Leitor me envia artigo do site Consultor Jurídico, edição de ontem, relatando mais uma reviravolta na questão de sexo com adolescentes. Há uns dois meses, eu comentava decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que inocentava um homem acusado de estupro de uma menina de 13 anos. Ele havia sido preso em flagrante enquanto praticava o ato com a adolescente, mas os desembargadores o inocentaram por considerar que a menina era prostituta e aparentava ser mais velha.
Nos anos 90, decisão semelhante foi tomada no caso de um encanador de Minas Gerais, acusado pelo estupro de uma menina de doze anos. Segundo a legislação vigente, relações com menores de quatorze anos, mesmo consensuais, são consideradas estupros. A menina afirmou em depoimento ter consentido com a relação sexual. “Pintou vontade” — disse. Uma legislação vetusta, que considera estupro toda relação — consentida ou não — com menores de quatorze anos, havia encerrado no cárcere o infeliz que aceitou a oferta.
Coube ao ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), absolver, em 96, o encanador. Na ocasião, o ministro foi visto como um inimigo da família e da moralidade pátria. Nosso Código Penal é defasado — disse o ministro — e os adolescentes de hoje são diferentes. Sugeriu um limite de doze anos para a aplicação da sentença de violência presumida. “Quando esse limite caiu de dezesseis para quatorze, na década de 40, a sociedade também escandalizou-se”, afirmou. O direito é o cadinho histórico dos costumes, aprendi em minhas universidades. A fundição é lenta. Enquanto o legislador dormia, os tempos mudaram.
O imbróglio volta agora à tona com o caso citado pelo Consultor Jurídico. Um padrasto que manteve relações sexuais com sua enteada de 13 anos, absolvido em 1ª e 2ª instâncias, foi agora foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Fazer sexo com pessoa com menos de 14 anos é crime, mesmo que haja consentimento, decidiram os juízes.
A decisão é um precedente de peso para a jurisprudência sobre o assunto – afirma o Consultor. Ora, precedente foi a decisão ministro Marco Aurélio de Mello, do STF. Vamos ao caso:
Denunciado por sua companheira, o réu foi absolvido em 2009 pelo juízo de primeiro grau do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para a magistrada, a menor não foi vítima de violência presumida, pois “se mostrou determinada para consumar o coito anal com o padrasto. O que fez foi de livre e espontânea vontade, sem coação, ameaça, violência ou temor. Mais: a moça quis repetir e assim o fez”.
O TJ-SP manteve a absolvição pelos mesmos fundamentos alegados pelo ministro Marco Aurélio. Conforme o acórdão, a vítima narrou que manteve relacionamento íntimo com o padrasto por diversas vezes, sempre de forma consentida, pois gostava dele. A maioria dos desembargadores considerou que o consentimento da menor, ainda que influenciado pelo desenvolvimento da sociedade e dos costumes, justificava a manutenção da absolvição.
O mesmo não pensou, desta vez, o STJ. Ao condenar o réu, a 6ª Turma do STJ entendeu que a presunção de violência nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 anos tem caráter absoluto, de acordo com a redação do Código Penal vigente até 2009. De acordo com esse entendimento, o limite de idade é um critério objetivo "para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual".
Como fica então a decisão da corte que absolveu em última instância o encanador mineiro? Terá sido revogada? O caso terá novo julgamento? Pode um tribunal de Justiça emitir decisão que contraria decisão do STF? Ora, se a decisão do TJ de São Paulo, no caso do padastro, foi embasada na decisão do STF no caso do encanador, deduz-se que o recente julgamento do STJ revoga o anterior, patrocinado pelo ministro Marco Aurélio. Como ficamos então? Em novos casos, em qual das duas decisões poderão fundamentar-se os julgadores?
Diz o Consultor:
"A jurisprudência sobre a questão, no entanto, varia. O próprio STJ declarou que a presunção de violência no crime de estupro tem caráter relativo, ao inocentar homem processado por fazer sexo com meninas com menos de 12 anos. No Habeas Corpus 73.662/1996, o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio relativizou a presunção de violência após ficar comprovado no processo o consentimento da mulher e que sua aparência física e mental era de pessoa com mais de 14 anos".
