Triste é o país no qual se tem que explicar ao ministro da Justiça o que ele não deve fazer, porque é institucionalmente inadequado. Ele não pode receber a portas fechadas, no seu gabinete, advogados de pessoas que estão sendo investigadas pela Polícia Federal, que ele comanda. Se o faz, parecerá aos comandados uma desautorização e, aos cidadãos, que haveria um acerto de gabinete.
Não repetirei, por ocioso, o ideal da redundância entre ser e parecer da mulher de César. A autoridade deve ser e parecer respeitosa das instituições porque assim funciona na democracia.
O ministro José Eduardo Cardozo deveria evitar no futuro quaisquer encontros com advogados das partes em litígio com o Estado, porque simplesmente ele não é a instância. Se, por acaso, algum advogado acha que o seu cliente está sendo maltratado ou não tem tido seus direitos respeitados, ele tem um endereço certo para ir: aos tribunais. À Justiça, pode-se recorrer até de eventuais excessos da própria Justiça. Eis aí a beleza do Estado de Direito. Para investigados por supostos crimes na democracia, não há caminhos alternativos, atalhos, conversas de bastidores que passem pelo poder Executivo.
Na ditadura, da qual o ministro parece ter apenas vaga lembrança, direitos não eram respeitados. Os mais mínimos direitos. Por isso é que os familiares tentavam contatar quem pudessem dentro do aparelho de Estado à busca de informações sobre os seus ou caminhos de proteção do prisioneiro desprovido de garantias individuais. Procuravam-se os atalhos, porque não havia caminhos. Por isso, a afirmação que o ministro fez, de que recriminá-lo por receber os advogados dos suspeitos é coisa da época da ditadura, parece tão sem pé nem cabeça. Naquela época, conhecer um ministro poderia significar a informação sobre a vida ou sobre a morte de um ente querido.
Hoje, as instituições funcionam, felizmente. A Polícia Federal prendeu, levou para depor ou fez busca e apreensão de documentos obedecendo estritamente as ordens da Justiça. Está interrogando dentro das normas legais do país. O Ministério Público está fazendo seu papel de forma autônoma. A Justiça cumpre igualmente seus deveres constitucionais. Não há nada fora da ordem. E se, por acaso, tivesse havido algo anormal, o caminho para a solução do problema não seria o do gabinete do ministro.
O que podem querer, com o ministro da Justiça, os advogados dos investigados pela operação Lava-Jato? Falar de amenidades? Conversar sobre a conjuntura internacional? O único assunto provável neste momento é o que todos suspeitamos. E isso não é eficaz na defesa dos seus clientes. Porque se uma conversa com o ministro mudar algo, ou alguma informação for passada aos defensores, estaríamos diante de uma grave perturbação da ordem.
Mas o espantoso é que mesmo diante da polêmica, o ministro e seu partido - que, ademais, tem o seu tesoureiro sob suspeição por ter sido citado pelos envolvidos - ainda não entenderam o que houve de errado no encontro. Pode-se acreditar que a conversa não produziu qualquer consequência, que dela não tenha decorrido um ato ministerial que atrapalhe as investigações, mas pense o senhor ministro o que se passa na cabeça de um delegado? Ele pode se sentir constrangido no seu trabalho ao saber que o seu interrogado tem acesso, através do advogado, ao chefe de todos os policiais federais. Tomara que não se sinta constrangido porque do seu trabalho, desempenhado de forma tecnicamente correta, depende o bom andamento de investigação relevante para o futuro do país.
Por isso, o ministro deve-se abster de ter esses encontros. É, de fato, triste que tudo tenha que ser explicado, porque já deveria ser bastante sabido neste trigésimo aniversário da Nova República. A democracia tem rituais que devem ser estritamente seguidos. Autoridades prestam contas dos seus atos quando há dúvidas sobre eles. Evitam conflitos de interesse como, por exemplo, o que pode haver num encontro com advogados de pessoas que estão neste momento sendo investigados pela Polícia Federal. E se o ministro estiver amanhã julgando esse caso na Suprema Corte? O encontro foi definitivamente inconveniente.
