Diante dos notórios desmandos na Petrobras, muitos defendem a privatização da estatal. Sob o prisma da racionalidade econômica, a medida geraria enormes benefícios para a empresa, seus funcionários e o país.
As privatizações da Vale e da Embraer demonstraram que mesmo estatais bem geridas podem colher gigantescos ganhos de eficiência depois de privatizadas. Elas se livram das amarras do controle do governo — nomeações políticas, regras de licitação, descontinuidade administrativa, gastos de propaganda de interesse do governo e por aí afora. Mas a privatização da Petrobras dificilmente teria o apoio da sociedade.
A ação empresarial do Estado se acentuou a partir do século XIX na Europa. Países que não reuniam as condições que enriqueceram o Reino Unido buscaram criá-las via empresas estatais — como bancos e ferrovias — para fomentar a industrialização, A teoria econômica, desde Adam Smith, justifica a criação de estatais quando o setor privado não é capaz de prover bens e serviços essenciais ao desenvolvimento. São as "falhas de mercado".
A partir da primeira metade do século XX, a esquerda viu outras razões para criar estatais ou estatizar empresas privadas: atividades-chave deveriam ser guiadas pelo interesse nacional, e não pelo objetivo único do lucro. O mesmo se dizia de setores "estratégicos", como o de petróleo e o de ferrovias, e dos associados à defesa, caso das áreas espacial e nuclear.
No intervalo das duas grandes guerras, partidos socialistas abraçaram essas ideias. O Partido Trabalhista britânico, vencedor das eleições de 1945, as adotou sob a liderança do primeiro-ministro Clement Attlee. Foram estatizados a indústria do carvão, as ferrovias, os telégrafos, a siderurgia, a energia elétrica, a aviação civil e o Banco da Inglaterra (o atual banco central), que fora controlado por capitais privados desde sua fundação (1694). Já estavam sob o controle do governo o petróleo e a BBC.
No início, a impressão foi de melhoria na operação das empresas, mas depois se percebeu, em especial nos anos 70, que nem as premissas da estatização eram corretas nem as estatais eram eficientes. Passados 34 anos da aprovação da plataforma de Attlee, o eleitorado britânico elegeu o Partido Conservador e aprovou a privatização, afinal implementada, com firmeza, pela primeira- ministra Margaret Thatcher. Na volta ao poder como primeiro-ministro Tony Blair (1997), os trabalhistas mantiveram as privatizações.
No Brasil, as ideias da esquerda europeia se acentuaram pelas crenças antiliberais de nossas origens culturais. As primeiras estatais surgiram no princípio do século XX e se alastraram no pós-guerra. O apoio à privatização nos anos 1980 se inspirou no exemplo britânico e nas ineficiências das estatais. O processo iniciou-se com a devolução, ao setor privado, de empresas antes estatizadas. Acelerou-se na década de 90 com a venda de empresas industriais e das estatais das áreas de telecomunicações e energia, além da Vale, da Embraer e de bancos estaduais. Contrário a tudo isso, Lula, à la Tony Blair, manteve as privatizações depois que se elegeu.
O apoio à privatização nunca se estendeu a estatais como o Banco do Brasil e a Petrobras. Tende a continuar assim por muito tempo, pois elas são símbolos venerados por uma maioria favorável a esse tipo de ação do Estado. Como disse Edmar Bacha, símbolos existem também em países avançados, como os aeroportos nos Estados Unidos, que são estatais. O mesmo se dirá da BBC no Reino Unido e do petróleo na Noruega.
A diferença em relação ao Brasil é a forma como as estatais são administradas. Lá, seus gestores são profissionais gabaritados, escolhidos de forma impessoal, geralmente por head-hunters. Adotam-se princípios de governança corporativa típicos das empresas privadas de capital aberto.
Sem ambiente nem apoio para privatizar a Petrobras, uma forma de coibir a repetição do escândalo do petrolão é guiar-se pelo exemplo de países ricos, incorporando suas regras de escolha dos dirigentes e de gestão das estatais. Os ganhos de eficiência não seriam tão espetaculares quanto na privatização, mas a operação e a produtividade de uma empresa seriam bem melhores.