Pergunta que se impõe: pode a jurisprudência variar sobre um mesmo caso? Estamos entrando no campo da insegurança jurídica, onde o cidadão já não sabe se seus atos serão ou não considerados crime.
Para o ministro do STJ, Rogério Schietti, é frágil a alusão ao “desenvolvimento da sociedade e dos costumes” como razão para relativizar a presunção legal de violência prevista na antiga redação do Código Penal. O “caminho da modernidade”, disse Schietti, é o oposto do que foi decidido pela Justiça paulista.
Ele também considerou “anacrônico” o discurso que tenta contrapor a evolução dos costumes e a disseminação mais fácil de informações à “natural tendência civilizatória” de proteger crianças e adolescentes, e que acaba por “expor pessoas ainda imaturas, em menor ou maior grau, a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce”.
Indiferente ao desejo expresso pela adolescente ao pedir bis, o ministro no fundo está afirmando que a menina disse: “me estupra de novo”.
Aos 26 de abril de 2012, a suprema corte judiciária do país rasgou a Constituição com gosto, instituindo de inhapa e por unanimidade o racismo no país. Naquela data, o STF revogou, com a tranqüilidade dos justos, o art 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. A partir de então, oficializou-se a prática perversa instituída por várias universidades, de considerar que negros valem mais do que um branco na hora do vestibular. A prática nefanda já está sendo transferida para o mercado de trabalho.
Em maio do mesmo ano, o STF reincidiu: revogou de uma penada o § 3º do art. 226 da Carta Magna: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Ao reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo, o excelso pretório jogou no lixo a carta aprovada por uma Constituinte.
Onde se lia homem e mulher, leia-se homem e homem, ou mulher e mulher e estamos conversados. A partir de hoje, onde se lia “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”, leia-se: todos são iguais perante a lei, exceto os negros, que valem mais. Simples assim.
Ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello afirmava: “No nosso sistema, o Supremo tem a última palavra. A Constituição é o que o Supremo diz que é”. Agora, o que o STF diz que é o STJ diz que não é. De quem é, afinal, a última palavra? Terá o gato de Schrödinger se instalado em nossas cortes? Chegamos ao crime que é crime e não é crime ao mesmo tempo, conforme os ministros que o julgam?
Alvíssaras! O Brasil inova. Já chegamos ao Direito Quântico.
30 de agosto de 2014
janer cristaldo
Nos anos 90, decisão semelhante foi tomada no caso de um encanador de Minas Gerais, acusado pelo estupro de uma menina de doze anos. Segundo a legislação vigente, relações com menores de quatorze anos, mesmo consensuais, são consideradas estupros. A menina afirmou em depoimento ter consentido com a relação sexual. “Pintou vontade” — disse. Uma legislação vetusta, que considera estupro toda relação — consentida ou não — com menores de quatorze anos, havia encerrado no cárcere o infeliz que aceitou a oferta.
Coube ao ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), absolver, em 96, o encanador. Na ocasião, o ministro foi visto como um inimigo da família e da moralidade pátria. Nosso Código Penal é defasado — disse o ministro — e os adolescentes de hoje são diferentes. Sugeriu um limite de doze anos para a aplicação da sentença de violência presumida. “Quando esse limite caiu de dezesseis para quatorze, na década de 40, a sociedade também escandalizou-se”, afirmou. O direito é o cadinho histórico dos costumes, aprendi em minhas universidades. A fundição é lenta. Enquanto o legislador dormia, os tempos mudaram.
O imbróglio volta agora à tona com o caso citado pelo Consultor Jurídico. Um padrasto que manteve relações sexuais com sua enteada de 13 anos, absolvido em 1ª e 2ª instâncias, foi agora foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Fazer sexo com pessoa com menos de 14 anos é crime, mesmo que haja consentimento, decidiram os juízes.
A decisão é um precedente de peso para a jurisprudência sobre o assunto – afirma o Consultor. Ora, precedente foi a decisão ministro Marco Aurélio de Mello, do STF. Vamos ao caso:
Denunciado por sua companheira, o réu foi absolvido em 2009 pelo juízo de primeiro grau do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para a magistrada, a menor não foi vítima de violência presumida, pois “se mostrou determinada para consumar o coito anal com o padrasto. O que fez foi de livre e espontânea vontade, sem coação, ameaça, violência ou temor. Mais: a moça quis repetir e assim o fez”.
