"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 23 de março de 2016

DOMÍNIO DE FATO


Especulações e mais especulações tentaram retirar a importância do mensalão baseado na teoria DO fato baseada em estudos provenientes da Alemanha,no entanto os acontecimentos do petrolão tornaram mais sólida a construção de novos paradigmas na percepção da verdade real.

O entrelaçamento de diversos institutos jurídicos se incorporam como sinais exteriores de riqueza, ganhos incompatíveis com o patrimônio e do ponto de vista do direito não é apenas o título que corporifica uma típica relação de propriedade. Podemos com exatidão verificar que o escopo de ter a posse como fonte de uso,fruição é a mais plena demonstração dessa realidade e supera inclusive o papel registrado no cartório imobiliário.

Pondera-se que a circunstância presente permite incidência da teoria do Domínio de fato, a significar que movimentações, constatações e demais elementos estão a comprovar que não há rota de fuga para evidencias tão contundes.Essa montanha de dinheiro que circulou no petrolão é visível e tem uma dimensão peculiar,no Brasil e no exterior,assim a veemente incompatibilidade entre o ganho da remuneração e o respectivo patrimônio sustenta uma ilegalidade sob a esfera do direito penal e de conotação do ilícito tributário.

Muitos investigados e acusados ostentam essa especificidade. Alegam que não são donos, ou proprietários, que apenas conhecem os titulares e frequentavam com o espírito de lazer. Quadros, obras de arte e volumes e mais volumes de riquezas não compatíveis com os salários recebidos, tudo capaz de causar indignação e dúvida no espírito de como a riqueza fora arquitetada e construída em pouco espaço de tempo, sem qualquer declaração perante a receita federal, mas quando se passa um pente fino é francamente exposta a fragilidade do argumento e da plausibilidade de uma contradição não apenas aparente mas reluzente.

Quem não tem o domínio sobre a coisa não escolhe o modelo de revestimento, o uso de equipamentos ou bens, a privacidade da colocação de um elevador, enfim esses detalhes macro superam a fragilidade da tese no sentido de que estando o bem registrado em nome de terceiro não haveria contaminação entre o dinheiro decorrente do ilícito e o usufruir da propriedade.

Ledo engano. Quando os fatos se consubstanciam nos benefícios advindos vamos encontrar um circulo vicioso, eis que a dinheirama vinda das estatais alimentava obras que por sua vez sustentavam campanhas e partidos políticos. Quando a autoridade ou não que é investigada não consegue driblar o circuito ou arrefecer o clima de desconfiança algo de errado e de muito grave se observa.

Na meticulosa apuração dos fatos há um domínio de fato dos envolvidos em relação aos bens imóveis,carros luxuosos,obras suntuosas,quadros de renomadas galerias,e também em espécie milhões depositados no exterior. Quando se tenta desvencilhar da imputação, ao argumento de uma mais valia proveniente da amizade nos fatos não se sustentam, em definitivo.

O grande erro da operação mãos limpas foi ter aberto o leque das investigações e depositado fé que a política mudaria, e mudou sim mas para pior. A radiografia que se faz no Brasil, infelizmente, não é diferente, há uma enorme e incontida vontade da sociedade de mudança, mas a blindagem política é um iceberg que esbarra na concretude das medidas.

Enquanto não refizermos a representatividade, o modelo partidário, a discussão sobre financiamento de campanha, continuaremos a envelhecer na política. O enorme e profundo abismo que separa a população dos políticos está pela falta de renovação dos quadros, da forma de entrada na agremiação e no custo elevado da campanha. Todos os instrumentos adotados para romper com a corrupção são valiosos, mas sem uma alteração radical do sistema político partidário, os esforços tenderão a se perder no tempo e no espaço,pois não há democracia de voto obrigatório, de propaganda eleitoral obrigatória, e do distanciamento fundamental entre o eleitor e o eleito, principalmente após a eleição,sem prestação de contas ou sentido do espírito público.

As cortes eleitorais precisam funcionar constantemente, os políticos, anualmente, mandarem suas declarações de rendimentos, e as grandes obras perderem o sem prazo determinado de entrega, por meio de contrato de seguro que separe empresa do governo.

Temos muito pela frente para aprimorar e aperfeiçoar o sistema, mas uma coisa é absolutamente certa e verdadeira a sociedade civil precisa vigiar, fiscalizar e praticar uma política de alto nível na qual deixa claro e transparente quais são os rumos do presente e os horizontes do futuro para fortalecimento das instituições e sobretudo da democracia.



23 de março de 2016
Carlos Henrique Abrão, Doutor em Direito pela USP, é Desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo.

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