Se havia dúvida quanto aos riscos de caos na Copa do Mundo, ela foi extinta na última sexta-feira, a seis dias da abertura do evento, justamente na cidade sede que abrigará a grande festa na próxima quinta-feira. Com metroviários em greve, rodízio de veículos suspenso e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MSTS) interrompendo o fluxo do trânsito em ruas e avenidas da zona sul, São Paulo parou.
Antes mesmo que tivesse início o deslocamento dos torcedores para o Morumbi, onde, à tarde, a Seleção Brasileira faria seu último jogo treino, a manhã foi de congestionamento histórico, um recorde na megalópole cuja digital traz impressa a marca dos engarrafamentos.
Na quarta-feira, Belo Horizonte já havia sido isolada do Aeroporto de Confins, por onde desembarcarão, além de torcedores e autoridades, três seleções que vão ficar instaladas em Minas Gerais (Argentina, Chile e Uruguai). Isso, porque professores da rede estadual de ensino decidiram bloquear a rodovia de ligação com a cidade. E o bloqueio durou cerca de quatro horas. Quem ia, perdia voo; quem vinha, perdia compromissos.
Nos dois sentidos, muitos se perguntavam: "E se fosse na Copa?". É o fantasma da tragédia anunciada materializando-se como funesto aviso aos governantes para que acertem o passo. Mas o alerta vem sendo dado há tempos, como na própria capital da República, uma semana antes, quando o acesso ao Estádio Mané Garrincha foi repentinamente cortado por um grupo de manifestantes.
Parece esquecida no tempo a lição de um dos maiores jogadores de todos os tempos: "Treino é treino, jogo é jogo". A pérola foi criada para o futebol, mas cabe como uma luva na situação atual dos preparativos para a Copa do Mundo no Brasil.
O autor da frase é o bicampeão mundial (1958 e 1962) Didi, Bola de Ouro da Fifa, criador da "folha seca" - chute com efeito que muda a trajetória da bola - e cuja elegância em campo fez dele o Princípe Etíope, nas famosas crônicas esportivas do jornalista e escritor Nelson Rodrigues. A verdade dessa máxima do grande craque, tratado pela imprensa europeia por "Mr. Football", é que a hora do treino passou.
Delegações já chegam ao país e pelo menos 11 presidentes e primeiros-ministros têm presença confirmada na festa de abertura. Ou seja, o jogo começou. Mas se o Estado nem sequer consegue garantir o ir e vir das pessoas, o que esperar do resto?
Vale lembrar outra frase de Didi, morto de câncer 13 anos atrás. Em 1958, quando a Suécia, então anfitriã, abriu o placar na final, ele decretou: "Vamos lá, acabou a moleza, vamos encher esses gringos de gols". Resultado: 5 x 2 e o primeiro título mundial para o Brasil.
Mas agora os anfitriões somos nós, o placar é mais desfavorável, bolas fora se acumulam com as obras inacabadas, cartões vermelhos se sucedem com chutes na canela do planejamento e estamos praticamente na prorrogação, a quatro dias do apito final.
Em vez de se deixar dominar pelo desespero, a tática recomenda pôr em campo um mínimo de organização. Quem sabe ainda não seja possível, ao menos, salvar a pátria de chuteiras de passar por humilhação capaz de nos fazer esquecer, por vias transversas, o trágico maracanazo? Ali, em 1950, francos favoritos, deixamos o Uruguai levar a taça em pleno Maracanã, e de virada: 2 x 1.
11 de junho de 2014
Editorial Correio Braziliense
Antes mesmo que tivesse início o deslocamento dos torcedores para o Morumbi, onde, à tarde, a Seleção Brasileira faria seu último jogo treino, a manhã foi de congestionamento histórico, um recorde na megalópole cuja digital traz impressa a marca dos engarrafamentos.
Na quarta-feira, Belo Horizonte já havia sido isolada do Aeroporto de Confins, por onde desembarcarão, além de torcedores e autoridades, três seleções que vão ficar instaladas em Minas Gerais (Argentina, Chile e Uruguai). Isso, porque professores da rede estadual de ensino decidiram bloquear a rodovia de ligação com a cidade. E o bloqueio durou cerca de quatro horas. Quem ia, perdia voo; quem vinha, perdia compromissos.
Nos dois sentidos, muitos se perguntavam: "E se fosse na Copa?". É o fantasma da tragédia anunciada materializando-se como funesto aviso aos governantes para que acertem o passo. Mas o alerta vem sendo dado há tempos, como na própria capital da República, uma semana antes, quando o acesso ao Estádio Mané Garrincha foi repentinamente cortado por um grupo de manifestantes.
Parece esquecida no tempo a lição de um dos maiores jogadores de todos os tempos: "Treino é treino, jogo é jogo". A pérola foi criada para o futebol, mas cabe como uma luva na situação atual dos preparativos para a Copa do Mundo no Brasil.
O autor da frase é o bicampeão mundial (1958 e 1962) Didi, Bola de Ouro da Fifa, criador da "folha seca" - chute com efeito que muda a trajetória da bola - e cuja elegância em campo fez dele o Princípe Etíope, nas famosas crônicas esportivas do jornalista e escritor Nelson Rodrigues. A verdade dessa máxima do grande craque, tratado pela imprensa europeia por "Mr. Football", é que a hora do treino passou.
Delegações já chegam ao país e pelo menos 11 presidentes e primeiros-ministros têm presença confirmada na festa de abertura. Ou seja, o jogo começou. Mas se o Estado nem sequer consegue garantir o ir e vir das pessoas, o que esperar do resto?
Vale lembrar outra frase de Didi, morto de câncer 13 anos atrás. Em 1958, quando a Suécia, então anfitriã, abriu o placar na final, ele decretou: "Vamos lá, acabou a moleza, vamos encher esses gringos de gols". Resultado: 5 x 2 e o primeiro título mundial para o Brasil.
Mas agora os anfitriões somos nós, o placar é mais desfavorável, bolas fora se acumulam com as obras inacabadas, cartões vermelhos se sucedem com chutes na canela do planejamento e estamos praticamente na prorrogação, a quatro dias do apito final.
Em vez de se deixar dominar pelo desespero, a tática recomenda pôr em campo um mínimo de organização. Quem sabe ainda não seja possível, ao menos, salvar a pátria de chuteiras de passar por humilhação capaz de nos fazer esquecer, por vias transversas, o trágico maracanazo? Ali, em 1950, francos favoritos, deixamos o Uruguai levar a taça em pleno Maracanã, e de virada: 2 x 1.
11 de junho de 2014
Editorial Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário