Em todo círculo de gente inteligente há divergências. Por que quase todos os artistas pensam igual?
Na última semana fui ao teatro aqui em BH. Vi uma peça muito boa. Ao final, naquele espaço em que os atores falam diretamente ao público, um deles começou assim: “primeiramente, e em nome do grupo, Fora Temer”. Foi aplaudido.
São cinco atores em cena, mais o diretor e toda a equipe de produção. Não é estranho imaginar que todo essa gente pense a mesma coisa sobre um mesmo assunto?
Vamos reler os comentários da última semana sobre o Brexit. Não peço que achem uma opinião favorável de um intelectual ou de um artista. A situação é mais dramática: em vez de ser avaliado e esclarecido como um processo com vantagens e desvantagens, o Brexit serve para ser condenado, lamentado e ponto final.
Sabemos que esta postura vem de uma turminha muito bacana, altamente crítica do cristianismo e principalmente da “bancada evangélica”. Querem desmontar a cultura religiosa para erigir a religião da cultura. É inquestionável para eles que a “cultura”, esse novo deus, mereça Ministério próprio. E não pode ser “criminalizada” (nota: nunca vi uma pessoa honesta usando a sério a palavra “criminalizar”). Afinal, como alguém pode ser contra a cultura?
Fábio Porchat é um exemplo recente dessa Fé Militante.Segundo a Operação Boca Livre, ele recebeu dinheiro desviado da Lei Rouanet para fazer um show. Porchat disse ser “impossível saber a procedência do dinheiro”.
Porchat está certo. É um artista de sucesso, com agenda cheia. Tem muitos compromissos. De fato não tem como saber a origem do dinheiro de todos os clientes.
Mas AGORA, DESTE cliente, ele sabe. Ao nos apontar para o passado, Porchat faz um truque tão barato quanto naquele vídeo do WhatsApp em que um homem “desaparece” atrás de um pano pulando na grama ao lado.
Se não integrasse a Fé Militante, Porchat já teria feito o óbvio: anunciado que doou o dobro do cachê para uma instituição de caridade. “Mas ele não é obrigado…” Quem ainda pensa isso não entendeu nada. Melhor sugerir a Porchat que seu novo show se chame “Achado não é Roubado”.
***
A Fé Militante do mundo real comemorou na internet a destruição em Game of Thrones da Fé Militante de Westeros. Muitos odiavam o Alto Pardal mais do que a Ramsay Bolton. Uma montagem chegou a comemorar a forma de Cersei de lidar com a “bancada evangélica”.
Duas notas interessantes:
1. O Alto Pardal não era naturalmente poderoso. Foi graças a Cersei que ele cresceu. Exatamente como ocorreu com Eduardo Cunha e Dilma: em 2010, Cunha fez vigorosa campanha em favor de Dilma no meio evangélico. O que gente como Cersei e os petebas não suporta não é religião; é o desafio ao poder deles.
2. Este artigo na Vox posiciona uma questão muito saborosa: ao contrário de vários protagonistas da série, o Alto Pardal nunca matou, estuprou, saqueou, nem mandou exércitos de camponeses para a morte. E era um legítimo plebeu, homem do povo. Com sua morte, os espectadores da Fé Militante do mundo real – gente que vota em nomes como Rousseff, Suplicy, Mercadante, Hoffmann, etc. -podem voltar a torcer tranquilos na briga entre aristocratas cheios de privilégios. É ou não é?
Nota: Este texto dizia Alto Septão em vez de Alto Pardal. Corrigimos
02 de julho de 2016
Cedê Silva é jornalista.
Na última semana fui ao teatro aqui em BH. Vi uma peça muito boa. Ao final, naquele espaço em que os atores falam diretamente ao público, um deles começou assim: “primeiramente, e em nome do grupo, Fora Temer”. Foi aplaudido.
São cinco atores em cena, mais o diretor e toda a equipe de produção. Não é estranho imaginar que todo essa gente pense a mesma coisa sobre um mesmo assunto?
Vamos reler os comentários da última semana sobre o Brexit. Não peço que achem uma opinião favorável de um intelectual ou de um artista. A situação é mais dramática: em vez de ser avaliado e esclarecido como um processo com vantagens e desvantagens, o Brexit serve para ser condenado, lamentado e ponto final.
Sabemos que esta postura vem de uma turminha muito bacana, altamente crítica do cristianismo e principalmente da “bancada evangélica”. Querem desmontar a cultura religiosa para erigir a religião da cultura. É inquestionável para eles que a “cultura”, esse novo deus, mereça Ministério próprio. E não pode ser “criminalizada” (nota: nunca vi uma pessoa honesta usando a sério a palavra “criminalizar”). Afinal, como alguém pode ser contra a cultura?
Fábio Porchat é um exemplo recente dessa Fé Militante.Segundo a Operação Boca Livre, ele recebeu dinheiro desviado da Lei Rouanet para fazer um show. Porchat disse ser “impossível saber a procedência do dinheiro”.
Porchat está certo. É um artista de sucesso, com agenda cheia. Tem muitos compromissos. De fato não tem como saber a origem do dinheiro de todos os clientes.
Mas AGORA, DESTE cliente, ele sabe. Ao nos apontar para o passado, Porchat faz um truque tão barato quanto naquele vídeo do WhatsApp em que um homem “desaparece” atrás de um pano pulando na grama ao lado.
Se não integrasse a Fé Militante, Porchat já teria feito o óbvio: anunciado que doou o dobro do cachê para uma instituição de caridade. “Mas ele não é obrigado…” Quem ainda pensa isso não entendeu nada. Melhor sugerir a Porchat que seu novo show se chame “Achado não é Roubado”.
***
A Fé Militante do mundo real comemorou na internet a destruição em Game of Thrones da Fé Militante de Westeros. Muitos odiavam o Alto Pardal mais do que a Ramsay Bolton. Uma montagem chegou a comemorar a forma de Cersei de lidar com a “bancada evangélica”.
Duas notas interessantes:
1. O Alto Pardal não era naturalmente poderoso. Foi graças a Cersei que ele cresceu. Exatamente como ocorreu com Eduardo Cunha e Dilma: em 2010, Cunha fez vigorosa campanha em favor de Dilma no meio evangélico. O que gente como Cersei e os petebas não suporta não é religião; é o desafio ao poder deles.
2. Este artigo na Vox posiciona uma questão muito saborosa: ao contrário de vários protagonistas da série, o Alto Pardal nunca matou, estuprou, saqueou, nem mandou exércitos de camponeses para a morte. E era um legítimo plebeu, homem do povo. Com sua morte, os espectadores da Fé Militante do mundo real – gente que vota em nomes como Rousseff, Suplicy, Mercadante, Hoffmann, etc. -podem voltar a torcer tranquilos na briga entre aristocratas cheios de privilégios. É ou não é?
Nota: Este texto dizia Alto Septão em vez de Alto Pardal. Corrigimos
02 de julho de 2016
Cedê Silva é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário