"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

PERIPÉCIAS DE UM ESPIÃO DA KGB NO BRASIL



A esquerda conserva o hábito de não acatar as críticas, mas de atacar os críticos

O coronel – hoje general – Vladimir Novikov e sua mulher Ludmila Novikov foram membros da KGB e atuaram no Brasil durante 8 anos, na década de 80, período em que Novikov chefiou a sucursal dessa agência de espionagem. Pouco antes da posse de Fernando Collor, em 1990, já com o socialismo real sendo desmantelado no Leste-Europeu, o casal retornou à União Soviética.

O pai de Vladimir Novikov foi agente da KGB no tempo em que era chamada de NKVD, e o de Ludmila foi oficial da NKVD quando ela se chamava GPU. Vêm, portanto, de tradicionais famílias de espiões.
Vladimir fazia parte do grupo ultra-fechado na União Soviética. A elite da elite; a nomenklatura. Até o fim da União Soviética, em 1991, falar de sua vida era inimaginável. Mas isso foi antes que seu mundo desabasse.

Ludmila, linda e insinuante, era considerada por Vladimir como “sua principal agente”, pois sempre encontrou uma forma de se aproximar dos presidentes dos países para onde eram designados. Melhor ainda quando o próprio presidente é escritor, como no caso de José Sarney, cujos livros Ludmila traduziu. Ficaram amigos do filho de Sarney, Zequinha Sarney, para, assim, conseguir intimidade com o presidente. Nenhum dos dois, no entanto, sabia que Vladimir e Ludmila eram membros da KGB (entrevista de Vladimir Novikov concedida a William Waak e publicada pela revista “Veja”, 12 de julho de 1995).

Na entrevista, Novikov diz ter iniciado sua “carreira” latino-americana no México, que durante décadas foi o principal centro de espionagem soviética neste lado do mundo. Todavia, o Brasil, como o maior país da região, é onde a rede de espionagem do KGB era considerada mais importante.

Eu tinha vinte agentes no Brasil”, diz Novikov, “mas não vou dizer quem eram, pois muitos deles devem estar trabalhando ainda”. A rede de Novikov era composta, sobretudo, por diplomatas da embaixada soviética em Brasília e da representação comercial em São Paulo. No Rio de Janeiro, o chefe da KGB, subordinado a Vladimir, era o chefe da agência de notícias Tass, com status de jornalista.

Havia pelo menos uma atividade extra-oficial da qual Novikov participou diversas vezes e detestava: entregar dinheiro aos partidos comunistas latino-americanos. O chamado “Ouro de Moscou”. Segundo ele, “era puro desperdício de tempo e de recursos, que podiam ser muito melhor utilizados por nossa rede”.

Era perigoso, pois a KGB considerava os militantes comunistas um grave risco de segurança. “Mal treinados, os comunistas locais não respeitavam as regras da conspiração. Infiltrados pelas polícias locais, podiam causar sérios problemas de segurança às nossas embaixadas”. Um recibo era assinado e enviado pela mala diplomática para Moscou.

O dinheiro enviado por Moscou aos partidos comunistas latino-americanos era, na sua maior parte, “gasto com mulheres, compra de imóveis e festas. Fui eu que parei com essa história de entregar dinheiro para os comunistas do Brasil. Os comunistas brasileiros continuaram recebendo em algum lugar da Europa (Suíça, segundo o autor deste artigo). Mas minha rede não precisava mais perder tempo com esses inúteis”.

Segundo Vladimir Novikov, “as últimas contribuições de Moscou para o PCB, por ordem do Comitê Central, foram para a campanha eleitoral de 1989, quando o deputado Roberto Freire foi o candidato do partido à Presidência da República”.

“Na KGB, a falta de recursos era crônica – prossegue Novikov -. Uma vez, na Colômbia, oferecemos 300 dólares para um sujeito da CIA e ele fez uma contra-oferta de 50 mil dólares”.

Novikov investia em contatos pessoais e ficava amigo das pessoas. “Vocêfica amigo de uma pessoa quando pode fazer a ela qualquer pergunta”,explicou Novikov.

Ele não tinha uma boa impressão dos embaixadores soviéticos: “Havia muitos ladrões e preguiçosos (...) Os embaixadores eram nomeados pelo Politburo. Ou seja, pelo céu. Faziam parte da nomenklatura e estavam muito acima do resto”.

Nada o deixa mais irritado do que falar dos quatro anos que passou como agente da KGB em Cuba, na década de 60, depois que Fidel tomou o Poder e fez o país se aliar à União Soviética. “A gente se sentia como num país inimigo, pois os cubanos não nos contavam o que faziam e minha função era justamente saber quais eram suas intenções. Era a época em que Fidel Castro estava preocupado em se ver livre de possíveis concorrentes, como Camilo Cienfuegos, um dos veteranos de Sierra Maestra, Piñero Losada, o chefe da Política Secreta, e Che Guevara. Eram muitos ursos para uma jaula só” (observe-se que os dois primeiros morreram em acidentes. O primeiro na década de 60, de um acidente aéreo; o segundo na década de 90, de um acidente automobilístico).

Novikov e Ludmila voltaram para a União Soviética em 1990, um ano antes de ser desmembrada. Tão forte quanto a sua atual penúria financeira foi a pancada moral de ter perdido a Guerra-Fria. Diz ele: “Lutei todos esses anos para acabar vendo os americanos vindo aqui agora comprar qualquer um por 20 dólares”. Ambos estão arrasados pela idéia de que tudo que tentaram foi em vão, seu mundo acabou e não vale a pena viver no atual. Mesmo o passado está morrendo devagarzinho, pois ambos não vêem sentido em estar falando dele.

Por que, então, não contar tudo, deixar um depoimento para a História, falar com seriedade sobre tudo o que foi feito?

Porque restou a fidelidade.

12 de fevereiro de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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