"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 30 de maio de 2017

SENADO TENTA FRAUDAR A ELEIÇÃO INDIRETA, EMBORA A LEGISLAÇÃO SEJA MUITO CLARA

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Charge do Glauco (Arquivo Google)
O confusão institucional é tamanha que as notícias políticas necessitam de tradução simultânea em caráter permanente. No debate sobre a sucessão de Temer, por exemplo, os petistas jogam seu último trunfo para salvar Lula da cadeia, ao defenderem uma eleição direta ilegal e impossível. Ao mesmo tempo, os senadores também entram numa aventura jurídica, ao pretenderem alterar as normas legais que regem a eleição indireta em caso de vacância dos cargos de presidente da República e vice-presidente, como ocorrerá quando Michel Temer for afastado de seu mandato.
NA FORMA DA LEI – Não mais que de repente, como diria Vinicius de Moraes, aparece todo tipo de jurista para afirmar que a Lei 13.165, de 2015, mudou as regras e determina que haja eleição direta em caso de vacância dos cargos após o segundo ano do mandato, porque alterou o artigo 224 do Código Eleitoral, nos seguintes termos:
§ 4º – A eleição a que se refere o § 3º (cargos majoritários) correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I – indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato.
À primeira vista, fica parecendo que a eleição do sucessor de Temer teria de ser direta. Mas as aparências enganam. Qualquer estudante de Direito sabe que lei ordinária, complementar ou medida provisória não têm capacidade de alterar norma constitucional – no caso, o artigo 81 da C.F., que está em vigor:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º. Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
O EXEMPLO DO AMAZONAS – Os defensores da eleição direta citam o exemplo do Amazonas, porque no último dia 4, ao cassar o governador e o vice do Amazonas (José Melo e Henrique Oliveira), o Tribunal Superior Eleitoral convocou eleição direta para substituí-los no mandato-tampão até 31 de dezembro de 2018. Mas no caso de presidente e vice-presidente da República, a regra é diferente, porque a Constituição é clara, tem de ser obedecida e a eleição será indireta.
Esta norma da Lei 13.165 é inconstitucional e a Procuradoria-Geral da República já recorreu ao Supremo para suprimi-la. Mas como ainda não houve julgamento no STF, o TSE teve de acatar a mudança e agiu acertadamente no caso das diretas no Amazonas. Enquanto este dispositivo da Lei 13.165 estiver em vigor, tem de ser cumprido. Por isso, quando a vacância ocorre em governos estaduais e municipais, antes de seis meses do final do mandato, o TSE tem de considerar que a eleição será direta, nos termos desta lei idiota, cujo cumprimento só pode ser teórico, porque na prática será impossível cumpri-la.
ELEIÇÕES SIMULTÂNEAS – O fato é que o Congresso cometeu um erro infantil ao aprovar a Lei 13.165. E a presidente Dilma Rousseff, aconselhada pelo então ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, fez pior ainda e sancionou sem vetos a monstruosidade jurídica.
Ninguém lembrou que não se podem realizar eleição direta de afogadilho, é preciso respeitar imposições e prazos legais. Primeiro, a Justiça Eleitoral tem de convocar convenções para os partidos escolherem candidatos. Depois que isso ocorrer, a Justiça Eleitoral então estabelece o período de propaganda gratuita no rádio e televisão, enquanto são preparadas as seções eleitorais, convocados os mesários etc.
Tudo isso leva tempo, e ainda há a possibilidade de segundo turno, com uma nova votação, também  antecedida de campanha no rádio e TV, um mês depois. Isso significa que, dependendo da época em que ocorrer a vacância, na forma desta lei ridícula pode ser necessário promover duas eleições diretas simultâneas – uma para o mandato-tampão que está terminanado e a outra para o mandato seguinte que ainda vai começar. É uma lei idiota ou não? Imediatamente deveria ter sido declarada inconstitucional, mas quem se interessa?
GOLPE DO SENADO – No meio dessa confusão, mais uma gracinha jurídica. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), pretende que a eleição indireta seja feita em duas etapas, primeiro na Câmara, depois no Senado. É mais uma maluquice, não existe esse tipo de eleição dividida. O Regimento do Congresso determina que toda votação é conjunta. Além disso, esta obrigatoriedade é reforçada pela legislação sobre eleição indireta (Lei 4.321, de 1964), que continua em vigor, e foi com base nela que se fez a eleição de Tancredo Neves em 1985, sem problema algum.
O senador Eunício Oliveira é despreparado e patético. Sua assessoria diz que ele “delegou técnicos do Senado a definição de regra que preveja votações separadas, dando equivalência às duas Casas”, vejam como a ignorância, o amadorismo e a pretensão se acasalam despudoradamente na política.
Como se constata, os senadores sonham em comandar a eleição do sucessor de Temer, mesmo tendo apenas 81 votos, enquanto a Câmara tem 513. É evidente que o tiro vai sair pela culatra, porque a manobra dos senadores está causando revolta aos deputados, uma circunstância que fortalece ainda mais a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ),  e salve-se quem puder!
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PS – A armação urdida pelos senadores faz lembrar um personagem de Fernando Sabino, que costumava dizer: “Vale tudo, só não vale cagar regra”. (C.N.) 

30 de maio de 2017
Carlos Newton

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