O sistema tributário brasileiro tornou-se, ao longo dos últimos 30 anos, uma das principais fontes de elevação dos custos de transação. Assim, exerce influência negativa na produtividade e inibe a expansão do potencial de crescimento da economia. Isso deriva da complexidade associada às formas de incidência, às regras de recolhimento e ao desenho institucional de cada um dos impostos e contribuições. O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o exemplo mais destacado desse quadro de complexidade e de dificuldade para se fazerem negócios. Temos uma bagunça provavelmente sem paralelo entre os mais de 150 países que tributam o consumo pelo método do valor agregado. É o caos. Em benefício dos interesses federativos e do desenvolvimento do País, é preciso mudar.
A impressão (correta) das pessoas é que a carga tributária brasileira não gera o retorno esperado e atravanca o crescimento. É preciso, no entanto, qualificar melhor o debate para que se tenha um bom diagnóstico, capaz de criar as condições para a formulação, a discussão e a aprovação de um projeto de reforma digno desse nome. A capacidade de investimentos e de produção da economia nacional precisa voltar a ser ampliada e, ao mesmo tempo, a agenda federativa demanda, com urgência, maior atenção do poder central.
Não se deve imaginar que uma solução seja encontrada sem que esses dois grandes âmbitos sejam amplamente discutidos - o eixo dos objetivos econômicos e fiscais pretendidos com a reforma e a dimensão do compromisso com a garantia de autonomia às jurisdições locais. A correta defesa da autonomia estadual não pode obscurecer a necessidade de um mínimo de harmonia entre as instituições que regulam o sistema tributário. É inadmissível, sob o ponto de vista econômico e social, que uma tributação mal concebida se torne um obstáculo à elevação dos ganhos de produtividade e da competitividade dos produtos brasileiros nos mercados mundiais.
Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, no Brasil são gastas 2.600 horas/ano para "preparar, arquivar e pagar (ou reter) o imposto de renda das empresas, o imposto sobre o valor agregado e as contribuições de previdência social". A média da América Latina é de 369 horas/ano e nos países da OCDE, apenas 175 horas/ano. Não custa lembrar que a complexidade do ICMS impede que as empresas exportadoras possam recuperar todos os créditos que acumulam nas vendas para o exterior, o que resulta numa barbaridade, isto é, a tributação, na prática, das exportações. Acresce notar que o ICMS é o mais importante tributo do País, em termos de arrecadação. Responde por 20,9% da arrecadação total de todos os entes federados, ou seja, algo como 7,5 pontos porcentuais do produto interno bruto (PIB), da carga tributária total de 35,9% do PIB, (dados de 2012, conforme a última estatística posta à disposição pela Receita Federal).
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) deveria ser o órgão encarregado da aprovação de convênios entre os Estados para estabelecer regras sobre regimes de tributação, obrigações acessórias e incentivos fiscais. Acontece que o Confaz perdeu muito de seu papel a partir da Constituição de 1988, que atribuiu ampla competência aos Estados para fixar normas e alíquotas do ICMS. O órgão foi politicamente esvaziado. Como, além disso, a União não dispõe, a rigor, de instrumentos para punir os Estados que se excedem em sua competência e bagunçam o ICMS, cada um deles pode, na prática, fixar suas próprias regras. A autonomia concedida pela Constituição transformou-se numa espécie de "liberou geral" que impede a harmonização do ICMS no território nacional, condição essencial para o bom funcionamento de um tributo sobre o valor agregado arrecadado em várias jurisdições.
O ICMS é um caso típico de "soma negativa", em que todos perdem. O conjunto da sociedade é prejudicado na medida em que a complexidade estapafúrdia do tributo mina os investimentos, desestimula a produção e fere os princípios federativos mais basilares.
Mudar essa situação requer um compromisso novo com a agenda federativa e a agenda do crescimento econômico. No melhor dos cenários, seria necessário criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a ser cobrado pela União e partilhado automaticamente com os Estados e municípios (atualmente uma parte do ICMS é transferida aos municípios, vale lembrar), como acontece em todas as federações do mundo que adotam o método. O Brasil tem ampla experiência nesse mecanismo de partilha. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda (IR) pertencem constitucionalmente a todos os entes federados, mas são arrecadados centralmente e partilhados via Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação dos Municípios. Um plano alternativo, embora de menor impacto, seria unificar as 27 legislações estaduais, o que permitiria uma harmonização semelhante à que vigora na União Europeia. Lá regras uniformes são aplicadas, com raras exceções, por todos os 27 países-membros.
Trata-se de um desafio político ambicioso. A busca de um novo equilíbrio, melhor do que o atual, é parte do processo de construção democrática, de bons princípios federativos e de eficiência econômica na tributação do consumo.
