A Polícia Federal investiga um esquema de desvios de dinheiro do FGTS que pode passar de R$ 30 milhões em propina ao deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segundo o delator Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa. Nesta sexta-feira (1), policiais realizam buscas nos endereços de grandes empresas acusadas por Cleto de pagar propina. Entre eles, a Eldorado Celulose, do grupo J&F, mais conhecido pela marca JBS e o frigorífico Friboi. Cleto, segundo sua delação, operava na Caixa a mando de Cunha e do doleiro Lúcio Funaro, preso na operação desta sexta.
No papel, Fábio Cleto, vice-presidente da Caixa Econômica Federal entre 2011 e 2015, era subordinado à cúpula do banco e, por extensão, à área econômica do governo Dilma Rousseff. Entre suas atribuições, ele participava das reuniões do Fundo de Investimentos do FGTS, o FI-FGTS, que injetou algo como R$ 11,7 bilhões em empresas no país no período. Esses encontros, contudo, não eram sua principal tarefa em Brasília.
Os projetos citados na delação premiada passam de R$ 6 bilhões, com uma propina estimada em mais de R$ 30 milhões para Eduardo Cunha, de acordo com o cálculo explicado por Cleto aos investigadores. Como chefe do esquema e responsável pela indicação de Cleto na Caixa, Cunha tinha direito à maior parte do valor arrecadado: 80%. Cleto relatou que, da propina levantada, ele ficava com a menor parte, 4%. Aos procuradores, ele admitiu que ganhou pelo menos R$ 1,8 milhão com o esquema. Pela distribuição rascunhada por Cleto, Cunha ficaria então com mais de R$ 36 milhões.
CUNHA DECIDIA A PROPINA – Os valores, contudo, podem ser maiores, uma vez que Cleto nunca teve acesso aos acertos do deputado com os empreiteiros. Sua função era obedecer e, depois, receber. Segundo a delação, era Cunha quem definia com as empresas o valor da propina. Por isso, na delação, Cleto também não soube dizer aos investigadores quem eram os operadores nas empresas ou qual o total arrecadado pelo esquema. Além de Cunha, o delator afirma que o resto da propina ficava com os responsáveis pela parte financeira do negócio. Entre eles, o corretor Lúcio Funaro, apontado como o braço direito de Eduardo Cunha.
Época obteve acesso à delação de Fábio Cleto, no qual ele relata um punhado de projetos que renderam propina ao esquema, incluindo aí o maior grupo privado em receita do Brasil, a J&F, dona JBS, conhecida como Friboi e que operou no FI-FGTS com a Eldorado Celulose.
Na delação, Cleto cita empresas do primeiro time do empresariado nacional, além das habituais em esquemas fraudulentos, como a Odebrecht e a OAS, empreiteiras abatidas no petrolão e que agora negociam também uma delação. Mas o potencial explosivo das revelações de Cleto está nas graves acusações contra a holding que comanda a JBS, até agora incólume na Lava Jato. A empresa foi enredada no esquema de pagamento de propina em troca de favores estatais graças a um projeto na área de celulose no Mato Grosso do Sul, chamado Eldorado Brasil.
JOESLEY BATISTA – As acusações pesam sobre Joesley Batista, principal acionista do grupo. De acordo com o delator, Cleto tratou diretamente com o empresário sobre os interesses da Eldorado. E recebeu, como propina, R$ 680 mil pelo negócio viabilizado com dinheiro do FGTS. Daí, é possível chegar em cerca de R$ 13 milhões de propina para Cunha só nessa operação, já que, segundo Cleto, o deputado ficava com 80% e ele ficava com 4%. As negociações de Joesley Batista prosperaram e a Eldorado Celulose conseguiu R$ 940 milhões do FI-FGTS.
Cleto mantinha um registro e colocou na planilha o nome Eldorado, a data 1/11/2012, e os valores R$ 940 milhões e R$ 680 mil. Aos investigadores, Cleto explicou que a data na tabela não era, necessariamente, quando houve o pagamento. Mas quando ele tinha a confirmação de que o projeto fora viabilizado. Cleto conta em sua delação que, cerca de um ano após a emissão da debênture, a Eldorado pediu para descumprir parte dos covenants pré-acordados (cláusulas contratuais que protegem o credor). Tal covenant, de acordo com a delação, evitava a empresa de fazer uma dívida superior à indicada no contrato.
De novo, segundo Cleto, houve uma ordem clara para dar apoio à Eldorado, mesmo que não fosse comum alterar esse tipo de cláusula numa operação financeira tão complexa. Cleto disse que foi informado que receberia R$ 1 milhão pela mudança dos covenants, mas que não chegou a receber o valor. Registros da Junta Comercial acostados à delação mostram, de fato, as alterações nos covenants.