O TJ-SP manteve a absolvição pelos mesmos fundamentos alegados pelo ministro Marco Aurélio. Conforme o acórdão, a vítima narrou que manteve relacionamento íntimo com o padrasto por diversas vezes, sempre de forma consentida, pois gostava dele. A maioria dos desembargadores considerou que o consentimento da menor, ainda que influenciado pelo desenvolvimento da sociedade e dos costumes, justificava a manutenção da absolvição.
O mesmo não pensou, desta vez, o STJ. Ao condenar o réu, a 6ª Turma do STJ entendeu que a presunção de violência nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor contra menores de 14 anos tem caráter absoluto, de acordo com a redação do Código Penal vigente até 2009. De acordo com esse entendimento, o limite de idade é um critério objetivo "para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual".
Como fica então a decisão da corte que absolveu em última instância o encanador mineiro? Terá sido revogada? O caso terá novo julgamento? Pode um tribunal de Justiça emitir decisão que contraria decisão do STF? Ora, se a decisão do TJ de São Paulo, no caso do padastro, foi embasada na decisão do STF no caso do encanador, deduz-se que o recente julgamento do STJ revoga o anterior, patrocinado pelo ministro Marco Aurélio. Como ficamos então? Em novos casos, em qual das duas decisões poderão fundamentar-se os julgadores?
Diz o Consultor:
"A jurisprudência sobre a questão, no entanto, varia. O próprio STJ declarou que a presunção de violência no crime de estupro tem caráter relativo, ao inocentar homem processado por fazer sexo com meninas com menos de 12 anos. No Habeas Corpus 73.662/1996, o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio relativizou a presunção de violência após ficar comprovado no processo o consentimento da mulher e que sua aparência física e mental era de pessoa com mais de 14 anos".
Pergunta que se impõe: pode a jurisprudência variar sobre um mesmo caso? Estamos entrando no campo da insegurança jurídica, onde o cidadão já não sabe se seus atos serão ou não considerados crime.
Para o ministro do STJ, Rogério Schietti, é frágil a alusão ao “desenvolvimento da sociedade e dos costumes” como razão para relativizar a presunção legal de violência prevista na antiga redação do Código Penal. O “caminho da modernidade”, disse Schietti, é o oposto do que foi decidido pela Justiça paulista.
Ele também considerou “anacrônico” o discurso que tenta contrapor a evolução dos costumes e a disseminação mais fácil de informações à “natural tendência civilizatória” de proteger crianças e adolescentes, e que acaba por “expor pessoas ainda imaturas, em menor ou maior grau, a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce”.
Indiferente ao desejo expresso pela adolescente ao pedir bis, o ministro no fundo está afirmando que a menina disse: “me estupra de novo”.
Aos 26 de abril de 2012, a suprema corte judiciária do país rasgou a Constituição com gosto, instituindo de inhapa e por unanimidade o racismo no país. Naquela data, o STF revogou, com a tranqüilidade dos justos, o art 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. A partir de então, oficializou-se a prática perversa instituída por várias universidades, de considerar que negros valem mais do que um branco na hora do vestibular. A prática nefanda já está sendo transferida para o mercado de trabalho.
Em maio do mesmo ano, o STF reincidiu: revogou de uma penada o § 3º do art. 226 da Carta Magna: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Ao reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo, o excelso pretório jogou no lixo a carta aprovada por uma Constituinte.
Onde se lia homem e mulher, leia-se homem e homem, ou mulher e mulher e estamos conversados. A partir de hoje, onde se lia “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”, leia-se: todos são iguais perante a lei, exceto os negros, que valem mais. Simples assim.
Ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello afirmava: “No nosso sistema, o Supremo tem a última palavra. A Constituição é o que o Supremo diz que é”. Agora, o que o STF diz que é o STJ diz que não é. De quem é, afinal, a última palavra? Terá o gato de Schrödinger se instalado em nossas cortes? Chegamos ao crime que é crime e não é crime ao mesmo tempo, conforme os ministros que o julgam?
Alvíssaras! O Brasil inova. Já chegamos ao Direito Quântico.
30 de agosto de 2014
janer cristaldo
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