No mundo de Pollyanna, todas as pessoas são boas e o mundo é o melhor possível. Basta que se saiba cativá-las, dialogar com elas e descobrir o melhor de cada uma. Quando se vê numa situação vexatória ou humilhante, joga o “jogo do contente”, que procura tirar o melhor de cada situação: trancafiada num sótão, fica feliz por poder ver os passarinhos. Adotar essa atitude em face de problemas e de casos concretos pode ser sinônimo de fuga da realidade, de visão imatura ou distorcida — a síndrome de Pollyanna.
A nova orientação do Tribunal Superior Eleitoral parece caminhar nesse sentido. Desde que os partidos apresentem apenas suas propostas e a propaganda seja propositiva, a campanha seria mais elevada e ganharia a democracia. Porém, para que uma democracia seja vitoriosa, não é importante que uma campanha seja verdadeira, que vá na profundeza das coisas, que investigue os perfis de quem se apresenta para dirigir os destinos da nação? Ora, propaganda eleitoral nada mais é do que o amplo exercício da liberdade de expressão pelos partidos e candidatos.
Como já pacificado na Suprema Corte americana, no Tribunal Constitucional Federal alemão e no próprio Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão é constitutiva da democracia e goza de especial preferência quando trata de manifestar uma dissidência ou de expor uma crítica áspera ao trato da coisa pública. Quando do conflito com o direito à honra em questões eleitorais, referem os alemães existir uma “superpresunção” em favor da liberdade de expressão.
O argumento do TSE não convence. O fato de a propaganda ser custeada com os impostos dos brasileiros não é motivo para que retrate apenas propostas. Longe disso, o compromisso da propaganda deve ser também com a busca da verdade, inclusive sobre aspectos pessoais dos candidatos. Havendo prevalência do direito à honra, concede-se o direito de resposta e cassa-se a propaganda específica.
Dizem que não caberia ao eleitor conhecer características pessoais do candidato. Será? Não é importante saber como a(o) presidente reagiria num momento de pressão, por exemplo, diante de manifestações populares, de uma tentativa de golpe de Estado, da chantagem de um congressista ou de uma invasão estrangeira?
Como se comporta em face de uma imprensa crítica? Mandará a PF invadir a Redação de um jornal, como fez Collor em seu mandato?
Quando o eleitor tem previamente filtrado por um tribunal aquilo a que ele deve assistir, esmaece o sentido da democracia. Oxalá o TSE, com o alto grau de formação e conhecimento de seus ministros, reveja com urgência essa insólita jurisprudência sobre propaganda eleitoral.
Sob pena de os eleitores, tal como Pollyanna para fugir da realidade, terem que jogar o “jogo do contente”, numa democracia e num estado de direito de fachada.
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