MAIS NEGÓCIOS – A delação de Cleto ainda relata outros negócios feitos à base de propina. Uma das empresas citadas é a Haztec, com investimentos de R$ 245 milhões do FGTS na área de energia. Esse é um exemplo de como, com a pessoa certa, na posição certa, é possível facilitar ou dificultar a vida das empresas em negócios com o governo.
Fábio Cleto relatou aos investigadores que, quando chegou à Caixa, o projeto já estava praticamente pronto. Mas foi orientado por Cunha a pedir vista e, segundo ele, foi quando o deputado cobrou a propina. Pelo negócio, Cleto diz que recebeu R$ 300 mil. Assim, segundo o percentual relatado pelo delator, Cunha levou algo como R$ 6 milhões.
A OAS é acusada de dar R$ 100 mil para Cleto, como compensação por R$ 250 milhões do FGTS no projeto da Rodovia Raposo Tavares. O delator conta que o projeto já estava aprovado quando ele entrou. Cleto, contudo, conta que informou Cunha sobre a data do início dos desembolsos, o que foi o suficiente para o esquema começar a arrecadar.
TAMBÉM A ODEBRECHT – Outra empreiteira do petrolão, a Odebrecht, é citada no projeto Aquapolo, uma parceria com a Sabesp, no maior empreendimento para a produção de água de reúso industrial na América do Sul. Cleto disse que recebeu R$ 400 mil para atuar em favor do negócio de R$ 326 milhões. Segundo o delator, ele ainda recebeu de propina R$ 120 mil de um negócio da BR Vias, em razão de um investimento de R$ 300 milhões.
Cleto dá detalhes sobre a operação e afirma que a articulação foi feita por Lúcio Funaro, em razão da proximidade com o empresário Henrique Constantino. A família Constantino faz parte do grupo que controla a BR Vias. É mais conhecida, contudo, por terem fundado a companhia aérea Gol.
Outra citada é a Cone, de Recife, com propina de R$ 75 mil. Há ainda o caso da Carioca Engenharia. A empresa atua no projeto Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, e o seu principal acionista, Ricardo Pernambuco, antecipou-se à Lava Jato e se ofereceu para delação premiada. Ele admitiu que o acerto foi de R$ 52 milhões para conseguir o negócios de R$ 3,5 bilhões, como Época revelou em dezembro de 2015. Na semana passada, a “Folha de S.Paulo” publicou que Cleto citou ainda que recebeu R$ 240 mil da LLX, do empresário Eike Batista, que recebeu aportes de R$ 750 milhões. Nesta sexta, o jornal “Estado de S. Paulo” publicou que Cleto falou em propinas também no esquema pela Brado Logística (R$ 80 mil), Odebrecht Ambiental (R$ 36 mil).
ESQUEMA NO EXTERIOR – Para arrecadar e movimentar tanto dinheiro, Cleto contou com o apoio de uma engenharia financeira envolvendo pelo menos três países. Na delação, ele afirma que foi indicado por Eduardo Cunha a procurar um doleiro de nome Silvano Bernasconi, suíço naturalizado brasileiro. Primeiro, abriu uma conta no banco Julius Baer, na Suíça. Era tudo de fachada: o titular era a offshore Lastal, esta por sua vez uma empresa de sediada no Belize, na América Central. Em 2012, houve uma briga entre Cleto e Funaro.
O executivo chegou a ameaçar que iria se demitir. Havia, porém, um problema. Funaro tinha em mãos os valores que Cleto tinha investido fora do país. Cunha então pediu que ele ficasse no cargo e criou uma nova conta na Suíça, dessa vez no banco Heritage. Assim, ele recebeu o passivo que já tinha com o Funaro e as novas propinas. Segundo Cleto, Cunha usou a propina da Carioca para pagar o passivo. Na delação da Carioca Engenharia, o empresário Ricardo Pernambuco mostrou repasses de US$ 2 milhões à Lastal. Cleto montou ainda uma terceira conta, em 2013, no banco Vitor Palmier, do Uruguai.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Diante da delação de Fábio Cleto, se Temer fez algum acordo para salvar o mandato de Cunha, dificilmente conseguirá cumprir. Se Cunha não for cassado, a desmoralização da política será tamanha que ninguém pode prever o que acontecerá. (C.N.)
02 de julho de 2016
Filipe Coutinho
IstoÉ
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Diante da delação de Fábio Cleto, se Temer fez algum acordo para salvar o mandato de Cunha, dificilmente conseguirá cumprir. Se Cunha não for cassado, a desmoralização da política será tamanha que ninguém pode prever o que acontecerá. (C.N.)
02 de julho de 2016
Filipe Coutinho
IstoÉ
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