"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

TRÁGICO TANGO ARGENTINO

A versão muitas vezes repetida pode parecer fato. Mas a mudança de patamar requer coerência na narrativa. Protagonistas, antagonistas, espaço, tempo, peripécias precisam se articular de tal forma que deem a impressão de verdade. Mais do que a história, leva-se em consideração o jeito de contá-la. Trata-se da lógica interna. O assunto, corriqueiro na teoria da literatura, nem sempre impera na política.

É o que se deduz da reação da presidente argentina ao se confrontar com os acontecimentos que envolveram a morte do promotor Alberto Nisman. Cristina Kirchner apresentou interpretações que rivalizam com dramas de ficção mexicanos. Ele apareceu morto, em 18 de janeiro, no apartamento em que morava em Buenos Aires. Um tiro na cabeça lhe roubou a vida.

Os fatos que antecederam a tragédia levantaram a suspeita de homicídio. Poucos dias antes, Nisman tinha acusado a mandatária, o chanceler Hector Timerman e outros dirigentes da administração pública de encobrir a participação de iranianos e do movimento xiita libanês Hezbollah no atentado ocorrido na capital portenha contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia) em 1994. Na ocasião, 85 pessoas morreram.

Em texto postado no Facebook, Cristina se antecipou às investigações da polícia e apresentou o próprio veredicto. Disse se tratar de suicídio. A realidade teimou em contrariá-la. Em nova investida, depois de manifestações que tomaram as ruas de Buenos Aires, ela admitiu a hipótese aceita por 90% da população - assassinato. As suspeitas recaíram imediatamente sobre a Casa Rosada.

A presidente é contraditória nas reações. Primeiro afirmou que tudo não passava de armação contra ela. Depois, admitiu que os responsáveis seriam serviços de inteligência do governo argentino. As desconfianças se acentuaram quando a presidente extinguiu o órgão (depois da morte de Nisman) e criou um que supõe possa controlar.

O novo promotor do caso acusou as mesmas autoridades apontadas pelo antecessor. A questão mais relevante é encontrar o responsável e jogar luz sobre o episódio que poderá ter reflexos na eleição presidencial de 27 de outubro próximo. É importante saber se o gatilho foi puxado por pessoa ou entidade.

Não só. Urge esclarecer a causa do crime ocorrido às vésperas em que o promotor iria ao Congresso falar sobre o atentado que investigava desde 2004. Trata-se de mais um ingrediente explosivo no cambaleante governo de Cristina Kirchner - um drama a mais no trágico tango argentino.

15 de fevereiro de 2015
Editorial Correio Braziliense

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