O Brasil precisa crescer e para isso tem de firmar, sob liderança política transformadora, um compromisso entre os governadores, a classe política, os empresários e os trabalhadores para que a força da mudança se sobreponha às das coalizões de veto hoje existentes e dos interesses individuais dos Estados, que não podem ser maiores que os do Brasil.
A impressão (correta) das pessoas é que a carga tributária brasileira não gera o retorno esperado e atravanca o crescimento. É preciso, no entanto, qualificar melhor o debate para que se tenha um bom diagnóstico, capaz de criar as condições para a formulação, a discussão e a aprovação de um projeto de reforma digno desse nome. A capacidade de investimentos e de produção da economia nacional precisa voltar a ser ampliada e, ao mesmo tempo, a agenda federativa demanda, com urgência, maior atenção do poder central.
Não se deve imaginar que uma solução seja encontrada sem que esses dois grandes âmbitos sejam amplamente discutidos - o eixo dos objetivos econômicos e fiscais pretendidos com a reforma e a dimensão do compromisso com a garantia de autonomia às jurisdições locais. A correta defesa da autonomia estadual não pode obscurecer a necessidade de um mínimo de harmonia entre as instituições que regulam o sistema tributário. É inadmissível, sob o ponto de vista econômico e social, que uma tributação mal concebida se torne um obstáculo à elevação dos ganhos de produtividade e da competitividade dos produtos brasileiros nos mercados mundiais.
Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, no Brasil são gastas 2.600 horas/ano para "preparar, arquivar e pagar (ou reter) o imposto de renda das empresas, o imposto sobre o valor agregado e as contribuições de previdência social". A média da América Latina é de 369 horas/ano e nos países da OCDE, apenas 175 horas/ano. Não custa lembrar que a complexidade do ICMS impede que as empresas exportadoras possam recuperar todos os créditos que acumulam nas vendas para o exterior, o que resulta numa barbaridade, isto é, a tributação, na prática, das exportações. Acresce notar que o ICMS é o mais importante tributo do País, em termos de arrecadação. Responde por 20,9% da arrecadação total de todos os entes federados, ou seja, algo como 7,5 pontos porcentuais do produto interno bruto (PIB), da carga tributária total de 35,9% do PIB, (dados de 2012, conforme a última estatística posta à disposição pela Receita Federal).
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) deveria ser o órgão encarregado da aprovação de convênios entre os Estados para estabelecer regras sobre regimes de tributação, obrigações acessórias e incentivos fiscais. Acontece que o Confaz perdeu muito de seu papel a partir da Constituição de 1988, que atribuiu ampla competência aos Estados para fixar normas e alíquotas do ICMS. O órgão foi politicamente esvaziado. Como, além disso, a União não dispõe, a rigor, de instrumentos para punir os Estados que se excedem em sua competência e bagunçam o ICMS, cada um deles pode, na prática, fixar suas próprias regras. A autonomia concedida pela Constituição transformou-se numa espécie de "liberou geral" que impede a harmonização do ICMS no território nacional, condição essencial para o bom funcionamento de um tributo sobre o valor agregado arrecadado em várias jurisdições.
O ICMS é um caso típico de "soma negativa", em que todos perdem. O conjunto da sociedade é prejudicado na medida em que a complexidade estapafúrdia do tributo mina os investimentos, desestimula a produção e fere os princípios federativos mais basilares.
Mudar essa situação requer um compromisso novo com a agenda federativa e a agenda do crescimento econômico. No melhor dos cenários, seria necessário criar um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a ser cobrado pela União e partilhado automaticamente com os Estados e municípios (atualmente uma parte do ICMS é transferida aos municípios, vale lembrar), como acontece em todas as federações do mundo que adotam o método. O Brasil tem ampla experiência nesse mecanismo de partilha. O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda (IR) pertencem constitucionalmente a todos os entes federados, mas são arrecadados centralmente e partilhados via Fundo de Participação dos Estados e Fundo de Participação dos Municípios. Um plano alternativo, embora de menor impacto, seria unificar as 27 legislações estaduais, o que permitiria uma harmonização semelhante à que vigora na União Europeia. Lá regras uniformes são aplicadas, com raras exceções, por todos os 27 países-membros.
Trata-se de um desafio político ambicioso. A busca de um novo equilíbrio, melhor do que o atual, é parte do processo de construção democrática, de bons princípios federativos e de eficiência econômica na tributação do consumo.
O Brasil precisa crescer e para isso tem de firmar, sob liderança política transformadora, um compromisso entre os governadores, a classe política, os empresários e os trabalhadores para que a força da mudança se sobreponha às das coalizões de veto hoje existentes e dos interesses individuais dos Estados, que não podem ser maiores que os do Brasil.
13 de agosto de 2014
Milson da Nóbrega e Felipe Salto, O Estadão
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