Foi-se o tempo da jactância chavista em Caracas, quando o caudilho Hugo Chávez e sua feroz militância posavam de libertadores da América, como se o "socialismo do século 21" tivesse vindo para ficar. O dinheiro da revolução acabou - foi desperdiçado em loucuras estatistas e engordou o bolso dos "boligarcas", como são chamados os oportunistas que enriqueceram na esteira do bolivarianismo. O populismo cobrou seu preço, e ao sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, parece não ter restado alternativa senão recorrer a um pouco de racionalidade econômica para tentar, literalmente, salvar a pátria. A esse choque Maduro deu o apropriado nome de "sacudón".
Ainda não se sabe exatamente do que se trata o pacote de medidas drásticas prometido por Maduro, mas elas devem incluir a demissão de ministros, o reajuste de impostos e o corte de subsídios, que têm sido o esteio das políticas sociais chavistas. No caso da energia elétrica, por exemplo, o auxílio estatal cobre até 80% da tarifa, o que se tornou insustentável diante do quadro de colapso do país.
A medida mais significativa, porém, deverá ser o reajuste dos preços dos combustíveis - tema que é tabu na Venezuela. Graças ao pesado subsídio, a gasolina do país é a mais barata do mundo - menos de R$ 0,04 por litro. Ao preço de uma garrafa de água mineral, na Venezuela se compram 120 litros de gasolina. Os venezuelanos orgulham-se de encher o tanque praticamente de graça.
Foi justamente o reajuste dos combustíveis, também como parte de um plano de austeridade, que deflagrou uma das maiores convulsões sociais da história da Venezuela, o "Caracazo", movimento espontâneo de protesto ocorrido no governo de Carlos Andrés Pérez, em 1989, que resultou em forte repressão e centenas de mortos. Graças a esse episódio, o movimento golpista liderado por Chávez ganhou força.
Isso basta para perceber a gravidade dos passos que Maduro está prestes a dar, razão pela qual ele está cercando sua decisão de muito mistério - disse que "não há pressa" para promover o reajuste e que o país ainda tem recursos para continuar subsidiando a gasolina. No entanto, Maduro deixou claro que a medida será tomada de qualquer maneira: "Estamos dando gasolina de presente, estamos pagando para que se consuma gasolina. É preciso corrigir isso, sem que haja perturbações econômicas e políticas". Especula-se que o preço da gasolina pode subir entre 22 e 63 vezes. Ainda que Maduro diga que o dinheiro obtido com o reajuste será usado em projetos sociais, será uma pancada e tanto.
Até o passarinho que se faz passar por Chávez sabe que não será fácil para o presidente impor sua vontade. Recém-eleito presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), cargo que estava vago desde a morte de Chávez, em 2013, Maduro detém, ao menos em teoria, poder para implementar as medidas. No entanto, enfrenta graves divisões internas no governo e no PSUV quanto à direção que o país tomará após o "sacudón".
Maduro vem mantendo suspense sobre as medidas em parte justamente porque precisa superar a resistência em suas próprias fileiras. Foi por esse motivo que o presidente advertiu os descontentes: "Vou exigir máxima lealdade e disciplina". Ele acrescentou que não tolerará críticas da "esquerda antiquada" que, segundo ele, pretende tutelá-lo.
No congresso do PSUV, Maduro disse que "há problemas sérios no desenvolvimento do nosso modelo" - e um deles é o controle cambial, que destruiu o que restara de indústria e de agricultura e prejudicou a PDVSA, gigante estatal de petróleo que é o esteio da "revolução bolivariana" e que poderá se desfazer de suas refinarias e distribuidoras nos Estados Unidos para obter divisas. Se quiser mesmo fazer com que o bolívar atinja uma cotação mais realista ante o dólar, no entanto, Maduro terá de enfrentar os radicais do PSUV, que veem na manipulação do câmbio uma forma de controlar as importações. Como se vê, a "transição para o socialismo produtivo (sic)", prometida por Maduro, será turbulenta.
Ainda não se sabe exatamente do que se trata o pacote de medidas drásticas prometido por Maduro, mas elas devem incluir a demissão de ministros, o reajuste de impostos e o corte de subsídios, que têm sido o esteio das políticas sociais chavistas. No caso da energia elétrica, por exemplo, o auxílio estatal cobre até 80% da tarifa, o que se tornou insustentável diante do quadro de colapso do país.
A medida mais significativa, porém, deverá ser o reajuste dos preços dos combustíveis - tema que é tabu na Venezuela. Graças ao pesado subsídio, a gasolina do país é a mais barata do mundo - menos de R$ 0,04 por litro. Ao preço de uma garrafa de água mineral, na Venezuela se compram 120 litros de gasolina. Os venezuelanos orgulham-se de encher o tanque praticamente de graça.
Foi justamente o reajuste dos combustíveis, também como parte de um plano de austeridade, que deflagrou uma das maiores convulsões sociais da história da Venezuela, o "Caracazo", movimento espontâneo de protesto ocorrido no governo de Carlos Andrés Pérez, em 1989, que resultou em forte repressão e centenas de mortos. Graças a esse episódio, o movimento golpista liderado por Chávez ganhou força.
Isso basta para perceber a gravidade dos passos que Maduro está prestes a dar, razão pela qual ele está cercando sua decisão de muito mistério - disse que "não há pressa" para promover o reajuste e que o país ainda tem recursos para continuar subsidiando a gasolina. No entanto, Maduro deixou claro que a medida será tomada de qualquer maneira: "Estamos dando gasolina de presente, estamos pagando para que se consuma gasolina. É preciso corrigir isso, sem que haja perturbações econômicas e políticas". Especula-se que o preço da gasolina pode subir entre 22 e 63 vezes. Ainda que Maduro diga que o dinheiro obtido com o reajuste será usado em projetos sociais, será uma pancada e tanto.
Até o passarinho que se faz passar por Chávez sabe que não será fácil para o presidente impor sua vontade. Recém-eleito presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), cargo que estava vago desde a morte de Chávez, em 2013, Maduro detém, ao menos em teoria, poder para implementar as medidas. No entanto, enfrenta graves divisões internas no governo e no PSUV quanto à direção que o país tomará após o "sacudón".
Maduro vem mantendo suspense sobre as medidas em parte justamente porque precisa superar a resistência em suas próprias fileiras. Foi por esse motivo que o presidente advertiu os descontentes: "Vou exigir máxima lealdade e disciplina". Ele acrescentou que não tolerará críticas da "esquerda antiquada" que, segundo ele, pretende tutelá-lo.
No congresso do PSUV, Maduro disse que "há problemas sérios no desenvolvimento do nosso modelo" - e um deles é o controle cambial, que destruiu o que restara de indústria e de agricultura e prejudicou a PDVSA, gigante estatal de petróleo que é o esteio da "revolução bolivariana" e que poderá se desfazer de suas refinarias e distribuidoras nos Estados Unidos para obter divisas. Se quiser mesmo fazer com que o bolívar atinja uma cotação mais realista ante o dólar, no entanto, Maduro terá de enfrentar os radicais do PSUV, que veem na manipulação do câmbio uma forma de controlar as importações. Como se vê, a "transição para o socialismo produtivo (sic)", prometida por Maduro, será turbulenta.
13 de agosto de 2014
Editorial do Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário