Seja qual for a estrutura de aquisição de propriedade a ser adotada, a tributação nos EUA não pode ser evitada
Muitos brasileiros, por razões variadas, têm decidido investir no mercado imobiliário norte-americano, que continua a oferecer segurança e rentabilidade, sobretudo em cidades como Miami e Nova York. Estima-se que, em 2015, apenas na área de Miami, o setor tenha recebido investimentos de mais de US$ 6 bilhões, boa parte de origem brasileira. Nada obstante as vantagens, o ingresso em outra ordem jurídica exige cuidados, sobretudo para minimizar os múltiplos impactos tributários que essa espécie de investimento possa atrair.
O status fiscal de um estrangeiro perante o Fisco norte-americano (IRS) não é alterado, por exemplo, pelo fato de ele possuir um imóvel no país. No entanto, o estrangeiro pode ser considerado residente para efeitos fiscais em qualquer ano em que esteja presente no país: (a) por 183 dias ou mais, ou (b) por 31 dias ou mais, desde que, neste caso, a presença tenha sido "substancial" ao longo de um período de três anos. Os tempos de visita aos EUA devem ser monitorados, portanto.
E isso porque, caso seja considerado residente fiscal, o estrangeiro sujeita-se ao Imposto de Renda americano em sua receita global, bem como a uma série de deveres acessórios de informação acerca de ativos mantidos fora dos EUA. Não existe no momento acordo de bitributação entre Brasil e Estados Unidos, mas há acordo prevendo troca de informações fiscais, e o IRS admite, na hipótese de tributação global, crédito fiscal estrangeiro.
Além disso, caso a ideia seja adquirir e alugar bens imóveis nos Estados Unidos, indivíduos não residentes e entidades estrangeiras estão sujeitos a Imposto de Renda federal sobre essa espécie de rendimento. Impostos estaduais e locais também podem ser aplicados. No âmbito federal tanto a base de cálculo quanto a alíquota variam de forma importante conforme o IRS entenda que o proprietário esteja ou não engajado em uma atividade econômica de locação de imóveis.
Embora não haja imposto federal sobre a transferência ou sobre a propriedade de bens imóveis em si, Estados e cidades podem tributar tais operações, e frequentemente o fazem. Há ainda impostos estaduais sobre a valorização do imóvel, o que deve ser considerado de forma cuidadosa dependendo dos objetivos do investimento.
Uma outra questão por vezes negligenciada pelos investidores envolve a transmissão post-mortem, seja por testamento ou sucessão. A transferência atrai imposto federal de até 40% (observada isenção de US$ 60 mil), inclusive em relação a participações em empresas que possuam bens nos EUA. Alguns Estados, como Nova York, também tributam herança.
Parte das questões referidas acima passa, claro, pela definição de como adquirir propriedades nos EUA. Uma opção popular entre os investidores é constituir uma sociedade de responsabilidade limitada norte-americana (LLC) para esse fim. Embora uma LLC possa se aproximar da sociedade limitada brasileira sob alguns aspectos, a analogia para fins fiscais é enganosa. As distribuições de uma LLC com mais de um membro a sócio não residente estão sujeitas à retenção na fonte, e o uso de uma LLC não afasta o imposto de transmissão, já que o IRS trata a participação societária em uma LLC como ativo localizado nos EUA. Ou seja: nem sempre o uso de uma LLC será uma boa solução.
Além da necessidade de um planejamento fiscal global adequado, o investidor deve estar atento igualmente a outras exigências do fisco norte-americano. A partir de 2016, por exemplo, o IRS anunciou que passará a exigir das companhias de seguros informação acerca da identidade de sócios de entidades que adquiram bens imóveis em dinheiro. Inicialmente, as regras serão aplicadas apenas em Manhattan (para transações envolvendo propriedades no valor de mais de US$ 3 milhões) e em Miami (para propriedades no valor de mais de US$ 1 milhão). A perspectiva é que o programa seja expandido e ampliado, de modo a combater a evasão fiscal e lavagem de dinheiro.
Finalmente, a Casa Branca anunciou recentemente que pretende encaminhar propostas para novas regras destinadas a limitar o uso de entidades norte-americanas em esquemas de ocultação de ativos. Dentre elas, a exigência de uma diligência mais rigorosa sobre investidores estrangeiros.
Em resumo, seja qual for a estrutura de aquisição de propriedade a ser adotada, a tributação nos EUA não pode ser evitada. Será importante, assim, evitar o modelo "one size fits all" e escolher uma estrutura adaptada às circunstâncias e objetivos pessoais do investidor, a fim de mitigar o impacto tributário sobre a propriedade.
