Privilégios demais concedidos aos criminosos da Lava Jato podem comprometer a aprovação popular da delação premiada
Depois das revelações feitas pela operação Lava Jato, questionar o princípio da delação premiada como método legítimo de investigação agride o bom senso, ainda que considerados os argumentos contrários usados por respeitados criminalistas.
No Brasil pós Lava Jato, ficou no mínimo abalada a velha percepção de que nesse País tropical e abençoado por Deus criminosos de colarinho branco ficam sempre impunes. No entanto, uma rápida reflexão, não sobre a delação propriamente dita, mas sobre o prêmio dado aos delatores, merece ser feita.
A distribuição de benefícios ofertados a alguns parece generosa demais, o que pode significar um retrocesso na direção da impunidade. Na última semana, depois de revelada a “condenação” imposta a Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, acendeu o sinal de alerta àqueles que pagam religiosamente seus impostos, estejam nos andares de cima ou de baixo da pirâmide social.
Corrupto confesso, Machado comandou a empresa de 2003 a 2014. Desviou dos cofres públicos mais de R$ 100 milhões para cerca de 20 políticos de sete partidos, fora o que colocou em suas próprias contas no Brasil e no Exterior. Dinheiro suficiente para garantir uma vida nababesca a seus filhos e até a seus netos. Para se ter uma ideia da grandeza, Machado promete devolver R$ 75 milhões e ainda assim continuará sendo um homem milionário. Descoberto, ele não chegou sequer a ser preso. Foi logo entregando todo o esquema aos procuradores da Lava Jato e protagonizou o papel de araponga ao gravar conversas com caciques do Congresso visando fisgá-los em confissões de delitos.
Por seus crimes, poderia ser condenado a mais de 20 anos de cadeia. Mas o instituto da delação premiada foi generoso. Pelo acordo, Machado terá de devolver R$ 75 milhões e poderá ser condenado a, no máximo, três anos de prisão domiciliar. Nesse período, ficará recolhido em sua mansão instalada em um bairro nobre de Fortaleza, cercado de seguranças particulares, num terreno com mais de três mil metros quadrados. A casa tem piscina, quadra poliesportiva, academia, churrasqueira, garagem para dez carros e quatro empregados. Nesse “presídio de ouro”, Machado poderá receber a visita de advogados, de médicos e de 27 amigos e familiares previamente relacionados. Será permitido também deixar a residência em algumas ocasiões especiais, como o Natal, por exemplo. Depois de dois anos e três meses, o diretor que contribuiu fortemente para a derrocada da Petrobras poderá sair da mansão para prestar serviços comunitários.
Entre juristas das mais variadas tendências há o consenso de que a garantia do Estado de Direito passa necessariamente pela proporcionalidade das penas. Isso significa que punição branda para crimes graves é tão nefasta à sociedade quanto punição em demasia para crimes leves. Nesse sentido, a “generosa pena” imposta a Sérgio Machado agride os brasileiros da mesma forma que a prisão da doméstica desempregada Ana Cristina, que em maio de 2014 ficou mais de dez dias reclusa no Presídio Feminino Auri Moura Costa, no Ceará, por tentar furtar uma lata de leite de um supermercado para alimentar suas quatro filhas.
02 de julho de 2016
Mário Simas Filho é diretor de redação da revista ISTOÉ
Fonte: IstoÉ
No Brasil pós Lava Jato, ficou no mínimo abalada a velha percepção de que nesse País tropical e abençoado por Deus criminosos de colarinho branco ficam sempre impunes. No entanto, uma rápida reflexão, não sobre a delação propriamente dita, mas sobre o prêmio dado aos delatores, merece ser feita.
A distribuição de benefícios ofertados a alguns parece generosa demais, o que pode significar um retrocesso na direção da impunidade. Na última semana, depois de revelada a “condenação” imposta a Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, acendeu o sinal de alerta àqueles que pagam religiosamente seus impostos, estejam nos andares de cima ou de baixo da pirâmide social.
Corrupto confesso, Machado comandou a empresa de 2003 a 2014. Desviou dos cofres públicos mais de R$ 100 milhões para cerca de 20 políticos de sete partidos, fora o que colocou em suas próprias contas no Brasil e no Exterior. Dinheiro suficiente para garantir uma vida nababesca a seus filhos e até a seus netos. Para se ter uma ideia da grandeza, Machado promete devolver R$ 75 milhões e ainda assim continuará sendo um homem milionário. Descoberto, ele não chegou sequer a ser preso. Foi logo entregando todo o esquema aos procuradores da Lava Jato e protagonizou o papel de araponga ao gravar conversas com caciques do Congresso visando fisgá-los em confissões de delitos.
Por seus crimes, poderia ser condenado a mais de 20 anos de cadeia. Mas o instituto da delação premiada foi generoso. Pelo acordo, Machado terá de devolver R$ 75 milhões e poderá ser condenado a, no máximo, três anos de prisão domiciliar. Nesse período, ficará recolhido em sua mansão instalada em um bairro nobre de Fortaleza, cercado de seguranças particulares, num terreno com mais de três mil metros quadrados. A casa tem piscina, quadra poliesportiva, academia, churrasqueira, garagem para dez carros e quatro empregados. Nesse “presídio de ouro”, Machado poderá receber a visita de advogados, de médicos e de 27 amigos e familiares previamente relacionados. Será permitido também deixar a residência em algumas ocasiões especiais, como o Natal, por exemplo. Depois de dois anos e três meses, o diretor que contribuiu fortemente para a derrocada da Petrobras poderá sair da mansão para prestar serviços comunitários.
Entre juristas das mais variadas tendências há o consenso de que a garantia do Estado de Direito passa necessariamente pela proporcionalidade das penas. Isso significa que punição branda para crimes graves é tão nefasta à sociedade quanto punição em demasia para crimes leves. Nesse sentido, a “generosa pena” imposta a Sérgio Machado agride os brasileiros da mesma forma que a prisão da doméstica desempregada Ana Cristina, que em maio de 2014 ficou mais de dez dias reclusa no Presídio Feminino Auri Moura Costa, no Ceará, por tentar furtar uma lata de leite de um supermercado para alimentar suas quatro filhas.
02 de julho de 2016
Mário Simas Filho é diretor de redação da revista ISTOÉ
Fonte: IstoÉ
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