Não repetirei, por ocioso, o ideal da redundância entre ser e parecer da mulher de César. A autoridade deve ser e parecer respeitosa das instituições porque assim funciona na democracia.
O ministro José Eduardo Cardozo deveria evitar no futuro quaisquer encontros com advogados das partes em litígio com o Estado, porque simplesmente ele não é a instância. Se, por acaso, algum advogado acha que o seu cliente está sendo maltratado ou não tem tido seus direitos respeitados, ele tem um endereço certo para ir: aos tribunais. À Justiça, pode-se recorrer até de eventuais excessos da própria Justiça. Eis aí a beleza do Estado de Direito. Para investigados por supostos crimes na democracia, não há caminhos alternativos, atalhos, conversas de bastidores que passem pelo poder Executivo.
Na ditadura, da qual o ministro parece ter apenas vaga lembrança, direitos não eram respeitados. Os mais mínimos direitos. Por isso é que os familiares tentavam contatar quem pudessem dentro do aparelho de Estado à busca de informações sobre os seus ou caminhos de proteção do prisioneiro desprovido de garantias individuais. Procuravam-se os atalhos, porque não havia caminhos. Por isso, a afirmação que o ministro fez, de que recriminá-lo por receber os advogados dos suspeitos é coisa da época da ditadura, parece tão sem pé nem cabeça. Naquela época, conhecer um ministro poderia significar a informação sobre a vida ou sobre a morte de um ente querido.
Hoje, as instituições funcionam, felizmente. A Polícia Federal prendeu, levou para depor ou fez busca e apreensão de documentos obedecendo estritamente as ordens da Justiça. Está interrogando dentro das normas legais do país. O Ministério Público está fazendo seu papel de forma autônoma. A Justiça cumpre igualmente seus deveres constitucionais. Não há nada fora da ordem. E se, por acaso, tivesse havido algo anormal, o caminho para a solução do problema não seria o do gabinete do ministro.
O que podem querer, com o ministro da Justiça, os advogados dos investigados pela operação Lava-Jato? Falar de amenidades? Conversar sobre a conjuntura internacional? O único assunto provável neste momento é o que todos suspeitamos. E isso não é eficaz na defesa dos seus clientes. Porque se uma conversa com o ministro mudar algo, ou alguma informação for passada aos defensores, estaríamos diante de uma grave perturbação da ordem.
Mas o espantoso é que mesmo diante da polêmica, o ministro e seu partido - que, ademais, tem o seu tesoureiro sob suspeição por ter sido citado pelos envolvidos - ainda não entenderam o que houve de errado no encontro. Pode-se acreditar que a conversa não produziu qualquer consequência, que dela não tenha decorrido um ato ministerial que atrapalhe as investigações, mas pense o senhor ministro o que se passa na cabeça de um delegado? Ele pode se sentir constrangido no seu trabalho ao saber que o seu interrogado tem acesso, através do advogado, ao chefe de todos os policiais federais. Tomara que não se sinta constrangido porque do seu trabalho, desempenhado de forma tecnicamente correta, depende o bom andamento de investigação relevante para o futuro do país.
Por isso, o ministro deve-se abster de ter esses encontros. É, de fato, triste que tudo tenha que ser explicado, porque já deveria ser bastante sabido neste trigésimo aniversário da Nova República. A democracia tem rituais que devem ser estritamente seguidos. Autoridades prestam contas dos seus atos quando há dúvidas sobre eles. Evitam conflitos de interesse como, por exemplo, o que pode haver num encontro com advogados de pessoas que estão neste momento sendo investigados pela Polícia Federal. E se o ministro estiver amanhã julgando esse caso na Suprema Corte? O encontro foi definitivamente inconveniente.
20 de fevereiro de 2015
Miriam Leitão, O Globo
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