"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

UM DÉFICIT PREOCUPANTE

Com um buraco de US$ 6,25 bilhões na conta corrente em março, o Brasil continua exibindo um mau desempenho nas transações internacionais, como indica o relatório sobre o setor externo publicado sexta-feira pelo Banco Central (BC). Os números ficaram próximos dos previstos, segundo o chefe do Departamento Econômico da instituição, Tulio Maciel. Surpresa, mesmo, só ocorrerá se as exportações avançarem, nos próximos meses, muito mais do que indicam as projeções. A piora do comércio exterior, com exportações estagnadas e importações em alta, foi a causa principal da sensível deterioração das contas externas nos últimos anos. Essa é mais uma consequência dos erros acumulados na política econômica e agravados a partir de 2011.

O BC projeta para 2014 um superávit comercial de US$ 8 bilhões, mais que o triplo do contabilizado oficialmente no ano passado (US$ 2,55 bilhões). Ainda será um resultado medíocre. Somado ao saldo positivo previsto para as transferências unilaterais (US$ 3,1 bilhões), ainda será muito inferior ao necessário para compensar o rombo estimado para as contas de serviços e de rendas. O resultado será um déficit de US$ 80 bilhões, muito parecido com o de 2013, de US$ 81,07 bilhões.

Para esse resultado as contas externas ainda terão de melhorar consideravelmente. No primeiro trimestre houve um déficit comercial de US$ 6,07 bilhões e o saldo negativo na conta corrente chegou a US$ 25,19 bilhões, mais um recorde negativo. Em 12 meses o buraco chegou a US$ 81,56 bilhões, soma equivalente a 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB).

Desde agosto do ano passado, como lembrou Maciel, esse déficit acumulado em 12 meses tem-se mantido perto de 3,6% do PIB, com pequenas oscilações. Mas a pior notícia é outra. Desde março de 2013 o investimento estrangeiro direto recebido em 12 meses tem sido insuficiente para cobrir o déficit.

A cobertura tem sempre ocorrido sem perda de reservas, mas tem dependido em proporção significativa de outros tipos de financiamento, menos vinculados à produção, mais voláteis e muito mais sujeitos a mudanças repentinas de humor nos mercados financeiros. Capitais destinados a investimentos diretos - novos empreendimentos, capitalização ou compras de empresas - tendem a permanecer muito mais tempo no País. O déficit em conta corrente continua e continuará sendo coberto, insistem os economistas e diretores do BC, sem dificuldades. Mas a qualidade do financiamento, é preciso reconhecer, tem-se deteriorado.

Nos 12 meses terminados em março, o investimento estrangeiro direto chegou a US$ 64,96 bilhões, US$ 16,6 bilhões a menos que o necessário para cobrir o buraco. As projeções para o ano indicam investimentos diretos no valor de US$ 63 bilhões. Recursos de outro tipo serão necessários para compensar os US$ 17 bilhões restantes do déficit em conta corrente.

Com mais de US$ 370 bilhões de reservas cambiais, o governo tem exibido tranquilidade em relação às contas externas. Não há risco iminente, portanto, de crise cambial, embora o previsível aperto no mercado financeiro, em consequência da mudança na política monetária americana, justifique alguma preocupação. Mas o quadro é de fato muito mais preocupante do que as autoridades admitem.

Uma economia saudável e com grandes projetos de investimento pode precisar de recursos externos para sustentar sua demanda total. Nesse caso, a aceleração será facilitada por um déficit em conta corrente - moderado e administrável, naturalmente. Não é o caso do Brasil, onde o excesso de demanda está associado ao consumo tanto privado quanto público. O investimento tem-se mantido muito baixo há muitos anos.

Longe de refletir dinamismo e vigor, o déficit brasileiro em conta corrente é sintoma de uma economia cheia de distorções, com muito mais incentivos ao consumo do que ao investimento, indústria estagnada e um péssimo ambiente de negócios, como indicam todas as pesquisas internacionais de competitividade.

Nesse quadro, o buraco em conta corrente é mais um sinal de vulnerabilidade visível para todos, menos, aparentemente, para o governo.

30 de abril de 2014
Editorial O Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário