O barraco que parou o Supremo Tribunal Federal na quinta-feira não foi um incidente isolado. O ministro Luís Roberto Barroso apenas expôs em público o que outros juízes da corte já diziam em privado. O incômodo com as práticas de Gilmar Mendes chegou ao limite.
O copo transbordou quando Gilmar abandonou o tema em julgamento para ironizar uma decisão de Barroso em outro processo. Deu-se o seguinte bate-boca: “Não sei para que hoje o Rio de Janeiro é modelo”. “Vossa Excelência deve achar que é Mato Grosso, onde está todo mundo preso”. “E no Rio, não estão?”. “Nós prendemos. Tem gente que solta”.
CASO DIRCEU – Irritado com a lembrança, Gilmar acusou o colega de ter soltado o ex-ministro José Dirceu, que ele próprio libertou há seis meses. Barroso perdeu a paciência e reagiu. Sem quebrar o protocolo, chamou Gilmar de mentiroso (“Vossa excelência normalmente não trabalha com a verdade”), parcial (“Vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu”) e defensor de corruptos (“Não transfira a parceria que vossa excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”).
Barroso também disse que o colega “destila ódio o tempo inteiro” e sugeriu que ele ouvisse “As caravanas”, de Chico Buarque. A letra é um tratado sobre as relações políticas e pessoais no Brasil de 2017.
TRABALHO ESCRAVO – Na semana que precedeu o bate-boca, Gilmar voltou a causar constrangimentos para a imagem do Supremo. Ao defender a portaria escravagista do governo Temer, o ministro declarou que seu trabalho é “exaustivo, mas não escravo”. Ele despacha em gabinete refrigerado, circula em carro oficial com motorista e recebe R$ 33,7 mil por mês.
No dia seguinte, a PF informou que Gilmar trocou 46 ligações criptografadas com o senador Aécio Neves, denunciado por corrupção passiva e obstrução da Justiça. Barroso deve ter pensado nisso ao criticar o “Estado de compadrio” e dizer que “juiz não pode ter correligionário”.
02 de novembro de 2017
Bernardo Mello Franco
Folha
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