Crescem suspeitas sobre contratos de US$ 1,1 bilhão concedidos a uma empresa brasileira pela cleptocracia do Congo, que recebeu o perdão de 79% da dívida do país
Numa tarde de quarta-feira de um ano atrás, 22 de maio, Dilma Rousseff pediu e o Senado concedeu, sem debate, perdão sobre 79% da dívida que o Congo-Brazzaville mantinha pendente com o Brasil há quatro décadas.
O débito somava US$ 353 milhões. O governo brasileiro renunciou a US$ 278 milhões. Aceitou receber US$ 68,8 milhões — em até 20 parcelas trimestrais até 2019 —, do país que é o quarto maior produtor de petróleo da África.
O perdão de Dilma foi o desfecho de uma operação iniciada em 2005 no Ministério da Fazenda, sob o comando de Antonio Palocci. O objetivo era abrir caminho para empreitadas privadas brasileiras no Congo-Brazzaville.
Cravado no coração africano, tem o tamanho de Goiás. É referência no mapa de produção de petróleo e se destaca na rota dos diamantes “de sangue” — sem origem —, moeda corrente no submundo de armas e do narcotráfico.
Seus quatro milhões de habitantes sobrevivem com renda per capita (US$ 2.700) semelhante à do Paraguai. O poder local está concentrado no clã de Denis Sassou Nguesso, de 71 anos, que se tornou um dos mais longevos cleptocratas africanos. Ex-pobres, os Nguesso detêm bilionário patrimônio no qual constam 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera — segundo documentos de tribunais de Londres e Paris.
O herdeiro político, Denis Christel Nguesso, dirige os negócios do petróleo e tem peculiar apreço pela ostentação: extratos de seus cartões de crédito, anexados a processos por corrupção na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de extravagâncias na compra de roupas no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Para a Justiça britânica é óbvio que ele é financiado “pelos lucros secretos obtidos em negociações da estatal de petróleo”, como afirmou o juiz Stanley Burnton em sentença.
Os Nguesso têm intensificado seus laços com o Brasil. Com o perdão da dívida caloteada nos anos 70, o clã congolês já entregou US$ 1 bilhão em contratos ao grupo Asperbrás, controlado pelos empresários José Roberto e Francisco Carlos Jorge Colnaghi, de Penápolis (SP), cuja receita com a venda de tubos e conexões no mercado brasileiro foi de US$ 15 milhões no ano passado.
Do total contratado, US$ 400 milhões foram para perfuração de quatro mil poços artesianos. O preço médio (US$ 100 mil por furo) ficou dez vezes acima do que é pago pelos países vizinhos. Outros US$ 200 milhões foram destinados a um mapeamento geológico por fotografia, nove vezes mais caro do que o similar executado em Camarões com crédito do Banco Mundial. E houve mais US$ 500 milhões para a construção de alguns galpões industriais em área próxima da capital.
A oposição e organizações civis internacionais com atividade no país estão convencidas de que os Nguesso agregaram a Asperbrás aos seus interesses patrimoniais. Os Colnaghi têm crescido em negócios centro-africanos, às vezes apoiados pelo empresário Maxime Gandzion, predileto dos Nguesso para contratos de petróleo. No Brasil mantêm relações fluidas com Palocci, um dos mais discretos caciques do PT, ex-ministro e chefe da campanha eleitoral de Lula em 2002 e de Dilma em 2010. Costumam emprestar-lhe aviões da frota familiar, especialmente um modelo Citation (prefixo PT-XAC).
11 de junho de 2014
José Casado, O Globo
Numa tarde de quarta-feira de um ano atrás, 22 de maio, Dilma Rousseff pediu e o Senado concedeu, sem debate, perdão sobre 79% da dívida que o Congo-Brazzaville mantinha pendente com o Brasil há quatro décadas.
O débito somava US$ 353 milhões. O governo brasileiro renunciou a US$ 278 milhões. Aceitou receber US$ 68,8 milhões — em até 20 parcelas trimestrais até 2019 —, do país que é o quarto maior produtor de petróleo da África.
O perdão de Dilma foi o desfecho de uma operação iniciada em 2005 no Ministério da Fazenda, sob o comando de Antonio Palocci. O objetivo era abrir caminho para empreitadas privadas brasileiras no Congo-Brazzaville.
Cravado no coração africano, tem o tamanho de Goiás. É referência no mapa de produção de petróleo e se destaca na rota dos diamantes “de sangue” — sem origem —, moeda corrente no submundo de armas e do narcotráfico.
Seus quatro milhões de habitantes sobrevivem com renda per capita (US$ 2.700) semelhante à do Paraguai. O poder local está concentrado no clã de Denis Sassou Nguesso, de 71 anos, que se tornou um dos mais longevos cleptocratas africanos. Ex-pobres, os Nguesso detêm bilionário patrimônio no qual constam 66 imóveis de luxo na França, em áreas nobres do eixo Paris-Provence-Riviera — segundo documentos de tribunais de Londres e Paris.
O herdeiro político, Denis Christel Nguesso, dirige os negócios do petróleo e tem peculiar apreço pela ostentação: extratos de seus cartões de crédito, anexados a processos por corrupção na França e no Reino Unido, sugerem uma rotina de extravagâncias na compra de roupas no circuito Paris-Mônaco-Marbella-Dubai. Para a Justiça britânica é óbvio que ele é financiado “pelos lucros secretos obtidos em negociações da estatal de petróleo”, como afirmou o juiz Stanley Burnton em sentença.
Os Nguesso têm intensificado seus laços com o Brasil. Com o perdão da dívida caloteada nos anos 70, o clã congolês já entregou US$ 1 bilhão em contratos ao grupo Asperbrás, controlado pelos empresários José Roberto e Francisco Carlos Jorge Colnaghi, de Penápolis (SP), cuja receita com a venda de tubos e conexões no mercado brasileiro foi de US$ 15 milhões no ano passado.
Do total contratado, US$ 400 milhões foram para perfuração de quatro mil poços artesianos. O preço médio (US$ 100 mil por furo) ficou dez vezes acima do que é pago pelos países vizinhos. Outros US$ 200 milhões foram destinados a um mapeamento geológico por fotografia, nove vezes mais caro do que o similar executado em Camarões com crédito do Banco Mundial. E houve mais US$ 500 milhões para a construção de alguns galpões industriais em área próxima da capital.
A oposição e organizações civis internacionais com atividade no país estão convencidas de que os Nguesso agregaram a Asperbrás aos seus interesses patrimoniais. Os Colnaghi têm crescido em negócios centro-africanos, às vezes apoiados pelo empresário Maxime Gandzion, predileto dos Nguesso para contratos de petróleo. No Brasil mantêm relações fluidas com Palocci, um dos mais discretos caciques do PT, ex-ministro e chefe da campanha eleitoral de Lula em 2002 e de Dilma em 2010. Costumam emprestar-lhe aviões da frota familiar, especialmente um modelo Citation (prefixo PT-XAC).
11 de junho de 2014
José Casado, O Globo
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