É lamentável que, nos governos do PT, o Brasil, líder da América Latina, tenha perdido a capacidade crítica em relação ao chavismo. Isto se deu pela adoção da “diplomacia companheira”, relacionamento pautado mais por afinidade ideológica do que pelas tradicionais linhas da política externa brasileira. Não que estas devam ser imutáveis, mas a mudança foi para pior.
Em nome de uma frente ideológica comum e da retomada de superados conceitos e bandeiras da esquerda, o governo brasileiro passou a considerar “democrático” o regime chavista, que mantém apenas algumas características formais desse sistema de governo, mas, no essencial, se aproxima muito mais do velho caudilhismo e do totalitarismo.
A Venezuela e discípulos — Bolívia, Equador, Nicarágua — mantêm instituições análogas aos poderes Legislativo e Judiciário. Só que esvaziadas de suas prerrogativas republicanas. Isto se deve à adoção por Hugo Chávez e seguidores, do “kit bolivariano”, um conjunto de ações capaz de criar um regime sob medida para o Poder Executivo.
Os chavistas dizem que o caráter democrático é atestado pela realização de eleições. Mas não mencionam que o primeiro item do tal kit é a adoção de um forte discurso nacional-populista, capaz de angariar votos para vencer o referendo, que é o segundo item do kit. Através dele, se aprova a instalação de uma constituinte capaz de transformar as instituições democráticas, que as tinha a Venezuela, em organismos submissos ao Executivo. Instaura-se o cesarismo.
Na Venezuela, os partidos políticos tradicionais foram banidos e virtualmente instituiu-se o partido único, tal a superioridade do governista PSUV. Garantiu-se, assim, o beneplácito da Assembleia Nacional aos projetos chavistas. E a composição do Judiciário ficou à mercê do Executivo, assegurando-lhe vantagem no exame de relevantes questões nacionais.
Este arranjo político foi feito para possibilitar a colocação em prática do projeto chavista, ineficiente e burocrático, pois calcado numa gigantesca intervenção estatal em todos os quadrantes da vida do país. Não se pode dizer que, no início, não houve avanços, sobretudo na redução da pobreza. Mas houve retrocessos demais. Basta dizer que um dos países mais ricos do mundo em petróleo está arruinado, importa quase tudo que consome, pouco produz, deixou a infraestrutura se deteriorar e sofre com o desabastecimento — a população tem enorme dificuldade para comprar alimentos e produtos básicos —, e uma criminalidade em ascensão. Caracas é hoje a segunda cidade mais violenta do mundo.
Gestões da Unasul, capitaneadas pelo Brasil, tentam hoje uma saída para a profunda divisão política do país. Mas o governo brasileiro agiu mal ao deixar que a situação chegasse a tal ponto. Ao invés de suspender o Paraguai do Mercosul para dar vez à Venezuela, deveria ter invocado a cláusula democrática do bloco para mostrar que só seriam aceitos países com sua democracia em dia. Mas democracia de fato.
30 de abril de 2014
Editorial O Globo
Em nome de uma frente ideológica comum e da retomada de superados conceitos e bandeiras da esquerda, o governo brasileiro passou a considerar “democrático” o regime chavista, que mantém apenas algumas características formais desse sistema de governo, mas, no essencial, se aproxima muito mais do velho caudilhismo e do totalitarismo.
A Venezuela e discípulos — Bolívia, Equador, Nicarágua — mantêm instituições análogas aos poderes Legislativo e Judiciário. Só que esvaziadas de suas prerrogativas republicanas. Isto se deve à adoção por Hugo Chávez e seguidores, do “kit bolivariano”, um conjunto de ações capaz de criar um regime sob medida para o Poder Executivo.
Os chavistas dizem que o caráter democrático é atestado pela realização de eleições. Mas não mencionam que o primeiro item do tal kit é a adoção de um forte discurso nacional-populista, capaz de angariar votos para vencer o referendo, que é o segundo item do kit. Através dele, se aprova a instalação de uma constituinte capaz de transformar as instituições democráticas, que as tinha a Venezuela, em organismos submissos ao Executivo. Instaura-se o cesarismo.
Na Venezuela, os partidos políticos tradicionais foram banidos e virtualmente instituiu-se o partido único, tal a superioridade do governista PSUV. Garantiu-se, assim, o beneplácito da Assembleia Nacional aos projetos chavistas. E a composição do Judiciário ficou à mercê do Executivo, assegurando-lhe vantagem no exame de relevantes questões nacionais.
Este arranjo político foi feito para possibilitar a colocação em prática do projeto chavista, ineficiente e burocrático, pois calcado numa gigantesca intervenção estatal em todos os quadrantes da vida do país. Não se pode dizer que, no início, não houve avanços, sobretudo na redução da pobreza. Mas houve retrocessos demais. Basta dizer que um dos países mais ricos do mundo em petróleo está arruinado, importa quase tudo que consome, pouco produz, deixou a infraestrutura se deteriorar e sofre com o desabastecimento — a população tem enorme dificuldade para comprar alimentos e produtos básicos —, e uma criminalidade em ascensão. Caracas é hoje a segunda cidade mais violenta do mundo.
Gestões da Unasul, capitaneadas pelo Brasil, tentam hoje uma saída para a profunda divisão política do país. Mas o governo brasileiro agiu mal ao deixar que a situação chegasse a tal ponto. Ao invés de suspender o Paraguai do Mercosul para dar vez à Venezuela, deveria ter invocado a cláusula democrática do bloco para mostrar que só seriam aceitos países com sua democracia em dia. Mas democracia de fato.
30 de abril de 2014
Editorial O Globo
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