Extremamente preocupado com o andar da carruagem e cético quanto à possibilidade de que a presidente Dilma Rousseff aprenda a fazer política e a governar, Luiz Inácio Lula da Silva está entrando em campo para tentar salvar o projeto de poder que é a razão de sua existência política. A decisão do ex-presidente da República implicou a liberação, para o núcleo mais íntimo de suas relações, da notícia de que ele é, de fato, candidato à sucessão presidencial em 2018.
Quando Lula entra em cena, já se sabe o que esperar: uma extraordinária capacidade de comunicação, um enorme carisma e um raro dom de empatia, instrumentando o populismo e a megalomania que compõem a sua personalidade. Lula se considera acima do bem e do mal. Entende que, com uma carreira política vitoriosa que superou todos os obstáculos, desde sua origem humilde, conquistou o direito de seguir um código de ética próprio, flexibilizado por doses cavalares de pragmatismo. Compensa deficiências de instrução formal com uma mente ágil e sensibilidade política deliberadamente dirigidas para as questões sociais, das quais se autoproclama o maior e indisputado defensor.
Ninguém é infalível, porém. E Lula errou feio ao usar seu prestígio popular para eleger a candidata que escolheu para suceder-lhe na Presidência da República. Desse equívoco ele está com toda a certeza amargamente arrependido, principalmente a partir do momento em que se deu conta de que o "poste" adquiriu vida própria e tem sido capaz de cometer os mais desastrosos erros na condução do governo.
Lula deu o primeiro passo ostensivo na missão que se impôs de salvar o PT - ou a si próprio, o que para ele dá no mesmo - na festa de comemoração dos 35 anos do partido, em Belo Horizonte. Na presença de sua sucessora, começou por incorporar a personagem do pai severo e passou um enorme pito nos correligionários. Como se não tivesse absolutamente nada a ver com isso, acusou o PT de ter-se tornado "cada vez mais um partido igual aos outros". E teve a paciência de explicar o que queria dizer: "Cada vez mais deixando de ser um partido de base para se transformar num partido de gabinete".
E foi implacável com aqueles petistas que dizem o que ele diz e fazem o que ele faz: "Estão cada vez mais preocupados em se manter nos cargos. E essa é a origem dos vícios da militância paga". O que leva à conclusão inescapável de que, para Lula, "militância paga" é aquela que desfruta, em cargos públicos, à custa do contribuinte, a retribuição por sua dedicação ao partido. Uma prática que também costuma ser chamada de aparelhamento do Estado.
Lula também não deixou de fazer coro à indignação dos companheiros pela forma como o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, foi conduzido coercitivamente - depois de se ter recusado a abrir a porta de casa para os policiais - ao interrogatório sobre seu envolvimento com o escândalo da Petrobrás. Afinal, Vaccari cuida de assuntos transcendentais e não pode ser tratado como qualquer do povo.
Mas a especialidade do grande líder continua sendo fazer-se - e ao PT - de vítima. "Eles", sempre "eles", "trabalham com a convicção de que é preciso criminalizar o partido, não importa se é verdade ou não é verdade."
Mas em outra de suas especialidades, o cinismo, Lula também se esmerou no palanque da capital mineira, sob os aplausos da companheirada. Garantiu que a oposição "não tem autoridade para atacar o governo", saindo-se com uma delirante versão sobre quem são os responsáveis pela corrupção na Petrobrás e pela encrenca administrativa e financeira em que a empresa foi metida: "Não se incomodam (a oposição) do prejuízo que causaram à Petrobrás e ao Brasil. Eles vão prestar contas à história". Pois é: a responsabilidade pelas desventuras da Petrobrás é toda da oposição.
Essa performance de Lula dá uma ideia de até que ponto ele está disposto a ir na campanha presidencial que acaba de inaugurar prematuramente. Resta saber se a repetição de truques velhos engabelará de novo um povo que sofre com os desmandos administrativos e os desastres econômicos causados pelo lulopetismo.
15 de fevereiro de 2015
Editorial O Estadão
Quando Lula entra em cena, já se sabe o que esperar: uma extraordinária capacidade de comunicação, um enorme carisma e um raro dom de empatia, instrumentando o populismo e a megalomania que compõem a sua personalidade. Lula se considera acima do bem e do mal. Entende que, com uma carreira política vitoriosa que superou todos os obstáculos, desde sua origem humilde, conquistou o direito de seguir um código de ética próprio, flexibilizado por doses cavalares de pragmatismo. Compensa deficiências de instrução formal com uma mente ágil e sensibilidade política deliberadamente dirigidas para as questões sociais, das quais se autoproclama o maior e indisputado defensor.
Ninguém é infalível, porém. E Lula errou feio ao usar seu prestígio popular para eleger a candidata que escolheu para suceder-lhe na Presidência da República. Desse equívoco ele está com toda a certeza amargamente arrependido, principalmente a partir do momento em que se deu conta de que o "poste" adquiriu vida própria e tem sido capaz de cometer os mais desastrosos erros na condução do governo.
Lula deu o primeiro passo ostensivo na missão que se impôs de salvar o PT - ou a si próprio, o que para ele dá no mesmo - na festa de comemoração dos 35 anos do partido, em Belo Horizonte. Na presença de sua sucessora, começou por incorporar a personagem do pai severo e passou um enorme pito nos correligionários. Como se não tivesse absolutamente nada a ver com isso, acusou o PT de ter-se tornado "cada vez mais um partido igual aos outros". E teve a paciência de explicar o que queria dizer: "Cada vez mais deixando de ser um partido de base para se transformar num partido de gabinete".
E foi implacável com aqueles petistas que dizem o que ele diz e fazem o que ele faz: "Estão cada vez mais preocupados em se manter nos cargos. E essa é a origem dos vícios da militância paga". O que leva à conclusão inescapável de que, para Lula, "militância paga" é aquela que desfruta, em cargos públicos, à custa do contribuinte, a retribuição por sua dedicação ao partido. Uma prática que também costuma ser chamada de aparelhamento do Estado.
Lula também não deixou de fazer coro à indignação dos companheiros pela forma como o tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, foi conduzido coercitivamente - depois de se ter recusado a abrir a porta de casa para os policiais - ao interrogatório sobre seu envolvimento com o escândalo da Petrobrás. Afinal, Vaccari cuida de assuntos transcendentais e não pode ser tratado como qualquer do povo.
Mas a especialidade do grande líder continua sendo fazer-se - e ao PT - de vítima. "Eles", sempre "eles", "trabalham com a convicção de que é preciso criminalizar o partido, não importa se é verdade ou não é verdade."
Mas em outra de suas especialidades, o cinismo, Lula também se esmerou no palanque da capital mineira, sob os aplausos da companheirada. Garantiu que a oposição "não tem autoridade para atacar o governo", saindo-se com uma delirante versão sobre quem são os responsáveis pela corrupção na Petrobrás e pela encrenca administrativa e financeira em que a empresa foi metida: "Não se incomodam (a oposição) do prejuízo que causaram à Petrobrás e ao Brasil. Eles vão prestar contas à história". Pois é: a responsabilidade pelas desventuras da Petrobrás é toda da oposição.
Essa performance de Lula dá uma ideia de até que ponto ele está disposto a ir na campanha presidencial que acaba de inaugurar prematuramente. Resta saber se a repetição de truques velhos engabelará de novo um povo que sofre com os desmandos administrativos e os desastres econômicos causados pelo lulopetismo.
15 de fevereiro de 2015
Editorial O Estadão
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