Mamãe, eu quero. Neste carnaval eu vou é me acabar. Não adianta vir com mimimi nem quaquaquá, porque ninguém me segura. Vou sair num bloco aí qualquer. As ruas do Rio de Janeiro estão cheias deles. Só preciso escolher um. Mas qual?
Pego o jornal e percorro com os olhos a lista interminável de blocos, todos devidamente aprovados, com dia, hora e trajeto bem definidos pela prefeitura. Brasileiro é bom nisso. Quando os homens resolvem trabalhar, fazem tudo direitinho e com bastante antecedência. Primeiro, organizam a bagunça. Depois, deixam a turma se esbaldar na esbórnia triunfal. Mamãe, eu também quero!
Mas agora tenho que me concentrar na minha escolha. Qual será o bloco que mais tem a ver comigo neste carnaval? São tantas as opções! Decido escolher pelo nome. Vamos lá.
Logo de início, o que mais me chama a atenção é a vulgaridade dos nomes estilo Zorra Total: Perereka sem Dono, Cutucano Atrás, É Mole Mas Estica, É Pequeno Mas Vai Crescer, Balança Meu Catete, Encosta Que Ele Cresce, Rola Preguiçosa Tarda Mas Não Falha. No começo, até acho graça. Mas são tantos os blocos com nomes desse tipo que, de repente, tudo me parece repetitivo, cansado.
Nomes que antes me pareciam supercriativos passam a ser tão estimulantes quanto um copo de cerveja choca.
Nomes menos apelativos mas com senso de humor quase infantil me fazem rir mais: Virilha de Minhoca, Puxa Que É Peruca, Nunca Mais Bebo Ontem e Me Beija Que Sou Cineasta.
Volto a examinar a lista.
Acho simpáticos os blocos que escolhem nomes para homenagear seus próprios bairros, como o Eu Choro Curto Mas Rio Comprido e o Largo do Machado Mas Não Largo da Cerveja. Só que eu não moro nem lá, nem cá. Preciso de uma identificação maior com o meu bloco. Continuo a busca.
Vejo que lá em Bangu tem um bloco cujo nome traduz uma humildade inexplicável: Meia Dúzia de Gatos Pingados. Tô fora.
No Humaitá, batizaram um bloco com um nome que não parece prometer grande coisa: Bloco de Segunda. OK, entendi, o bloco sai na segunda-feira de carnaval. Mas, mesmo assim, acho o nome meio desanimado.
Se eu for lá e não gostar, a turma da rua Marques pode até rir da minha ingenuidade e me dizer: “A gente bem que te avisou!”.
Nomes menos inspirados que esses são os da “categoria hospitalar”. Sim, por incrível que pareça, eles existem! Em Campo Grande, criaram um bloco chamado Geriatria e Pediatria. Por mais que me garantam que este seja um bloco animadíssimo, prefiro não pagar para ver. E a Banda dos Inválidos, que sai na Lapa? Sei não, acho que preferiria engrossar as fileiras solidárias do Senta que Eu Empurro, que desfila no mesmo dia no Catete.
Alguns nomes são até poéticos, como o Céu na Terra de Santa Teresa. E tem também aquele bloco do Leblon que inovou em grande estilo, substituindo a exaltação dos prazeres carnais pela mineralidade de um só nome, très minimalista-chic: Areia. Mas nenhum desses nomes conseguiu me cativar este ano.
Confesso que tenho uma queda pelos blocos que homenageiam com singeleza os velhos tempos do carnaval carioca. É o caso do Cordão do Boitatá, Maracangalha e Gigantes da Lira.
Também sempre gostei de nomes ingenuamente convidativos, como Simpatia É Quase Amor, Só Falta Você! e Acorda e Vem Brincar.
Mas neste começo de 2015 tenho que encarar a realidade que nos cerca. Sinceramente, não me sinto muito para brincadeira, amor ou simpatia. Quero mais, mamãe.
Enfim decido concentrar minha escolha em alguns blocos que selecionei para integrar aquilo que resolvi chamar de “categoria política”. Os nomes me fascinam: Tamo Junto In Folia, Desliza na Justiça, Fogo na Cueca. Poucos me dizem tanto quanto o Nem Muda Nem Sai de Cima.
Finalmente, sem maiores folias, elejo o meu bloco – aquele cujo nome mais bem reflete o estado de espírito em que me encontro neste fevereiro. É o Ai, que vergonha!
Assim mesmo, com ponto de exclamação e tudo.
O bloco da comunidade da Rocinha desfila dia 21 na praia de São Conrado, com seus mil integrantes.
É pra lá que eu vou, mamãe. Preciso soltar o grito que está preso na minha garganta no meio da multidão.
15 de fevereiro de 2015
José Horta Manzano, Brasil de longe
(*) Monica Pinheiro é jornalista. Edita e anima o Blog da Monipin.
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