O fato não chega a ser propriamente novidade, eis que tanto a chefe da nação como o prefeito da maior cidade do país tomaram seus assentos sem nunca terem se submetido ao sufrágio universal. Coisas novidadeiras numa cultura política escrita com o lápis de caciques e sob a tradição de costumes passados de pais para filhos.
Nos férteis terrenos eleitorais do PT, feitos extraordinários costumam ser creditados ao “feeling” do ex-presidente Lula, que escolhe e impõe nomes ao partido, como ocorreu com a presidente Dilma e o prefeito Haddad. Maior liderança popular e mais forte cabo eleitoral do país, “respirando política pelos poros”, sua vontade é ordem e sua orientação, lei.
Não sobra perfil capaz de contrariá-lo. Pode ser até uma forma menos democrática por privilegiar o recorrente mote: “quem é dono da flauta dá o tom”. Mas, inegavelmente, é medida prática. Afinal de contas, qual o significado desse novo modus faciendi?
Sobressai, primeiro, a sensação de um sopro de renovação na esfera política. Algo como: se a reforma política está emperrada no Congresso, a sociedade, à sua maneira, pavimenta o caminho de novas lideranças. À inércia do poder centrífugo (Legislativo, Executivo) reage o poder centrípeto, a força social organizada, que identifica na planilha de nomes aqueles com capacidade de representar as demandas populares.
OUVIR LOROTAS…
O eleitor se mostra cansado de ouvir as mesmas lorotas. Como ir às urnas respirando os ares poluídos que, há décadas, contaminam os pulmões da República?
E assim as frustrações das camadas sociais vão se acumulando e disparando os mecanismos de cognição dos conjuntos eleitorais. O primeiro movimento é na direção das caras novas no palco da política.
Na parede dos velhos retratos, a atenção se volta para a última foto, a figura desconhecida, o sinal diferenciado no painel da mesmice. Portanto, os dirigentes tirados da cartola por Lula da Silva e os “postes” que tentarão exibir suas luzes nos próximos meses são, na verdade, extensões simbólicas do ciclo que se abre na política por força de uma nova disposição social, cuja inspiração é a de querer romper com velhos paradigmas.
A par dos traços de assepsia política, presentes nos perfis dessa nova geração de dirigentes, o feitio técnico complementa a identidade, a denotar sua agregação à esfera da administração planejada e consequentes programas com foco em prioridades, ações balizadas por critérios racionais e de pouco comprometimento com o populismo eleitoreiro. Esse é o dilema que enfrentam, pois a modelagem técnica das gestões nem sempre resulta em urnas fartas. O consolo é constatar que o voto começa a deixar o coração do brasileiro para chegar à cabeça.
(transcrito de O Tempo)
19 de março de 2014
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