12 de fevereiro de 2015
Mailson da Nóbrega, Veja
As privatizações da Vale e da Embraer demonstraram que mesmo estatais bem geridas podem colher gigantescos ganhos de eficiência depois de privatizadas. Elas se livram das amarras do controle do governo — nomeações políticas, regras de licitação, descontinuidade administrativa, gastos de propaganda de interesse do governo e por aí afora. Mas a privatização da Petrobras dificilmente teria o apoio da sociedade.
A ação empresarial do Estado se acentuou a partir do século XIX na Europa. Países que não reuniam as condições que enriqueceram o Reino Unido buscaram criá-las via empresas estatais — como bancos e ferrovias — para fomentar a industrialização, A teoria econômica, desde Adam Smith, justifica a criação de estatais quando o setor privado não é capaz de prover bens e serviços essenciais ao desenvolvimento. São as "falhas de mercado".
A partir da primeira metade do século XX, a esquerda viu outras razões para criar estatais ou estatizar empresas privadas: atividades-chave deveriam ser guiadas pelo interesse nacional, e não pelo objetivo único do lucro. O mesmo se dizia de setores "estratégicos", como o de petróleo e o de ferrovias, e dos associados à defesa, caso das áreas espacial e nuclear.
No intervalo das duas grandes guerras, partidos socialistas abraçaram essas ideias. O Partido Trabalhista britânico, vencedor das eleições de 1945, as adotou sob a liderança do primeiro-ministro Clement Attlee. Foram estatizados a indústria do carvão, as ferrovias, os telégrafos, a siderurgia, a energia elétrica, a aviação civil e o Banco da Inglaterra (o atual banco central), que fora controlado por capitais privados desde sua fundação (1694). Já estavam sob o controle do governo o petróleo e a BBC.
No início, a impressão foi de melhoria na operação das empresas, mas depois se percebeu, em especial nos anos 70, que nem as premissas da estatização eram corretas nem as estatais eram eficientes. Passados 34 anos da aprovação da plataforma de Attlee, o eleitorado britânico elegeu o Partido Conservador e aprovou a privatização, afinal implementada, com firmeza, pela primeira- ministra Margaret Thatcher. Na volta ao poder como primeiro-ministro Tony Blair (1997), os trabalhistas mantiveram as privatizações.
No Brasil, as ideias da esquerda europeia se acentuaram pelas crenças antiliberais de nossas origens culturais. As primeiras estatais surgiram no princípio do século XX e se alastraram no pós-guerra. O apoio à privatização nos anos 1980 se inspirou no exemplo britânico e nas ineficiências das estatais. O processo iniciou-se com a devolução, ao setor privado, de empresas antes estatizadas. Acelerou-se na década de 90 com a venda de empresas industriais e das estatais das áreas de telecomunicações e energia, além da Vale, da Embraer e de bancos estaduais. Contrário a tudo isso, Lula, à la Tony Blair, manteve as privatizações depois que se elegeu.
O apoio à privatização nunca se estendeu a estatais como o Banco do Brasil e a Petrobras. Tende a continuar assim por muito tempo, pois elas são símbolos venerados por uma maioria favorável a esse tipo de ação do Estado. Como disse Edmar Bacha, símbolos existem também em países avançados, como os aeroportos nos Estados Unidos, que são estatais. O mesmo se dirá da BBC no Reino Unido e do petróleo na Noruega.
A diferença em relação ao Brasil é a forma como as estatais são administradas. Lá, seus gestores são profissionais gabaritados, escolhidos de forma impessoal, geralmente por head-hunters. Adotam-se princípios de governança corporativa típicos das empresas privadas de capital aberto.
Sem ambiente nem apoio para privatizar a Petrobras, uma forma de coibir a repetição do escândalo do petrolão é guiar-se pelo exemplo de países ricos, incorporando suas regras de escolha dos dirigentes e de gestão das estatais. Os ganhos de eficiência não seriam tão espetaculares quanto na privatização, mas a operação e a produtividade de uma empresa seriam bem melhores.
12 de fevereiro de 2015
Mailson da Nóbrega, Veja
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