Aquele 7 a 1 que a Alemanha impôs ao Brasil na Copa da Mundo de 2014 se tornou símbolo de derrota. Vergonhosa derrota. Uma surra. É um placar estigmatizado que serve para retratar o resultado de qualquer confronto, quando se busca saber quem foi o vencedor em qualquer campo da atividade humana. Ontem, foi a vez da presidente Dilma se defender. Em seu nome e na sua representação apresentou-se o Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, que entregou defesa escrita à Comissão Especial do Impeachment e fez sustentação oral. Cardozo tem voz firme, fala com desenvoltura, é culto e parece transmitir segurança no que diz.
Mas quando a causa é ingrata, não é boa, nem o saber, a habilidade e a versatilidade dos advogados podem fazer milagres. Cardozo até que tentou, sem conseguir. Isso já não aconteceu semana passada, quando a advogada e professora de Direito Penal da USP, Janaína Paschoal, falou à mesma Comissão. Além do talento, do desembaraço e da facilidade de exposição, Janaína convenceu. A causa era boa. Os fatos eram incontroversos. E o Direito estava ao seu lado. Cardozo fez retórica. Janaína, não.
A DEFESA QUE FEZ CARDOSO
Após abordar conceitos e fundamentos da Ciência Penal e do Direito Constitucional, Cardozo começou atacando Eduardo Cunha, desqualificando-o. Foi inútil enveredar por este caminho. A questão gira em torno da competência e da atribuição constitucional para receber denúncia contra a presidente da República. E ambas são do presidente da Câmara dos Deputados, seja um santo, seja um pecador.
Depois, Cardozo considerou inepta a petição da denúncia, não porque a peça teria desatendido aos pressupostos legais visando o desenvolvimento válido e regular do processo. Não foi nada disso. Para Cardozo, a petição era inepta porque seus subscritores se viram obrigados a comparecer diante da Comissão para, digamos, emendar a peça!
Não, ministro Cardozo. Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior foram lá convidados. Eles não se ofereceram. Foi a Comissão que os chamou para ouvi-los. E no dia seguinte também foram ouvidos o ministro da Fazenda e um professor de Direito Tributário da UERJ, estes em defesa da acusada. Cada um dos quatro que foram chamados teve 30 minutos para falar à Comissão. Logo, não ocorreu desequilíbrio de tratamento.
Comissão Especial de Impeachment tem o poder e a prerrogativa de “proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia”, como consta no artigo 20 da Lei nº 1079/50. Convocar uma ou ambas as partes é ato diligencial.
IGUALDADE DE TRATAMENTO
Tratamento desigual houve, sim, em benefício da presidente-denunciada. Cardozo, seu defensor, além de entregar a defesa escrita, falou à Comissão por duas horas seguidas, que somadas aos 30 minutos que o ministro da Fazenda e o professor da Uerj tiveram cada um e utilizaram em defesa da presidente, totalizam três horas de sustentação oral, contra apenas uma hora (meia hora para Janaína e meia hora para Miguel Reale Júnior). Foi ou não foi?
E mais: Cardozo também desaprovou a convocação e oitiva dos professores Miguel Reale e Janaína Paschoal, desta vez porque Dilma, a denunciada não foi intimada. Mas Cardozo silenciou a respeito da convocação e oitiva do ministro da Fazenda e do professor da UERJ, sem que Dilma também não tivesse sido intimada!!
O CERNE DA QUESTÃO
O ponto central é o seguinte: a presidente Dilma ordenou, autorizou ou realizou operação de crédito interno, sem prévia autorização legislativa? Dilma também ordenou ou autorizou a assunção de obrigação nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato, cuja despesa não tenha sido paga no mesmo exercício financeiro, ou caso tenha restado parcela a ser paga no exercício seguinte, não existiu contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa? Às duas indagações as respostas são positivas. E presidente da República que assim procede, comete crimes contra as finanças, conforme dispõem os artigos 359-A e 359-C do Código Penal. As penas são de reclusão de 1 a 2 anos.
Tudo isso foi muito bem explicado pela doutora Janaína Paschoal, que também demonstrou que a Lei Complementar nº 101/2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, não se aplica apenas a prefeitos e governadores. O presidente da República é também o destinatário desta lei. A conferir: “Artigo 1º, parágrafo 2º – As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”.
E o artigo 36 da LC 101/2000 é bastante claro ao dizer que “é proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.
AÇÃO MANU MILITARI
E foi justamente isso que Dilma fez. Sem autorização do parlamento apanhou dinheiro na CEF, no BB e no BNDES e não quitou o débito. Se apanhar o dinheiro jamais poderia, deixar de quitar o débito é considerável agravante. O ministro Cardozo também defendeu que isso, além de ser uma prática em governos anteriores, tanto não constituía empréstimo nem operação de crédito e ainda citou um exemplo impróprio e esquisito, ao comparar um patrão que no final do mês não paga o salário de seu empregado. E indagou: “este patrão tomou dinheiro emprestado do empregado?”, fazendo crer que as situações são equivalentes. Não são.
No tocante à alegada habitualidade dessa prática, tanto não justifica nem exclui o crime. Quanto ao patrão, este é mero devedor de dívida trabalhista. Já o governo federal, que detém mais de 50% das ações daqueles três bancos, agiu manu militari. Ou seja, à força, às escondidas e sem enfrentar resistência, se apropriou de dinheiros daqueles bancos, deles fez uso e depois não pagou. Se isso não é roubo é furto. Ou apropriação indébita. É golpe e é calote.
E mais: sustentar, como sustentou Cardozo, que as requisições de recursos vinham de todos os lados, “inclusive do TST e do TCU” e por isso não poderiam ser negadas, ainda que ao arrepio da lei, é confessar que a presidente Dilma é ainda muito mais responsável, por não ter recusado as requisições.
CORRESPONSABILIDADE (REFLEXA)
E por fim, saiba o ministro Cardozo que “não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição” é crime contra a probidade na administração. imputável ao presidente da República, conforme se lê no artigo 9º, nº 3, da Lei nº 1079/50.
Daí porque a presidente Dilma, independentemente da existência ou não do dolo, é também responsabilizada criminalmente, mesmo que não tenha sido ela a autora da(s) prática(s) delituosa(s). Diz-se isso porque ontem o ministro Cardozo repetiu várias vezes que a responsabilização da presidente dependia sempre do dolo – e não, da mera culpa. E que Dilma não poderia ser responsabilizada por atos de seus subordinados.
Para finalizar: o placar ontem foi Janaína Paschoal 7 X 1 Dilma Rousseff. Para o leitor que desejar rever a doutora Janaína Pachoal diante da comissão aqui vai o endereço para ser acessado
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