Sete anos após o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) voltado para a expansão do saneamento, o Brasil amarga a 112ª posição em um levantamento feito com 200 países. Sétima economia do mundo, o país aparece muito atrás de nações da América Latina — como Argentina, Uruguai e Chile —, de países árabes como Omã, Síria e Arábia Saudita, e até de nações africanas, como o Egito. Segundo os dados, figura entre Tuvalu e Samoa.
O estudo do Instituto Trata Brasil, em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, publicado com exclusividade pelo GLOBO, aponta, pela primeira vez, as nações que mais avançaram nos últimos 12 anos, a partir do ano 2000.
Ou seja, não significa que os países à frente do Brasil no levantamento sejam necessariamente mais desenvolvidos hoje em termos de saneamento, mas, sim, que conseguiram melhorar mais no período analisado.
O estudo mostra inclusive que, no país, houve queda no ritmo da expansão do saneamento. Nos anos 2000, era de 4,6% ao ano. Nesta década, está em 4,1%.
“O país avança, mas é aquém do necessário. Passamos as décadas de 70 e 80 quase sem investimentos, e as cidades cresceram sem qualquer planejamento sanitário. Quando os investimentos começaram, foi criado um abismo, que nos dá dois brasis. Então, hoje, pior do que o avanço ser pequeno é o fato de ele ser desigual”, diz Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, que explica a queda no ritmo de expansão: “Temos melhorado cidades que já estão bem. Mas o Pará tem 2% de coleta de esgoto, é um estado inteiro que não anda.
O Maranhão tem índices de Região Norte, que é a pior do país. Então, mesmo com o avanço do Sul, puxado pelo Paraná, do Sudeste e do Centro-Oeste não foi possível manter ou melhorar o ritmo da expansão.”
Segundo o IBGE, em 2008, quando foi realizada a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), 2.495 (44,8% no total) cidades brasileiras não contavam com rede coletora de esgoto. E, ao todo, 33 municípios não tinham rede geral de abastecimento de água. Publicado em 2011, o Atlas do Saneamento mostrou que o Pará, o Piauí e o Maranhão não tinham avançado desde a PNSB de 1989.
Também em 2011, dados do Ministério das Cidades mostravam que 36 milhões de brasileiros não tinham água tratada e que menos da metade da população — 48,1% — contava com coleta de esgoto. Já o déficit de moradias sem acesso a esgoto, de acordo com o Trata Brasil, era de 26,9 milhões, em 2012.
Déficit de saneamento: Impacto no dia a dia
Esse déficit e o avanço fora da velocidade adequada — ainda que entre 2009 e 2013, mais de 19 milhões de pessoas tenham passado a ter acesso à rede geral coletora de esgoto — têm impactado no dia a dia dos brasileiros em áreas distintas como Saúde, Educação, trabalho e turismo.
De acordo com o estudo, a taxa de mortalidade no Brasil, em 2011, era de 12,9 mortes para 1000 nascidos vivos.
Países com melhor cobertura sanitária, como Cuba e Chile tinham, respectivamente, taxa de 4,3% e 7,8%. Ainda na Saúde, se o país já tivesse universalizado o saneamento, o número de internações por conta de infecções gastrointestinais cairia em 74,6 mil registros. Apenas nas regiões Norte e Nordeste, seriam quase 60 mil. Além disso, por conta de trabalhadores afastados por diarreia e vômito, em 2012, o Brasil teve um custo de mais de R$ 1 bilhão com horas não trabalhadas.
“Quando as pessoas sinalizam em pesquisas de opinião que desejam que a Saúde melhore no país, elas não fazem qualquer ligação com a falta de saneamento. Mas está tudo ligado. Esses dados da pesquisa podem ajudar a entender e a fazer com que a sociedade passe a cobrar também por saneamento. As Nações Unidas já fizeram a conta que mostra que a cada R$ 1 gasto em saneamento, poupa-se R$ 4 em Saúde. O Instituto fez um estudo que revela que no Brasil, em alguns estados, R$ 1 em saneamento poupa R$ 40 em Saúde”, conta Édison Carlos.
Caldeireiro em uma indústria de alimentos em Teresina, no Piauí, Francisco Natanael Romão de Almeida, de 29 anos, vive no Parque Vitória, uma favela construída em área sem saneamento, asfalto ou coleta de lixo. Há dois anos, ele sofreu um acidente de moto e precisou usar um fixador ortopédico externo enquanto aguardava em casa uma vaga no Hospital Getúlio Vargas, na capital, para fazer uma cirurgia no joelho fraturado. Ao ser chamado, os médicos descobriram que Francisco estava como uma infecção. A bactéria que causou o problema é, segundo os médicos, de veiculação hídrica.
Provavelmente, ele foi infectado ao consumir água não tratada, usar banheiro improvisado, além de conviver com o esgoto a céu aberto. Por conta dessa complicação, a operação ainda não foi feita e Francisco está há dois anos afastado do trabalho. Sobrevive com os R$ 729 da Previdência Social.
“Não temos esgoto e água tratada e as casas são cheias de infiltração. Além da bactéria, tenho fortes dores de cabeça e febre e vivo gripado”, conta Francisco, que, mesmo com a perna ainda não operada, tem que passar por uma trilha repleta de sacos plásticos com fezes, restos de alimentos, animais mortos e leite estragado em caixas para chegar em casa. Afastado do trabalho, ele diz não ver a hora de voltar: ”Não é bom a gente ficar sentado em casa, insalubre, só adoecendo constantemente e sem poder trabalhar. Fora que eu recebia hora extra e férias, o que aumentava minha renda.”
Morar numa área sem saneamento, de acordo com o estudo do Instituto Trata Brasil, está correlacionada com rendas menores dos trabalhadores. Os que não têm acesso à água tratada ganham, em média, 4,0% a menos do que os que têm a mesma experiência e educação, por exemplo, e vivem em áreas com água tratada. Se o problema for falta de coleta de esgoto, a questão se agrava ainda mais: em média, esses trabalhadores recebem 10,1% a menos.
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Carolina Benevides e Efrém Ribeiro, no Globo Online
19 de março de 2014
Reinaldo Azevedo
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