entendidas como uma licença para continuar ampliando as despesas. No governo Dilma houve “perda total de controle com subsídios e desonerações e a continuidade das apostas. Tudo era possível porque desejável”.
O Brasil, segundo Malan, “tem um lado moderno e um lado anacrônico”. E sua esperança é que o lado moderno prevaleça sobre o anacrônico.
02 de julho de 2016
Miriam Leitão, O Globo
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