02 de julho de 2016
Cristina de Hollanda e Ana Paula de Barcellos são, respectivamente, consultora jurídica de Sheldrick & Co, advogada no Brasil e nos Estados Unidos, membro do Comitê de Assuntos Inter-Americanos e do Conselho de Direito Internacional da Ordem dos Advogados da Cidade de Nova Iorque (NY City Bar); sócia consultora do BFBM Advogados, consultora jurídica sênior de Sheldrick & Co, professora de direito constitucional da UERJ, vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ - Valor Econômico
Muitos brasileiros, por razões variadas, têm decidido investir no mercado imobiliário norte-americano, que continua a oferecer segurança e rentabilidade, sobretudo em cidades como Miami e Nova York. Estima-se que, em 2015, apenas na área de Miami, o setor tenha recebido investimentos de mais de US$ 6 bilhões, boa parte de origem brasileira. Nada obstante as vantagens, o ingresso em outra ordem jurídica exige cuidados, sobretudo para minimizar os múltiplos impactos tributários que essa espécie de investimento possa atrair.
O status fiscal de um estrangeiro perante o Fisco norte-americano (IRS) não é alterado, por exemplo, pelo fato de ele possuir um imóvel no país. No entanto, o estrangeiro pode ser considerado residente para efeitos fiscais em qualquer ano em que esteja presente no país: (a) por 183 dias ou mais, ou (b) por 31 dias ou mais, desde que, neste caso, a presença tenha sido "substancial" ao longo de um período de três anos. Os tempos de visita aos EUA devem ser monitorados, portanto.
E isso porque, caso seja considerado residente fiscal, o estrangeiro sujeita-se ao Imposto de Renda americano em sua receita global, bem como a uma série de deveres acessórios de informação acerca de ativos mantidos fora dos EUA. Não existe no momento acordo de bitributação entre Brasil e Estados Unidos, mas há acordo prevendo troca de informações fiscais, e o IRS admite, na hipótese de tributação global, crédito fiscal estrangeiro.
Além disso, caso a ideia seja adquirir e alugar bens imóveis nos Estados Unidos, indivíduos não residentes e entidades estrangeiras estão sujeitos a Imposto de Renda federal sobre essa espécie de rendimento. Impostos estaduais e locais também podem ser aplicados. No âmbito federal tanto a base de cálculo quanto a alíquota variam de forma importante conforme o IRS entenda que o proprietário esteja ou não engajado em uma atividade econômica de locação de imóveis.
Embora não haja imposto federal sobre a transferência ou sobre a propriedade de bens imóveis em si, Estados e cidades podem tributar tais operações, e frequentemente o fazem. Há ainda impostos estaduais sobre a valorização do imóvel, o que deve ser considerado de forma cuidadosa dependendo dos objetivos do investimento.
Uma outra questão por vezes negligenciada pelos investidores envolve a transmissão post-mortem, seja por testamento ou sucessão. A transferência atrai imposto federal de até 40% (observada isenção de US$ 60 mil), inclusive em relação a participações em empresas que possuam bens nos EUA. Alguns Estados, como Nova York, também tributam herança.
Parte das questões referidas acima passa, claro, pela definição de como adquirir propriedades nos EUA. Uma opção popular entre os investidores é constituir uma sociedade de responsabilidade limitada norte-americana (LLC) para esse fim. Embora uma LLC possa se aproximar da sociedade limitada brasileira sob alguns aspectos, a analogia para fins fiscais é enganosa. As distribuições de uma LLC com mais de um membro a sócio não residente estão sujeitas à retenção na fonte, e o uso de uma LLC não afasta o imposto de transmissão, já que o IRS trata a participação societária em uma LLC como ativo localizado nos EUA. Ou seja: nem sempre o uso de uma LLC será uma boa solução.
Além da necessidade de um planejamento fiscal global adequado, o investidor deve estar atento igualmente a outras exigências do fisco norte-americano. A partir de 2016, por exemplo, o IRS anunciou que passará a exigir das companhias de seguros informação acerca da identidade de sócios de entidades que adquiram bens imóveis em dinheiro. Inicialmente, as regras serão aplicadas apenas em Manhattan (para transações envolvendo propriedades no valor de mais de US$ 3 milhões) e em Miami (para propriedades no valor de mais de US$ 1 milhão). A perspectiva é que o programa seja expandido e ampliado, de modo a combater a evasão fiscal e lavagem de dinheiro.
Finalmente, a Casa Branca anunciou recentemente que pretende encaminhar propostas para novas regras destinadas a limitar o uso de entidades norte-americanas em esquemas de ocultação de ativos. Dentre elas, a exigência de uma diligência mais rigorosa sobre investidores estrangeiros.
Em resumo, seja qual for a estrutura de aquisição de propriedade a ser adotada, a tributação nos EUA não pode ser evitada. Será importante, assim, evitar o modelo "one size fits all" e escolher uma estrutura adaptada às circunstâncias e objetivos pessoais do investidor, a fim de mitigar o impacto tributário sobre a propriedade.
02 de julho de 2016
Cristina de Hollanda e Ana Paula de Barcellos são, respectivamente, consultora jurídica de Sheldrick & Co, advogada no Brasil e nos Estados Unidos, membro do Comitê de Assuntos Inter-Americanos e do Conselho de Direito Internacional da Ordem dos Advogados da Cidade de Nova Iorque (NY City Bar); sócia consultora do BFBM Advogados, consultora jurídica sênior de Sheldrick & Co, professora de direito constitucional da UERJ, vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ - Valor Econômico
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